VHILS, impossível desviar o olhar

Foto

Ele reescreveu fachadas com materiais corrosivos, esburacou paredes com martelos pneumáticos, enfim, fez explodir as nossas ruas sempre tão caladas. Quem é o street artist Alexandre Farto, aliás VHILS, que hoje chega à galeria Vera Cortês, em Lisboa?

No graffiti, o tempo é a chave. Primeira razão: a polícia. Se o artista não se despacha, pode ser preso. Às vezes é preciso fugir. Mesmo não indo para casos tão extremos, sossego a aprimorar a obra é coisa que o artista de rua raramente tem. Por exemplo hoje, que Alexandre Farto esburaca uma parede com autorização camarária, entre a Praça de Espanha e o Aqueduto das Águas Livres, em Lisboa. Lá está ele pendurado numa grua, martelo pneumático na mão. Ninguém lhe impôs um prazo, nem lhe cobra multa, mas a verdade é que ele e a sua crew de quatro ajudantes - Alex, Duarte, Viktor e Jucapinga - trabalham sem parar. Não é a clandestinidade, mas sempre se trata de escavacar uma parede que não nos pertence. A rua é a rua, coisa diferente de um atelier.

Muitos artistas trabalham com deadlines. Os assaltantes de bancos também têm um tempo limitado. É uma questão de oportunidade. Executar o que há a executar, e desaparecer. A intervenção de rua é assim. Geralmente por ser ilegal. Quando é legal, também. Nunca fiando. É a arte do toca-e-foge. Não conhece a impunidade. Tudo é muito exposto, muito desmedido, muito pesado, muito sujo. Não deixa inocentes.

Alexandre Farto, também conhecido como VHILS, tem 25 anos, rosto sereno, t-shirt preta e jeans imundos. Passou a noite a marcar a parede com pinceladas brancas, guiado pela luz da projecção de uma imagem que ele próprio desenhou, com base na fotografia que fez de um rosto velho, muito enrugado. "As marcas que a vida deixa nos seres humanos, iguais às que deixa na superfície das cidades, como se fossem rugas", explica ele. Para que pensemos nisso, decidiu esculpir aquele rosto colossal numa parede da Avenida Calouste Gulbenkian, perpendicular ao painel de azulejos de João Abel Manta e visível para quem vem de carro em direcção à Avenida de Ceuta, o Estoril e a Margem Sul. Um rosto a enrugar-se com a própria cidade, entre o fumo dos escapes e os muros degradados, feito de pó, tijolo, cimento, estuque e cascalho. Um rosto que não está na parede: é a parede.

Ao nascer do dia foi dormir três horas, e voltou, com os martelos pneumáticos, para mais 12 horas ininterruptas de trabalho violento. Agora, em equilíbrio no pequeno tabuleiro da grua, é preciso perfurar cada marca branca com os enormes berbequins, conferindo ao rosto representado os vários níveis de relevo, mas não tão fundo que agrida o tijolo, ou atinja o betão armado, despedaçando a parede. É preciso ser solidário com ela, respeitá-la. Se por acaso um bloco se soltasse não haveria nada a fazer, explica Alexandre. Passaria a integrar o mural. Ficaria assim. "Nunca sei como vai reagir a parede. Trabalho com o erro".

A obra poderia ter sido realizada por etapas. Uma horas de trabalho por dia, como faria um pintor ou um escultor, no seu atelier. Mas não é assim que funciona a arte de rua. Ataca-se a parede de uma vez. O tempo necessário é o que demora. Ainda que no fim a obra não fique pronta. "Demorará mais uns meses, um ano". Mas nessa fase o artista já não tem papel nenhum. "É a própria cidade que trabalha. A parede absorve o desenho". Vai alterando a cor, a textura, as formas.

A poluição vai actuando. A erosão, a chuva, a ferrugem, a sujidade. Não há um momento em que se possa dizer: está pronto! "O processo é a própria obra. A evolução do que é por natureza efémero". E até o período em que a peça começa a degradar-se também lhe pertence. O próprio momento da sua destruição, ou desaparecimento. Faz parte. É preciso aceitar. É preciso mesmo amar esse elemento sombrio. "É preciso destruir para criar".

