Universidade do Porto estuda “estratégias verdes” para mitigar impacto da crise climática na vinha
Desde soluções à base de fungos vivos para combater outros fungos e as doenças mais comuns na vinha até bio-hidrogéis produzidos a partir dos resíduos da poda para aumentar a retenção de água no solo.
Encontrar "estratégias ecológicas sustentáveis" para mitigar o impacto das alterações climáticas no sector vitivinícola é o objectivo do projecto VineProtect, financiado pelo PRIMA — um programa da União Europeia para a investigação e inovação em soluções para a região mediterrânica — e liderado por uma equipa da Universidade do Porto. Com uma visão disruptiva e, pode dizer-se, holística, transpõe para a agricultura, neste caso a viticultura, o que já é feito na medicina: o organismo, neste caso a planta (e em concreto a videira), e os microorganismos que o povoam, sejam eles benéficos ou patogénicos, têm de ser vistos como um só.
Quantos de nós já não ouvimos falar do microbioma intestinal e da sua importância para a nossa saúde? Pois bem, no VineProtect a ideia é olhar para a produção agrícola e para a defesa das plantas trabalhando o próprio microbioma destas. O foco é em melhorar o seu sistema imunitário. O projecto arrancou em Abril de 2022 e terminará em 2025, com trabalhos de campo e de laboratório a decorrer em Portugal, Itália, Turquia e Marrocos e uma ambiciosa lista de "tarefas".
Desde soluções à base de microorganismos vivos para combater outros microorganismos e as doenças mais comuns na vinha a hidrogéis biológicos produzidos a partir dos resíduos da poda para aumentar a retenção de água no solo, são várias as frentes em que os investigadores do consórcio estão a trabalhar.
"O que nós queremos é, de forma global, encontrar estratégias verdes para os vários problemas que possam vir do impacto das alterações climáticas, nomeadamente a diminuição da precipitação, o aumento da temperatura e o aumento da incidência de patógenos", começa por explicar João Prada, engenheiro agrónomo, membro integrado do iB2 — Integrative Biology and Biotechnology Laboratory, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e bolseiro de doutoramento na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que também integra o consórcio do VineProtect.
São ao todo sete as tarefas que a equipa liderada por Conceição Santos, do iB2 Lab, divide com colegas de universidades e institutos de outros três países. Em Portugal, o trabalho de campo decorre nas três sub-regiões do Douro (no Baixo Corgo e no Cima Corgo em duas quintas da Sogrape e no Douro Superior em vinhas da empresa Gerações de Xisto).
Em Itália, no Veneto, região a Este da cidade de Verona, com as Denominações de Origem Soave e Valpolicella. Na Turquia, na Anatólia, entre o mar Egeu e o planalto central do país, e o coração da produção de vinho turco. Em Marrocos, na zona de Marraquexe — as principais regiões vitícolas do país situam-se no Norte, incluindo as áreas de Meknes-Fes, Berkane e Casablanca.
A equipa portuguesa está sobretudo envolvida na criação e estudo de colecções de bactérias e fungos nativos que possam ser benéficos para a videira e no estudo e utilização de plantas fixadoras de azoto como cobertura de solo nas entrelinhas das vinhas. E espera em breve receber os tais bio-hidrogéis em que os colegas da Turquia estão a trabalhar, para os aplicar nas vinhas do Douro.
Bactérias e fungos benéficos
"O solo tem um impacto importantíssimo [na cultura, neste caso da vinha], assim como o microbioma da planta. Conseguimos perceber que há bactérias e fungos que são benéficos, ou seja, que têm características que podem potenciar o uso de água da planta, a absorção de nutrientes e até as defesas da planta em relação aos patógenos que estejam localizados no solo", explica João Prada. A equipa do iB2 Lab já isolou alguns desses microorganismos, recolhidos no Douro, e está agora "na fase de fazer testes em laboratório com o objectivo de chegar àqueles que possam realmente ser mais interessantes" em viticultura.
Interessantes como? Ao aumentarem a resistência das videiras ao stress hídrico e ao melhorarem a eficiência da sua nutrição, estarão a "promover o crescimento e desenvolvimento das videiras". No fundo actuarão como "plant growth promoters", Isto para as bactérias. E cada país envolvido no VineProtect terá a sua colecção.
