Nas Olaias, em Lisboa, há um bairro que é novo, mas só no nome
Em 30 anos, o Bairro Portugal Novo não teve direito a obras de reabilitação no edificado e no espaço público. “Tudo ficou parado no tempo”.
Nas Olaias, em Lisboa, há uma linha imaginária que separa um bairro da sua cidade. A fronteira passa despercebida e ganha forma através do betão dos prédios. A entrada faz-se por um túnel encolhido que desemboca numa parte esquecida de Lisboa. Adiante, mais prédios aos quais o tempo tomou a cor. No bairro Portugal Novo, tudo está como era, acrescido apenas, das marcas que esse mesmo tempo lhe impôs.
“O que se vê agora é o mesmo que se veria ao vir aqui há 30 anos”. Nuno Furtado, 35 anos, é filho do bairro. Mudou-se para ali há 20, quando foi realojado pela câmara. Antes, vivia com os pais na encosta das Olaias, em Xabregas, junto aos caminhos-de-ferro. O pai trabalhava para a CP e a família vivia numa casa pré-fabricada num quartel abandonado. Ele e as irmãs foram realojados nos prédios novos do bairro, em frente aos edifícios construídos no pós-25 de Abril, onde não há gás canalizado e a energia só chega através de puxadas ilegais.
Construído nos anos 1980 pela Cooperativa de Habitação Económica Portugal Novo, o bairro está ao abandono desde então. A cooperativa contraiu um empréstimo junto do antigo Fundo de Fomento da Habitação para construir nos terrenos municipais, mas os sócios fizeram apenas um pagamento e a sociedade foi anulada. Dos três empréstimos contraídos, num total de 1,3 milhões de euros, apenas 20 mil foram pagos ao Estado em 1984. E assim tudo ficou.
À entrada do Portugal Novo, o poeta Al Berto deu o nome a uma rua do bairro, mas não é poesia o que ali se vê. Para Arminda Lima, 30 anos, “o perigo do bairro são as condições que dão aos moradores”. Ela é uma das habitantes dos prédios velhos conhecidos como ‘bairro Azul’. Há 40 anos, os seus avós vieram da Quinta do Bacalhau, entre Chelas e o Areeiro, e pagaram por um dos 201 ali fogos construídos, mas tudo ficou parado no tempo.
As infiltrações de água, humidade e deterioração das casas são uma constante. Nas palavras da vice-presidente da Associação de Moradores Paz, Amizade e Cores — a primeira colectividade constituída por moradores do bairro — “cada um tem uma janela diferente consoante a sua carteira”. “Alguns têm estores, outros não”, conta. “Eu preciso de conforto na minha casa e de que os meus filhos não tenham vergonha de trazer os amigos da escola a casa”, insiste Arminda Lima.
Mas se os problemas do bairro fossem só as casas, os habitantes do Portugal Novo remediavam como sempre fizeram. Num aglomerado em que grande parte da população são crianças ou idosos, as dificuldades que lhes são impostas condicionam-lhes o dia-a-dia. Numa tarde quente de Verão, as crianças saem à rua. A escola já acabou e o recreio faz-se no meio da estrada ou numa esquina não tocada pelo sol. Em toda a área que circunda os cinco blocos de habitação do bairro, não existe um parque infantil ou um campo de jogos. Uma creche para as crianças, só noutro bairro.
As brincadeiras fazem-se na estrada porque “não há outra opção”, explica Nuno, presidente da associação de moradores recém-criada. “No espaço público do bairro não existe um campo de futebol, um café ou uma creche”, enumera. “Eu procuro que não falte às crianças aquilo que me faltou quando cresci”.
O problema das árvores é outro factor de indignação no bairro. “Há pessoas que sofrem de alergias e há alturas em que a resina libertada pelas árvores torna impossível que se saia à rua”. Nuno teve mesmo que se juntar com alguns moradores para cortar ramos de uma das árvores que entrava para a casa de uma moradora idosa.