O tempo é a chave da arte de rua. Rápido, como o ritmo da cidade. Lenta é a concepção. Executar, um ápice. Bombing, na linguagem dos grafiteiros. Furtivos, pela madrugada, os scribblers ou os writers bombam a sua tag (assinatura) ou o seu throw up (desenho rápido e tosco).

A lógica das crews e dos gangues começa por ser a de ocupar o espaço. Disseminar o nome e o estilo. Vencer o medo e os obstáculos, como atletas de parkour, estar em todo o lado. Ser reconhecível, atingir a fame.

Pelo menos inicialmente é uma atitude de guerrilha, de vandalismo, e implica muitos riscos, o menor dos quais não será decerto tornar-se arte. Para aqueles a quem isso acontece, o tempo transforma-se. Aqueles que procuram sentido acabam a buscar perfeição. E por essa tentação vendem a alma ao diabo. Um negócio legítimo e necessário. Aceitam a condição de artistas, um papel social, como o de funcionário, professor ou comerciante.

Já não saem em bandos, vestidos de preto e armados de latas de tinta. Pelo menos não fazem só isso. Aceitam convites, para festivais, exposições. Contratam agentes, dão-se com galeristas e curadores. Em nome da arte. Por um pouco mais de tempo. Para que possam dedicar-se à obra, ter mais controlo sobre ela, concretizar uma ideia. Por instantes sair da rua, sem deixar de ser de lá.

Muitos vêem nisto uma traição. A sociedade capitalista absorve tudo, até o que a põe em causa. Os graffiters afinal não eram melhores do que os outros. Dos anarquistas ao rock n"roll. Mas há quem veja de outra maneira: a arte de rua foi reconhecida no seu valor. Que mais querem?

O facto é que se multiplicam os festivais e as exposições. As autoridades municipais convidam artistas de rua para decorar paredes. Os grandes museus incluem obras de rua nas suas colecções. Agentes internacionais especializam-se neste tipo de artistas, criou-se um mercado, realizam-se leilões, circula muito dinheiro. O advogado do mais famoso artista desta nova vaga, o britânico Banksy, desenvolveu um argumento infalível para usar quando o seu cliente vai a tribunal, acusado de sujar o espaço público: segundo a jurisprudência, o graffiti é ilegal porque desvaloriza a propriedade. Pois no caso do seu cliente verifica-se o oposto. Alguns prédios já foram vendidos por fortunas, porque tinham uma obra de Banksy na parede. Ela é que foi realmente comprada. O prédio vinha agarrado.

Arte com vida própria

Alexandre Farto é hoje um desses artistas vindos do graffiti. Faz arte de rua, mas algumas peças são pensadas para interiores. Para serem expostas e compradas. Há coleccionadores que seguem o seu trabalho, que investem nele. Há seis anos, uma obra de VHILS podia custar 250 euros. Hoje, atinge facilmente os seis mil. É um artista bem cotado. No entanto, não vai ganhar um cêntimo com todo este trabalho na Avenida Gulbenkian. Nem com os outros que fez esta semana, em paredes de Benfica (União Zoófila) e de Alfama (Travessa dos Merceeiros), ou de Aveiro. Que espécie de artista é este?

Alexandre acaba de chegar de Paris. Um convite da associação Le Mur para preencher um billboard. A seguir, vai dar uma conferência. Depois parte para Londres, onde tem um dos seus ateliers (o outro é em Lisboa) e um agente de gabarito mundial, Steve Lazarides. Em Portugal é representado pela galerista Vera Cortês, onde hoje inaugura uma exposição, Alexandre Farto aka VHILS.

