Saúde com mais valor

O 1.º Fórum Saúde + Sustentável - Cuidados de Saúde Baseados na Evidência e Dados de Vida Real defendeu a aposta em “mais evidência para uma maior eficiência” para sistemas de saúde mais sustentáveis.

Foto
HENRIQUE CASINHAS

A inovação é a palavra-chave para encarar desafios futuros. A frase sintetiza uma das principais linhas de pensamento defendidas no 1.º Fórum Saúde + Sustentável, que decorreu a 27 de Fevereiro, no Museu do Oriente, em Lisboa. A iniciativa - promovida pela GSK em parceria com o jornal PÚBLICO - reuniu alguns dos principais interlocutores do sector da saúde em Portugal, para analisar como é que a inovação, a evidência e sustentabilidade estão a ser aplicadas à prestação dos cuidados de saúde e tratamentos dos doentes.

O encontro debateu dificuldades, oportunidades e exemplos de boas-práticas num momento em que estamos a viver “uma revolução na saúde”. As palavras são de Guilherme Monteiro Ferreira, Director de Acesso ao Mercado e Assuntos Externos da GSK Portugal. “É fundamental partilhar o que se faz bem, o que é preciso mudar e também os erros para um ecossistema mais sustentável e centrado naqueles que mais precisam. As populações estão a ficar envelhecidas, o que acarreta um maior número de doenças associadas e inevitavelmente vai causar problemas no Sistema Nacional de Saúde (SNS). Como é que promovemos cuidados de saúde, baseados na evidência, para evitar desperdícios que possam existir nos sistemas de saúde?”, questionou o representante da biofarmacêutica.

Os intervenientes no Fórum reflectiram sobre as melhores soluções para responder às interpelações com que o sector da saúde se confronta na actualidade. De modo a assegurar a sustentabilidade dos cuidados de saúde, a prioridade deve centrar-se no doente. A tecnologia mais avançada só tem valor se for capaz de produzir evidência capaz de melhorar a qualidade de vida da população. Como afirmou António Melo Gouveia, Farmacêutico Hospitalar no Hospital das Forças Armadas, “o principal pilar da sustentabilidade no nosso sistema de saúde é o foco real nos doentes, ou seja, quais são as necessidades dos doentes e como é que se satisfazem”.

Helena Canhão, Directora da NOVA Medical School, que integrou o painel “A Contribuição dos Dados de Vida Real: da Teoria à Prática”, utilizou também a palavra “revolução” para salientar que precisamos de um sistema de saúde que funcione melhor, menos rígido na marcação de consultas e mais eficaz na comunicação. “A personalização dos cuidados de saúde e adaptar a oferta aos doentes são questões cruciais. A população em Portugal está a mudar muito, a geração que está a atingir os 60 anos é diferente das pessoas que tinham esta idade há 20 anos. O doente tornou-se mais complexo, com mais literacia e exigência social. As próprias doenças estão a alterar-se com a globalização e as alterações climáticas. Por outro lado, algumas doenças que eram letais tornaram-se crónicas. A mutação é enorme e por isso a adaptação, a resiliência, mas também a flexibilidade dos sistemas é fundamental para a nossa sobrevivência.”

Neste contexto, a médica explicou que os dados de vida real fazem toda a diferença: “relacionam-se com a prática clínica e recolhemos informações em pessoas que se encontram num contexto mais real do que nos ensaios clínicos, os doentes podem ser idosos ou vulneráveis, podemos encontrar por exemplo grávidas, que é algo que nos ensaios clínicos nem sempre temos, além disso podemos ter pessoas com diabetes graves ou hipertensão arterial. Com estes dados de vida real conseguimos verificar a efectividade e segurança, a longo prazo, em pessoas com doenças complexas”.

Portugal tem capacidade competitiva para ter um papel relevante na área dos ensaios clínicos e gestão de dados de vida real, mas confronta-se com a ausência de uma estratégia consolidada, defendeu no mesmo painel Hélder Mota Filipe, Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos. “Temos uma riqueza que é o SNS, supostamente uma rede, que tornaria tudo mais fácil. Se houvesse capacidade de organização e de gestão da oferta, assim como garantia de qualidade da investigação clínica, podíamos ser muito competitivos com ganhos para os doentes que tinham acesso a terapias inovadoras precocemente, ganhos para os profissionais que tinham outras condições do ponto de vista da investigação e acesso a uma cultura clínica mais virada para os resultados, ganhavam as instituições e o país”, sublinhou.

António Vaz Carneiro, Presidente do Instituto de Saúde Baseada na Evidência, considera que são necessários mais “dados científicos em saúde” para uma medicina de precisão, lembrando que “estão a ser aprovados rapidamente dezenas de medicamentos na área da oncologia com uma base metodológica extremamente deficiente”, sendo “que apenas 1 em 4 doentes oncológicos corresponde nos ensaios clínicos”. Neste âmbito, o médico lembrou que apenas com “a passagem à prática e com dados de qualidade”, com uma captação estruturada daquilo que os doentes sentem no dia-a-dia, podemos ter uma ideia mais clara sobre o efeito de novas terapêuticas e tecnologias.

