Madeira: porquê queimar quando a podemos valorizar?

A nossa floresta há muito que não produz a matéria-prima suficiente para as necessidades das empresas instaladas. No nosso país, o défice estrutural de madeira de pinho, isto é, o dependente da quantidade disponível para corte na floresta, representou 57% do consumo industrial anual em 2021.

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Rui Gaudencio

Provavelmente já sabe que o dinheiro dos seus impostos é usado para financiar a produção de energia a partir de fontes renováveis. O que talvez não saiba é que, graças à sua “ajuda”, todos os dias é queimada madeira que poderia ser usada em produtos de alto valor acrescentado com aplicação, por exemplo, em mobiliário ou embalagens de papel. Isto acontece no nosso país e, em vários países europeus, por influência de políticas da União Europeia (UE).

Desde 2009, a Diretiva das Energias Renováveis (REDII) tem incentivado a queima de madeira para energia a fim de atingir os objetivos da UE em matéria de energias renováveis.

Mas renovável não é sinónimo de sustentável e a produção de energia a partir de biomassa é um exemplo disso, como já vou demonstrar. Primeiro, há uma clarificação importante a fazer: existe uma perceção generalizada de que a produção de energia a partir de biomassa florestal utiliza apenas “resíduos” resultantes de “limpezas” e até há quem alegue e acredite que são usados “matos”. A realidade é muito distinta desta narrativa: um quarto da madeira de pinheiro-bravo consumida em Portugal em 2021 foi para queima. E para que não tenha dúvidas: por “madeira”, refiro-me mesmo a troncos e até a árvores inteiras.

Passemos então à questão da sustentabilidade: a nossa floresta há muito que não produz a matéria-prima suficiente para as necessidades das empresas instaladas. No nosso país, o défice estrutural de madeira de pinho, isto é, o dependente da quantidade disponível para corte na floresta, representou 57% do consumo industrial anual em 2021. Este défice de madeira resulta, essencialmente, do declínio dos recursos florestais que é mais evidente para o pinheiro-bravo, espécie autóctone que registou um decréscimo do volume em crescimento de 37% entre 2005 e 2019. Existe também um défice de biomassa florestal residual e uma consciência crescente da importância de deixar essa biomassa na floresta, restituindo nutrientes essenciais e protegendo o solo.

A irracionalidade de queimar madeira como estratégia de substituição de combustíveis fósseis foi demonstrada quando surgiram evidências científicas sólidas de que a queima de biomassa origina mais emissões de carbono numa fase inicial, facto da maior relevância face ao atual cenário de emergência climática. No entanto, as atuais políticas energéticas continuam a assumir que a queima de biomassa é neutra em carbono.

Adicionalmente à vertente ambiental da sustentabilidade, acresce a social e económica. Os incentivos à produção de eletricidade a partir de biomassa causaram distorções no mercado, colocando os atores já instalados numa situação de desvantagem face aos novos “personagens” do setor energético, que conseguem adquirir madeira para queimar “apenas” porque todos os europeus contribuem com os seus impostos para esta situação.

A guerra na Ucrânia tem sido explorada pelo lobby da biomassa como pretexto para justificar a queima de madeira. Atualmente, existe um sério risco de que esta política irracional prossiga, ou seja mesmo reforçada.

Numa fase em que ainda decorre a discussão da revisão da Diretiva das Energias Renováveis nas instâncias europeias e, após uma decisão do Conselho Europeu que enfraquece a proposta inicial da Comissão Europeia, é fundamental que os membros do Parlamento Europeu e, em especial os representantes de Portugal, olhem para o problema e restrinjam os incentivos à queima da madeira.

Este é o momento de tomar decisões com uma visão de longo prazo, construindo um futuro em que a floresta e o setor que dela depende serão um legado que transmitimos às gerações futuras. Não podemos, como sociedade, persistir num caminho que sabemos estar errado.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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