VHILS passaria a vida entre Lisboa e Londres, se não fossem os convites. Nos últimos anos, tem feito obras por todo o mundo. Moscovo, Nova Iorque, Los Angeles, São Paulo, e várias cidades da Colômbia, da Noruega, de Itália, do México, do Japão, da China têm paredes assinadas por VHILS. Nuns casos são "esculturas" cavadas em camadas de cartazes, a x-acto ou produtos abrasivos, noutros relevos escoriados nos muros a martelo e escopro, noutros ainda imagens arrancadas com explosões. Tudo isto feito não por vandalismo mas por convite, em eventos dos quais não raro era ele a principal estrela internacional. Mas nem por isso Alexandre abdica de sair à noite, com a sua crew, para pixar ou escalavrar paredes proibidas. Não diz onde nem quando, mas admite que o faz. Está na natureza da sua arte. "É importante haver espaços próprios para actuar, mas também é preciso fazê-lo de forma ilegal, onde é interdito. Em lugares onde a intervenção choca e interpela as pessoas, para as fazer reflectir". Uma parede onde lhe apetecia agora fazer um mural? "O Parlamento, por exemplo".

E no dia seguinte partir para um festival internacional. Dar uma conferência, uma entrevista, vender uma peça num leilão. Uma mistura de mundos, ou não fosse isso a essência da arte de rua. Expressão de contradições, destruição e criação, revolução. Uma arte insustentável, impossível, no cruzamento de todas as ideias feitas.

Alexandre Farto viaja de um lado para o outro, com os seus materiais de artista - tintas, martelos, lixívia, cinzéis, ácidos, berbequins, químicos corrosivos, stencils, gruas, pólvora. Os seus materiais de terrorista.

Na semana passada, em Paris, soube que uma das suas obras tinha sido roubada. Uma das esculturas feitas com cartazes. Pela forma cuidadosa como foi arrancada da parede, percebia-se que não foi vandalizada, mas retirada para ser vendida. Pode valer bom dinheiro no mercado paralelo de arte. Mas Alexandre não vai à polícia, porque a peça foi feita à socapa e pertencia à rua. Que vai dizer? "Esse pedaço de parede é meu?"

Não se importa. Também isso faz parte do processo da obra de arte, tal como a poluição ou a ferrugem. "Tenho de aceitar. A peça tem a sua vida própria, independente de mim". E só essa vida a completa, a valoriza. Até o roubo. Compensa o ladrão, a vítima não quer saber e a obra agradece.

A cidade descascada

Alexandre Farto começou a interessar-se pelo graffiti aos dez anos e a fazê-lo regularmente aos 13. Vivia num bairro da margem Sul do Tejo, onde pintar paredes era uma forma de ser alguém. Ou pintar comboios, na Grande Lisboa, e depois por toda a Europa.

"Quando se cresce numa zona que está na franja da cidade, o graffiti faz uma pessoa sentir que participa, que tem algum valor", diz Alexandre. "É um instrumento para te conseguires distinguir no meio da cidade, onde és apenas mais um. Foi um caminho que eu segui, para não enveredar por outros, que eram bem piores".

Uma forma de expressão, mas também de rebeldia. "O acto de estar a fazer alguma coisa no espaço público, que nos era vedado, proibido. Era importante esse lado da ilegalidade. Passar uma barreira, desafiar. Fazer o que à partida não se pode fazer. E reivindicar um espaço que só está disponível para a publicidade, para a comunicação que gera dinheiro".

Esta é a origem de VHILS. Depois evoluiu para outras formas de expressão, a que já não chama graffiti. Mas a atitude foi aprendida ali, e é a mesma. "Eu nunca faria o que faço hoje se não fosse o graffiti. É a minha escola. Não tenho vergonha de dizer que venho daí. O meu background é esse: chegar à rua e fazer alguma coisa por minha iniciativa, no espaço público". Alexandre e os amigos faziam letras e pinturas, com sprays. "Graffiti puro e duro". Mas a intervenção na rua tinha outras consequências. A cidade era um mundo que se revelava, no seu movimento no espaço e no tempo. Alexandre gostava das paredes repletas de cartazes. Tinha vontade de descascar as várias camadas, descobrir o que estava por baixo, deixar à vista coisas antigas, em combinações surpreendentes com as mais recentes.

Naquela zona, da margem Sul, havia ainda muitas pinturas e cartazes do período revolucionário, que tinham sido tapadas por cartazes publicitários, em camadas sucessivas. O pai de Alexandre era militante da UDP, tivera um papel activo no pós-25 de Abril. Das histórias que contava, o filho descobria vestígios nesses cartazes antigos, mensagens de utopia afogadas em oceanos de anúncios comerciais. O idealismo tapado pelo interesse, em consecutivas capas, sedimentos de asfixia a garantir que morressem aqueles gritos de liberdade, que fossem esquecidos.