“Missão da saúde é gerar valor”

No painel “O Impacto da Inovação em Saúde: Maximizar Oportunidades e Mitigar Riscos”, Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, colocou o acento tónico no conceito do valor em saúde, “uma ideia transformadora para a prestação de cuidados de saúde, que pode funcionar em qualquer modelo, desde que o foco sejam os interesses dos doentes”. Também Óscar Gaspar, Presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, afirmou: “Costumo citar Michael Porter, um reconhecidíssimo homem da economia, mas que dedicou as últimas décadas também à economia da saúde, que afirma que a ´missão da saúde é gerar valor´. Tal significa que só conseguimos gerar verdadeiramente valor se estivermos a trabalhar naquilo que importa para o cidadão e que lhe permitirá ter mais ganhos na sua saúde”. Os cuidados de saúde baseados na evidência são uma necessidade, uma obrigação ética, para uma saúde sustentável com o “doente no centro do sistema”, sendo que a recolha de informação de todo o sistema, desde o SNS ao privado, é fundamental para bases de dados seguras, credíveis e completas em Portugal”.

Também Marta Passadouro, da EITHealth InnoStars Ecosystem Lead Portugal, vocacionada para startups e Pequenas e Médias Empresas que têm soluções inovadoras na área da saúde ao nível pan-europeu, salientou a importância de recolher dados do contexto real dos doentes para o desenvolvimento de métodos e modelos de gestão da jornada terapêutica do doente como um todo, permitindo uma maior eficiência da gestão dos recursos e das terapêuticas que podemos aplicar, o que favorece uma gestão hospitalar mais eficaz.

Inovação nos modelos organizacionais

Numa visão abrangente, Vanessa Ribeiro, Coordenadora do Núcleo de Planeamento e Inovação da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), sublinhou que é importante inovar nos modelos organizacionais para gerar mais valor na saúde. E exemplificou com o novo modelo de financiamento “disruptivo” que começou a funcionar nas 39 Unidades Locais de Saúde (ULS), em Portugal. “Baseia-se no financiamento per capita. E o que é per capita? É o pagamento de um valor por pessoa. Mas não é só, deve também ajustar-se o valor per capita ao risco, ou seja, uma ULS pode ter 10 mil pessoas e vai receber um x por cada pessoa, mas estas pessoas têm diferentes doenças com diversos níveis de complexidade. O financiamento será ajustado em função do risco e carga de doença dos utentes” em vez de ser pelo número de actos praticados, explicou. No que se refere às boas práticas, a responsável realça a importância das parcerias e a necessidade de “ouvir as pessoas e perceber a sua experiência com os cuidados de saúde”.

“Como alocamos recursos que por natureza são escassos?”

Reconfigurar a abordagem com base nos resultados mais significativos para os doentes é uma estratégia eficaz para optimizar a utilização dos recursos e minimizar o desperdício para dar resposta a um dos principais desafios da área da saúde. “Como alocamos recursos que por natureza são escassos?”, perguntou Joana Alves, Vice-Presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Economia em Saúde. É precisamente com a economia em saúde que podemos traçar estratégias para decidir onde alocar recursos com o objectivo de acrescentar mais valor. “As escolhas precisam de ser informadas pelos indicadores da economia em saúde para podermos fazer uma melhor alocação dos recursos que temos disponíveis”, explicou.

Para o professor da NOVA SBE, Filipe Costa, “só com a evidência e com dados podemos tomar melhores decisões na saúde para produzir melhores resultados a um custo adequado” com os interesses do doente sempre em primeiro lugar. O docente referiu também a importância da transparência e da multidisciplinariedade para um “sistema equilibrado, sustentável e com uma capacidade de produção efectiva do que serão alocações correctas”.

João Paulo Cruz, Director dos Serviços Farmacêuticos da ULS Santa Maria, considera que “a captura de dados de vida real, para além dos dados clínicos, é fundamental para chegar à percepção do doente, ao valor acrescentado dos tratamentos a que é sujeito”. Para este responsável, o grande “desafio é tentar conciliar os cuidados baseados na evidência, mas garantir ao mesmo tempo custos controlados e a sustentabilidade do sistema”, sabendo-se “que as dificuldades dos hospitais são várias, como os problemas na recolha sistematizada de dados, informatização dos sistemas ou a ausência de automatizações, os desafios com recursos humanos e a complexidade de adaptação às novas tecnologias como a inteligência artificial”.

Alguns obstáculos foram também mencionados por António Melo Gouveia, Farmacêutico Hospitalar no Hospital das Forças Armadas e por Armando Alcobia, Director dos Serviços Farmacêuticos da ULS Almada-Seixal. Um dos aspectos salientados refere-se ao facto dos profissionais de saúde gerirem a recolha de dados como actividade paralela a todas as que já desempenham. “Qual é a esperança no meio de toda esta mudança exponencial? É que a tecnologia possa ser incorporada para que possamos produzir a informação, de maneira mais rápida, para corresponder a alterações transversais enquadradas num contexto de elevada quantidade e alta velocidade”, afirmou Armando Alcobia.

No balanço do Fórum, Catarina Resende de Oliveira, Presidente da AICIB - Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica, referiu a importância de abordar todas estas temáticas no momento actual para contribuir para a criação de um sistema de saúde capaz de responder a desafios nacionais e globais, numa época em que novos conhecimentos e soluções crescem a um ritmo vertiginoso. “É inquestionável o papel chave da saúde na estabilidade da sociedade como um todo”.

NP-PT-NA-JRNA-240001 | 01/2024