Alguns fungos nativos (idem: cada país envolvido terá a sua colecção) terão potencial para actuar como "agentes de controlo biológico, controlando doenças fúngicas da vinha. "As mais comuns – o míldio, o oídio e a black rot, ou podridão negra – são os focos. Não sei se vamos conseguir analisar todas, mas pelo menos para a black rot queríamos analisar", partilha João Prada.
O iB2 Lab adquiriu um equipamento próprio, um bio-reactor, para "desenvolver uma solução bacteriana ou fúngica, com microorganismos vivos, que possa ser aplicada em massa nas plantas" – junto ao solo – e os investigadores querem aplicar essa solução em plantas envasadas já "no próximo ano".
"Outra das tarefas importantes, que já está em andamento há algum tempo, é a aplicação de cobertura do solo. Numa vinha em Vila Real, na Quinta de Cavernelho, plantámos uma cobertura de solo na nas entrelinhas da vinha. Essa sementeira foi feita no início de Dezembro do ano passado e durante este mês vamos recolher material para fazer análise e perceber que impacto tem essa cobertura de solo."
O objectivo é conhecer a diversidade genética da rizosfera das vinhas de cada terroir, de forma a entender como é que espécies de plantas fixadoras de azoto podem ser utilizadas para melhorar a biodiversidade nos 'corredores' entre bardos, para ajudar o solo a reter água e para tornar mais eficiente a nutrição das videiras. Nesse sentido, são promissores os resultados que a equipa espera da cobertura vegetal do ensaio feito na Quinta de Cavernelho, composta por "seis espécies e sub-espécies de Trifolium e duas outras espécies dos géneros Medicago e Ornithopus", uma vez que estas leguminosas são úteis "na fertilização do solo, nomeadamente com a fixação de azoto", explica João Prada.
Encontrar uma ou mais soluções deste género permitirá "não só produzir mais, mas também produzir mais usando menos", sublinha Leandro Pereira Dias, biotecnólogo de formação, que hoje se define mais como “melhorador de plantas”. "Por exemplo, usando menos água, que é um recurso que vai ser cada vez mais escasso, sobretudo na região mediterrânica, e menos fitofármacos ou pesticidas. Porque a tendência é essa: a Europa neste momento quer reduzir os insumos – os fertilizantes e os pesticidas – sem perder a nível produtivo. Se possível aumentar, mas o grande objectivo é não reduzir a produtividade."
Das varas da poda
Da Turquia, os investigadores portugueses esperam receber os tais bio-hidrogéis nos próximos meses. "Queríamos implementá-los no início do próximo ano, para conseguirmos acompanhar dois anos de resultados. Em Fevereiro, ou seja, no início do ciclo vegetativo, quando as videiras começam a rebentar já", partilha João Prada.
O colega Leandro Pereira Dias explica que "os hidrogéis não são novos enquanto assunto", mas a sua "aplicação em escala continua a ser muito reduzida". Produzidos a partir dos resíduos da poda, para aumentar a retenção de água no solo – o que se espera é que absorvam a água disponível, das chuvas ou via irrigação, e a libertem depois lentamente –, estes bio-hidrogéis "aproveitam um recurso" que de outra forma não teria nova vida, numa lógia de "economia circular".
Também se geram benefícios para os viticultores, "que no final do ciclo só tinham trabalho em eliminar os resíduos da poda", acrescenta o investigador. Leandro não tem dúvidas: "aproveitar os resíduos da poda para a produzir hidrogéis é algo que vamos começar a ver cada vez mais daqui para a frente, mas diria que não, ainda não é muito normal".
Outros objectivos do VineProtect são: "integrar a ecofisiologia e a metabolómica das videiras, para comparar a eficácia das abordagens propostas nos diferentes terroirs, permitindo seleccionar, para cada região, a abordagem mais eficiente para melhorar a resiliência da produção vitícola"; "avaliar o impacto socioeconómico e ambiental destas abordagens"; e "transferir o conhecimento gerado" para o sector, permitindo "o acesso às soluções mais vantajosas para cada caso, seja por demonstração, formação, ou actividades de disseminação".
O VineProtect foi financiado pelo PRIMA em cerca de 761 mil euros, sendo que desse financiamento Portugal recebeu uma fatia de cerca de 250 mil euros, repartidos entre a FCUP e a UTAD.