Alexandre esbulhava essas camadas tão diferentes, mas tão próximas, e percebia que o espaço público urbano que outrora fora veículo de propaganda de projectos colectivos era agora usado para mensagens privadas. Interdito aos cidadãos, excepto com o propósito de gerar dinheiro para alguns. "Todo o espaço que existe nesse meio urbano é uniforme, para potenciar o uso na publicidade, e pouco mais. E ninguém questiona isso. Mas o espaço público devia ser usado por todos."

Começou a trabalhar nessas paredes de cartazes e pósteres. "Fascinava-me a nostalgia daquelas mensagens que nos anunciavam a sociedade perfeita mas estavam a cair de podres. O facto de estar a trabalhar na rua cativou-me para o que acontecia na rua. A maneira como se pode olhar a cidade como uma tela que evolui com o tempo, por camadas. Comecei a brincar, a esculpir aqueles cartazes. Percebi que podia trabalhar sobre o espaço público, sem ser com o graffiti".

A ideia das camadas nunca mais o abandonou. Agora não se tratava de pintar as paredes, mas de lhes tirar a casca. Para quê acrescentar, se estava lá tudo? Era questão de escavar, como um arqueólogo. Expor o que está sob a pele. "O trabalho que comecei a fazer era uma reflexão sobre a velocidade a que as coisas vão acontecendo. Se esculpir um poster de publicidade, vou encontrar outros com dez anos. A velocidade a que as coisas mudam pretende fazer esquecer o que está por trás, e está retratada nas paredes. O meu trabalho mostra isso. E a velocidade com que se esquece o que está por trás".

Era um conceito, mas a rua dá uma sensibilidade singular, mais profunda e premente. Uma intuição do que se passa e até uma premonição do futuro. Alexandre sentia que muitas coisas que se pensavam esquecidas estavam afinal quase à superfície. Era isso que queria mostrar. Uma raspagem leve de x-acto e emergiam realidades remotas, desprezadas.

"Tendemos a acreditar que certas coisas pertencem ao passado, não voltam mais. Mas não é verdade. Emergem a qualquer momento. Estão ali, a uma distância física. Com a actual crise na Europa, por exemplo, voltou a falar-se de coisas que todos pensavam enterradas. O nacionalismo, o ódio aos imigrantes, o encerramento das fronteiras, o proteccionismo dos países. Camadas que pareciam esquecidas voltam à superfície".

Amor e dinamite

O desenvolver da crise foi actuando no trabalho de Alexandre, como ácido a corroer uma parede. As esculturas em painéis de cartazes mostravam as reviravoltas e recuos da realidade, mas já não chegavam. Alexandre investigava novas técnicas, para exprimir a urgência da sua reflexão sobre as camadas, a velocidade e o tempo. Em 2006 começou a fazer experiências. Já não queria apenas esfolar os posters, mas lacerar os muros, destrui-los até ao seu âmago de significação.

Começou a usar martelo e cinzel, depois brocas e martelos pneumáticos. Não chegava. A crise revelava-se, e a arte de Alexandre precisava de mais agressividade. Começou a esculpir os rostos enormes de cidadãos comuns, pessoas que fotografava na rua, em diferentes cidades do mundo, cada vez mais expressivos e mais entranhados nas paredes com a fúria dos martelos pneumáticos, e o passo seguinte era imprevisível, mas também inevitável: Alexandre decidiu usar explosivos.

A técnica era inédita. Com molde, stencil ou projecção, o desenho é marcado na parede, onde a seguir, nos pontos assinalados, são colocadas pequenas cargas de pólvora, com potência calculada de forma a rebentar apenas a superfície pretendida. Sobre os explosivos é colocada uma argamassa menos rígida do que o cimento original da parede, para que salte antes e forme no espaço, através de sulcos e escoriações, a figura do rosto triste ou apático que Alexandre quis fazer nascer naquele lugar ermo ou abandonado.

A explosão é filmada com uma câmara de balística, depois reproduzida em velocidade lenta, ao som da música dos Orelha Negra, para que na dissipação do fumo e dos destroços que voam em todas as direcções se veja a emergência espectral e redentora de um rosto humano na cidade inexorável.