A limpeza do bairro foi também uma conquista recente. Até há pouco tempo, as equipas de limpeza da junta do Areeiro não entravam no Portugal Novo. Segundo Nuno, a autarquia justificava essa situação com o facto de as equipas se sentirem ameaçadas pelos moradores ao entrarem lá dentro.
Assim sendo, Nuno chegou-se à frente e propôs que os trabalhadores fossem acompanhados por ele e por outros moradores para assegurar que nada aconteceria no decorrer do seu turno. Só assim foi possível voltar a ter as ruas do bairro minimamente limpas. É que, ao caminhar pelo bairro, não há caixotes espalhados pelas ruas. Apenas grandes contentores que não comportam o desperdício gerado por quem lá vive.
Espaços comerciais fechados
A falta de comércio local indigna os moradores. Em toda a área do bairro só existem casas e mais casas, intervaladas por lugares de estacionamento. Em tempos, no bairro, existiu um minimercado. Agora, a loja está fechada. O espaço terá sido atribuído pela junta a uma associação, mas os moradores queixam-se de que está sempre fechada e que serve de armazém de arrumos. Mais à frente, numa das ruas paredes meias com os “prédios dos ricos” — como os moradores se referem aos edifícios construídos por Tomás Taveira nos anos 1980, onde o preço de venda de um apartamento pode chegar aos 500 mil euros — encontra-se outra loja emparedada.
Filomena Veiga, 52 anos, é moradora no Portugal Novo há dezanove. Antes, vivia na Quinta da Holandesa, no Areeiro, e foi realojada para as Olaias pela câmara. É seu desejo abrir um café no bairro, mas até hoje nunca viu possibilidade de tal acontecer. Mãe de cinco filhos, tem um espaço na Calçada da Picheleira há oito anos, onde a juventude do bairro se reúne.
“Têm espaços fechados. Não se faz actividade neles e estamos a trabalhar fora do bairro”. “Os nossos jovens são obrigados a sair para fora do bairro se quiserem beber um café ou uma cerveja”, conta. Filomena paga todos os meses uma renda de 630 euros para manter o Feliz Desafio aberto. No final, mal dá para tudo, conta a comerciante.
A falta de espaços que sirvam propósitos não habitacionais é um dos problemas do bairro. Nuno não entende o porquê dos entraves apresentados a quem pretende abrir um negócio. “Procuramos os espaços que estão ocupados e o porquê de estarem desaproveitados há anos”, explica. “A maior parte serve como armazém e as rendas são baratas. Assim, atrasam o processo de evolução do bairro”.
No bairro Portugal Novo, até as bocas-de-incêndio estão secas. “Os bombeiros disseram-nos que estas bocas não servem para nada. Se houver um incêndio não podem ser usadas”. Mas há cerca de um ano, a EMEL tentou entrar no bairro para cobrar estacionamento. Os moradores juntaram-se e impediram-no. “Se não há passadeiras, se não há lombas e os nossos filhos não têm um sítio onde brincar, não vamos pagar para estacionar nas nossas casas”, argumenta Arminda.
Ser do Portugal Novo já é nascer culpado, acreditam os moradores. Arminda apercebe-se que ao dizer que é de um bairro social é vista como “um bicho”. Quando inscreveu uma das filhas na escola, pediram-lhe que escrevesse a raça da menina num documento. “Escrevi que era um pitbull”, recorda. “Ela é filha de um português branco e de uma mulher cigana. Agora escolha”, disse.
Para Nuno, “o bairro e os seus habitantes estão esquecidos”. “É como se isto fosse um espaço de ninguém”. O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IRHU) é quem detém a gestão do espaço, mas nada tem feito por ele. E não respondeu às questões que o PÚBLICO enviou.
Quase 15 anos depois de uma proposta de municipalização do bairro, que não foi aprovada, o Portugal Novo envelheceu. O bairro no centro de Lisboa é um reduto para aqueles que se sentem esquecidos na sua cidade. A Lisboa que vive fora do Portugal Novo é a cidade com que os moradores deste bairro sonharam para o seu cantinho nas Olaias.