Teatro
1. Gladys, De Elisa Zulueta, Encenação de Elisa Zulueta (Chile) Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 30 de Junho e 1 de Julho (Próximo Futuro)
Foi um convite para nos sentarmos à mesa de mais uma família disfuncional do teatro sul-americano, numa ocasião especial, um jantar de Reis. Gladys contou a história do Chile através da história dessa família. Podia ser a de qualquer país traumatizado por uma ditadura recente, por exemplo, Portugal - a diferença está no sentido de humor, bem conhecido das sitcoms mais sofisticadas, que faz o drama passar como comédia televisiva, de tal modo que temos de procurar a alegoria da nação por entre as piadas e os bordões (feitos com mestria pelos actores). Começando por nos desarmar, a peça vai revelando o espelhamento da geração mais velha na geração dos mais novos, e como os tabus de uns ecoam nas liberdades dos outros. A mise-en-scène é impecável, fazendo os seis imparáveis actores correr, lutar, sorrir, cantar e chorar como se o mundo acabasse amanhã. Com personagens, diálogo, situação, enredo e, sobretudo, compaixão, Gladys tem a força do realismo metafórico, um dos mais poderosos trunfos da dramaturgia moderna. Impróprio para snobes, este espectáculo com que o programa Próximo Futuro regressa, um ano depois, à lista dos melhores. J.L.F.
2. DevagarDe Howard BarkerEncenação de Rogério de Carvalho/As Boas Raparigas
Teatro Carlos Alberto, Porto, 16 de Novembro a 2 de Dezembro
O teatro que As Boas Raparigas... têm vindo a protagonizar, num gesto contra-corrente em relação às estéticas dominantes do teatro português, atinge aqui uma apoteose esmagadora. O trabalho continuado de descobrimento de Howard Barker obedece a critérios de rigor, resiliência e paixão. A guerra, a falência de modelos e a reconfiguração do mundo materializam-se em corpos doridos que Rogério de Carvalho fixa como se fossem fotografias vivas. Exemplar, plástica e dramaturgicamente. T.B.C.
3. Os Lusíadas
A partir de Luís de CamõesEncenação de António Fonseca/Teatro Meridional
CC Vila Flor, Guimarães, 9 de Junho
António Fonseca sabe Os Lusíadas de cor e salteado. Sozinho em palco, contando piadas sem perder a métrica, consegue fazer jus à beleza poética da obra camoniana e aos genes políticos do poeta inconformado. A falação dos 8.816 versos de Camões marcará a história de todos os lusíadas, incluindo os cem que assistiram às dez horas de decassílabos e as dez famílias que disseram o último canto com o actor. A gesta é de cada um. J.L.F.
4. Três Dedos Abaixo do Joelho
De Tiago RodriguesEncenação de Tiago Rodrigues/Mundo Maravilha
Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, 29 de Maio a 3 de Junho (Alkantara Festival)
O cuidado com que Tiago Rodrigues enfrentou os relatórios que os censores do Estado Novo produziram sobre os textos de teatro resultou num espectáculo de uma aguda inteligência que põe em causa o que entendemos como património referencial. Mais do que o retrato de uma época, um ardiloso exercício de composição sobre os artifícios do próprio teatro, enquanto utopia e enquanto prática. T.B.C.
5. Estaleiros
A partir de Samuel BeckettEncenação de Marco Martins
Rua dos Mareantes, Viana do Castelo, 27 a 29 de Julho
Este espectáculo é pungente quer pelas histórias de vida dos funcionários dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo (que estão prestes a ser privatizados, neste final de 2012), quer pela encenação dessas dores, em especial através da composição de luz e sombra desenhada para elas por Nuno Meira. Os relatos revelam o sacrifício que é construir cada navio, baptizado pelos operários com sangue, suor e lágrimas. Agora estes homens estão parados. Os navios invisíveis nunca partem. J.L.F.
6. Fingido e Verdadeiro
A partir de Lope de VegaEncenação de Luís Miguel Cintra/Teatro da Cornucópia
Teatro do Bairro Alto, Lisboa, 29 de Março a 29 de Abril
Inspirado na visão de Genet, o trabalho mais recente da Cornucópia teve um ponto alto nesta colagem de textos sobre a figura do mártir S. Gens, actor que se converteu ao cristianismo enquanto representava um baptismo. "Farto de imposturas", como disse então ao PÚBLICO, Luís Miguel Cintra pôs em cena a sala de ensaios, a mesa do encenador, os volumes copiosos de referências eruditas e o tempo que preside à pesquisa de uma obra artística. Ir à Cornucópia é um dos sacramentos da nossa cultura. J.L.F.
7. Dias de Vinho e Rosas
De J.P. MillerEncenação de Jorge Silva Melo/Artistas Unidos
Teatro da Politécnica, Lisboa, 18 de Janeiro a 25 de Fevereiro
Texto de actores e que actores: Rúben Gomes e Maria João Falcão foram o que não se imaginava possível, corpos e desejos, ambições e vícios, num texto carregado de falências que Jorge Silva Melo gizou como uma valsa dolente. Neles tudo assentava como se nada mais fizesse sentido e as esperanças de Donal e Mona fossem esperanças de toda uma geração. Cru até à medula, sufocante e fantasmagórico. T.B.C.
8. O medo que o General não tinha
De Ricardo AlvesEncenação de Ricardo Alves/Teatro da Palmilha Dentada
Teatro Helena Sá e Costa, Porto, 12 de Abril a 6 de Maio
O texto deste espectáculo é uma torrente que só tem paralelo no modo irrequieto como Rodrigo Santos salta de personagem em personagem, é ele próprio, volta à personagem, interage com o espectador e ainda improvisa. Um desassossego que serve o tema: o medo, ou a falta dele, ou a coragem para o enfrentar, ou a inconsciência que é fazer espectáculos de teatro em Portugal, em especial sobre temas tão ideologicamente vigiados como o da resistência à ditadura salazarista. Uma medalha de mau-comportamento. J.L.F.
9. Big Bang
De Philippe Quesne/Vivarium StudioEncenação de Philippe Quesne (França)
Culturgest, Lisboa, 25 e 26 de Maio (Alkantara Festival)
Teatro do apocalipse, resultado da imaginação viva de alguém que questiona o que pode ser uma imagem posta num palco. E, no entanto, o que Quesne nos mostra, radicalizando a própria ideia de teatro visual, é uma reconstrução da relação entre o discurso do artista e o julgamento do espectador. A melancolia das suas imagens, a poética das suas cenografias, a falsa distância dos seus intérpretes sugerem um teatro de abandono, preparado para uma outra ordem mundial, onde a imaginação ganha à retórica. T.B.C.
10. Esta é a minha cidade e eu quero viver nela
Teatro do VestidoMosteiro de S. Bento da Vitória, Porto, 27 a 30 de Março e 5 a 12 de Setembro
Sete cenas para sete actores em ruas, largos, jardins, casas e estabelecimentos comerciais da zona do Mosteiro de São Bento da Vitória, no Porto, disputaram com o público e os moradores locais as versões do que é esta cidade. Partindo de um dispositivo experimentado em Lisboa, mas adaptado e reescrito para o Porto, o Teatro do Vestido traçou um novo mapa poético da Vitória, assente numa teatralização dos lugares que deve muito à literatura e à performance, mas sobretudo ao desejo de encontrar interlocutores concretos num mundo onde o espectáculo das imagens é o real. J.L.F.
Escolhas de Jorge Louraço Figueira e Tiago Bartolomeu Costa