Hortas urbanas temporárias
Ter uma horta produtiva é um investimento, mas que dá frutos, literalmente. Li com amargura a notícia e imagino a devastação de quem tinha uma horta há 40 anos ou dependia dela para por comida na mesa.
Assim que li o título no PÚBLICO soube de imediato onde era. Era a “horta do metro de Francos”, como eu lhe chamava. Ocupava um terreno mesmo ao lado da linha da estação de Francos e facilmente se poderia comprovar o seu sucesso pelo aumento sucessivo de talhões ao longo dos anos. No entanto, a geometria irregular, os materiais das divisões entre os talhões, conjuntamente com a ausência de compostores de plástico, típicos das hortas da LIPOR como a minha, indicavam-me que aquela não era uma horta formal.
À medida que o metro acelerava em hora de ponta, acomodava-me entre os corpos apertados na composição e espreitava para a horta através de um emaranhado de cabeças e braços a fim de tentar perceber o que se lá passava. Mas, afinal, quem seriam aquelas pessoas? O terreno estaria abandonado ou haveria um proprietário? Será que já semearam as favas este ano? Aquelas pencas estão bem grandes. Os feijões e tomateiros estão mais bem estacados do que os meus. Deveria experimentar aquele sistema no próximo ano. Tenho de arranjar canas boas. Aquele terreno terá tantos caracóis como o meu? Talvez façam agricultura biológica, alguns. E as plantas, viriam da loja ou fariam as próprias sementeiras?
Eu já fiz sementeiras, são precisos alguns cuidados para ter sucesso. É que ter uma horta cuidada e produtiva dá trabalho. Primeiro, é preciso chegar à horta, depois, cavar, sachar, mondar, semear, plantar, colher, podar, estacar, fertilizar, planear, transportar e cuidar das ferramentas, fazer composto, assegurar água para rega, não esquecendo a Lua e as épocas de cultivo. Exige conhecimentos e paciência, mas também não é nada de outro mundo. Exige do corpo, sendo maior ou menor o esforço consoante a tarefa, empenho, época do ano e tamanho do terreno. É preciso dedicar tempo e gastar algum dinheiro. Há outro aspecto interessante em Francos: o terreno estava cheio de erva-das-pampas, uma planta invasora. Suspeito que os hortelãos foram, aos poucos, recuperando terreno anteriormente conquistado pelas invasoras. Quando se tenta controlar plantas invasoras, habitualmente gastam-se muitos euros, portanto sempre tive curiosidade de saber qual seria o valor económico estimado em Francos, caso fosse contabilizado.
O solo é um bem precioso e uma cidade precisa de o gerir de forma integrada. No entanto, apesar da pressão para urbanizar e da importância de aumentar espaços verdes, quase todas as cidades têm lotes que parecem estar num impasse. São lotes abandonados e, na maioria dos casos, sem aproveitamento. Uma solução para estes terrenos subaproveitados seria incentivar um uso temporário. Por exemplo, a criação de hortas urbanas temporárias, reguladas por critérios e mútuo acordo entre hortelão e proprietário, que poderia garantir que o terreno, até ter outro uso, estaria a gerar um conjunto alargado de benefícios para a população local em termos de sustentabilidade ambiental, produção alimentar, melhoria da qualidade de vida e interacção social, sobejamente superior ao que geraria caso permanecesse em abandono. Por outro lado, a gestão activa do solo garante ao proprietário uma diminuição do risco de degradação do mesmo devido à deposição ilegal de resíduos, espécies invasoras, etc.
Ter uma horta produtiva é um investimento, mas que dá frutos, literalmente. Li com amargura a notícia e imagino a devastação de quem tinha uma horta há 40 anos ou dependia dela para por comida na mesa. Se houvesse regulação, talvez o desfecho não fosse tão triste.