As experiências com explosivos começaram a ser feitas na Fábrica de Braço de Prata, onde se fabricavam armas e hoje se produz cultura. Foi aqui que as experimentações com camadas de história e bombas entraram na arte de Alexandre Farto. "Quero mostrar como as camadas vêm todas à superfície, de repente, com uma faísca", explica ele.

Tudo começou com o convite para uma exposição, em 2006, num armazém e nos muros circundantes, em frente da fábrica. Foi um trabalho com caixas, "mais ou menos ilegal", que começou no interior, mas depois "saiu para a rua". Demorou um ano a concluir. A seguir, na sequência de um graffiti jamming proposto pela direcção do centro cultural da Fábrica do Braço de Prata, começaram as tentativas com a pólvora. Em 2010, a técnica estava apurada.

Duas mulheres e um homem perfilam-se no interior dos muros do recinto externo da fábrica. "Procurei rostos com apatia", diz Alexandre. Foram os primeiros que quis fazer explodir. "Este homem é da Colômbia". As mulheres têm expressões mais felizes. Antes e depois das imagens estão gravadas as palavras Give you my love. Também a dinamite.

"Quero que as pessoas se voltem a relacionar com a cidade. Trabalho com fotografias de gente comum, que trabalha em metrópoles de todo o mundo. Muitas vezes trago-as de umas cidades para as outras. Gosto de fazê-las viajar. Quero mostrar a maneira como a cidade marca as pessoas, naquilo que são, e como as pessoas podem marcar a cidade, no que ela é".

Para Alexandre, a cidade representa o humano, agora que a maioria da humanidade vive em meios urbanos. E representa um modo de vida caracterizado pela mudança rápida e caótica. É essa necessidade de crescimento incontrolado, sem reflexão, que ele quer questionar. "É uma lógica de crescimento comparável à de uma célula cancerígena".

Há um modo de vida cada vez mais uniforme, semelhante de cidade para cidade para cidade, independentemente do país ou da civilização em que se situe. "Interessa-me esse fenómeno de sermos tão diferentes culturalmente, mas estarmos a viver em sítios tão iguais. As cidades do mundo, em conjunto, são como um país. Podemos vê-las como um arquipélago".

No entanto, é nas cidades que o graffiti sempre floresce. E toda a arte de rua. "É como uma erva daninha no asfalto. Existe sempre." É a arte da cidade. Comum a todas, internacional. "Não faz sentido dizer que o graffiti é importado da América, que não tem tradição portuguesa. Nasceu aqui ao mesmo tempo que noutras cidades".

Hoje, aliás, Lisboa é considerada uma das capitais do graffiti. Pelas suas zonas degradadas, pela mistura de tecidos urbanos, mas também pela tolerância das autoridades, tem a fama que um dia pertenceu a Barcelona. Tal como sucedeu na cidade catalã, também aqui, lembra Alexandre, a arte de rua pode atrair turistas e dinheiro.

É uma arte de massas, destinada a ser compreendida e ter impacto em toda a gente, ao contrário do que acontece com o graffiti num sentido estrito. Nos códigos e na exclusividade das pequenas crews de grafiteiros, Alexandre encontra aliás semelhanças com o mundo da arte contemporânea. "Funciona da mesma maneira. É um trabalho muito conceptual, feito num círculo fechado, para uma minoria de pessoas que o conseguem compreender".

No graffiti, as peças são feitas na rua, mas dirigem-se aos elementos do grupo, ou de grupos rivais. A maioria das pessoas não as entende, e ainda bem. O mesmo que se passa com a arte conceptual contemporânea, pensa Alexandre. Por isso não quer estar num lugar, nem no outro. Quer fazer arte de rua, para todos. "Até talvez nem lhe chame arte". Talvez nem o faça na rua, mas para museus, exposições e colecções particulares. Pouco importa. Não muda o espírito nem o objectivo: fazer as pessoas verem a cidade e verem-se a si próprias. Alexandre acredita nisso: que quando tiver feito explodir rostos por todo o lado, ser-nos-á impossível desviar os olhos.

Sugerir correcção