Prémio Pritzker distingue a força poética dos planos de betão de Mendes da Rocha

Depois das curvas de Niemeyer, o Prémio Pritzker escolhe "as estruturas poderosas" do arquitecto paulista, sublinhando a importância da arquitectura brasileira.

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Paulo Mendes da Rocha é o segundo brasileiro a ganhar o Pritzker de Arquitectura, o prémio mais importante que um arquitecto pode receber. Ontem, o arquitecto afirmou que a força da arquitectura brasileira, a sua capacidade "especulativa" e "lírica", lhe vem do cruzamento de várias heranças. Depois das curvas de Niemeyer, o Prémio Pritzker escolhe "as estruturas poderosas" do arquitecto paulista, sublinhando a importância da arquitectura brasileira

O prémio, que foi anunciado domingo, tem o valor de 100 mil dólares (cerca de 83 mil euros).
Mendes da Rocha, de 77 anos, é distinguido 18 anos depois de o Pritzker ter sido entregue ao mítico Oscar Niemeyer, ainda hoje em actividade e autor dos edifícios públicos de Brasília. Se Niemeyer, o decano, é o centro da arquitectura carioca, mais lírica e sensual, Mendes da Rocha - o arquitecto brasileiro de quem actualmente se fala - representa a escola de São Paulo, mais severa, mas igualmente poética.
O jornal brasileiro O Globo dizia ontem que "o betão curvo de Niemeyer simboliza a excitante Rio de Janeiro e a futurista capital de Brasília", enquanto "o betão liso de Mendes da Rocha reflecte a seriedade de São Paulo, a capital comercial do país e lar de 18 milhões de habitantes".
Paulo Mendes da Rocha vai receber o prémio, atribuído pela cadeia de hotéis norte-americana Hyatt, a 30 de Maio em Istambul, na Turquia.
Mendes da Rocha já recebeu o Prémio Mies van der Rohe para a América Latina em 2000, com a intervenção na Pinacoteca de São Paulo, um edifício desenhado no século XIX. Em 2003, a Ordem dos Arquitectos portuguesa atribuiu-lhe o título de membro honorário.
"Inspirado pelos princípios e linguagem do modernismo, Mendes da Rocha traz a cada um dos seus projectos uma força renovada através de um arrojado uso de materiais simples e de um profundo entendimento da poética do espaço", disse Martha Thorne, directora executiva do Pritzker, divulgado no domingo. Carlos Jiménez, membro do júri e professor de arquitectura na Universidade Rice, disse que Mendes da Rocha "constrói com excepcional economia para atingir uma arquitectura de profundo compromisso social, uma arquitectura que transcende os limites da construção para fascinar com poético rigor e imaginação".
O júri diz-se "profundamente impressionado" pela capacidade do arquitecto criar "estruturas poderosas". Mendes da Rocha, diz ainda Karen Stein, "vai continuamente mais além dos limites escultóricos da forma estrutural, conseguindo efeitos surpreendentes e, muitas vezes, poéticos".

Família de engenheiros
Paulo Archias Mendes da Rocha nasceu a 25 de Outubro de 1928 na casa da família da mãe em Vitória, a capital portuária do estado do Espírito Santo. Paulo passou a infância entre Vitória e a ilha de Paquetá, no meio da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, a casa do avô paterno.
Pai e avô eram engenheiros. Nos anos 40, a família muda-se para São Paulo, cidade onde se forma na Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade Mackenzie em 1954.
Convidado por João Vilanova Artigas, torna-se em 1959 professor de Projectos da Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Vilanova Artigas é outro dos protagonistas da arquitectura brasileira no século XX, o mentor da chamada escola paulista. Os primeiros projectos de Mendes da Rocha, como o Clube Atlético Paulistano, de 1958, mostram alguma proximidade com a linguagem brutalista adoptada por Vilanova Artigas. Uma arquitectura mais crua e limpa, onde o realce do betão promove também uma ideia de economia e síntese.
No Museu Brasileiro de Escultura, que construiu depois de ganhar um concurso em 1986, edifício e paisagem são tratados como um todo. Uma laje enorme de betão - com 12 metros de largura e que vence um vão de 60 - anuncia um edifício em parte subterrâneo. O arquitecto imaginou o museu "como um jardim, com uma sombra e um teatro ao ar livre".
Para Mendes da Rocha, "a arquitectura primordial é a geografia" ou, por outras palavras, quando um arquitecto "olha a natureza já a vê como parte do seu projecto, das transformações que fará".
Na Pinacoteca de São Paulo - o projecto que lhe valeu o reconhecimento internacional mais amplo - a renovação é praticamente invisível do exterior. "A primeira reflexão que a Pinacoteca permite é o espanto diante daquilo: um edifício infame, uma cópia académica, mal construído e inacabado", comentou Paulo Mendes da Rocha numa entrevista dada em 2003 a Ana Vaz Milheiro, crítica de arquitectura do PÚBLICO. "Havia um problema de implantação, a entrada do edifício era pela avenida que foi alargada - o edifício estava constrangido. Imaginei que se poderia entrar pelos topos, neutralizando aquela entrada angustiada. Assim, entrando de forma travessa, contrariando toda aquela planta, encontram-se os vazios dos dois pátios e mais a rotunda no meio, que são atravessados por pontes delicadas, passagens aéreas com estrutura metálica." E, assim, quem visita o prédio "fá-lo com uma força transgressora".
Paulo Mendes da Rocha conhece bem a arquitectura portuguesa. Na mesma entrevista, procurando estabelecer pontes, equiparou Siza (que também já recebeu o Pritzker) e Niemeyer, na liberdade de expressão. "Vejo um encontro muito interessante entre Siza e Niemeyer, na reflexão que devem fazer nas suas mentes. [...] A arquitectura é uma invenção. A expressão da construção da forma é sempre uma invenção." Sobre o Estádio de Braga de Eduardo Souto Moura, que remetia para a pala do Pavilhão de Portugal de Siza, que por sua vez remetia para os gestos de Niemeyer, Mendes da Rocha disse durante um visita ao estaleiro que era "a obra em construção mais bonita do mundo".

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