Para acabar de vez com o pós-modernismo (ou nem por isso)

Foto
A Casa da Música, de Rem Koolhaas, figura no catálogo da exposição "Postmodernism: Style and Subversion", do Victoria & Albert Museum MANUEL ROBERTO

Em Londres, três exposições reconstituem o passado, o presente e o futuro de um movimento ambivalente. Do construtivismo russo ao Office for Metropolitan Architecture de Rem Koolhaas, uma viagem nem sempre festiva que termina muito perto de nós, na Casa da Música, e que sugere que o tempo da caça às bruxas do pós-modernismo já acabou. Jorge Figueira

"E pur si muove" não é uma afirmação originalmente destinada a caracterizar o pós-modernismo em 2011. No entanto, aplica-se. A peça central deste novo interesse no movimento é a exposição "Postmodernism: Style and Subversion 1970-1990" actualmente no Victoria & Albert Museum, em Londres (até 15 de Janeiro), e comissariada por Glenn Adamson e Jane Pavitt. Juntando-lhe "OMA Progress" (até 19 de Fevereiro), na Barbican Art Gallery, uma retrospectiva de 40 anos de actividade do Office for Metropolitan Architecture (OMA) liderado por Rem Koolhaas, temos um quadro impressivo dos caminhos da arquitectura, do design e da arte do nosso tempo.

É tentador cruzar o conteúdo das exposições, embora se possa defender que Koolhaas emerge das cinzas temporárias do pós-modernismo. Mas a Casa da Música, no Porto, figura no catálogo da mostra do V&A. E o próprio afirma que "Delirious New York", o livro que publicou em 1978 e que é hoje um marco da cultura arquitectónica, "não é um argumento a favor da modernidade". Esta declaração consta de uma entrevista recente a Charles Jencks, o mentor oficial do pós-modernismo nos anos 1970 e 1980, que regressou também no final deste ano com duas publicações bombásticas: "The Story of Post-Modernism" e um número da revista "Architectural Design" intitulado "Radical Post-modernism". A tese de Jencks é que o pós-modernismo explica tudo o que se passou nas últimas décadas, para lá do intervalo frio dos anos 1990. A abordagem de "Postmodernism: Style and Subversion" é, por seu lado, de carácter levemente historiográfico, encerrando o capítulo nos anos 1990, embora reconhecendo que a história continua, por exemplo nos países asiáticos, com uma força ainda maior.

Para compreender a importância desta operação é preciso ter em conta, como nos disse a curadora Jane Pavitt, as hesitações iniciais em tratar o tema e, depois, a relutância de um conjunto de protagonistas em aparecer sob a corrosiva etiqueta do "pós-modernismo". O êxito da exposição, o conjunto de artigos e a opinião publicada mostram que o V&A acertou pelo menos num aspecto: o tempo da caça às bruxas do pós-modernismo acabou.

"Postmodernism: Style and Subversion" centra-se no design como tema que percorre todas as áreas, daí a importância do "estilo". Mas também se esforça por mostrar como o pós-modernismo tem uma afeição anti-autoritária, periférica, de contracultura, donde a referência à "subversão". Não se procure, porém, na exposição do V&A um tratamento profundo do tema. No catálogo, talvez. O que nos oferecido é uma "collage" de objectos, por vezes inesperados e sempre interpelantes. A exposição segue a ideia - muito pós-modernista - de que a visualidade é a própria profundidade. É uma proposta de uma grande instituição para o grande público, como é decorrente da ética do pós-modernismo, onde o pequeno público, dos estudiosos e dos admiradores, também pode encontrar pistas novas.

Tematicamente, o design propriamente dito ocupa o centro da mostra, com a música pop num extremo e a arquitectura no outro. Estas coordenadas são desde logo uma interessante possibilidade de mapeamento do pós-modernismo. É de facto particularmente presente o trabalho de designers italianos como Alexandro Mendini, Ettore Sotsass e o grupo Memphis. No design gráfico, são os ingleses Peter Saville (no trabalho para a Factory) e Neville Brody (na "The Face", por exemplo) que destacaríamos. Num extremo muito vocal, a música pop é representada por David Byrne (nos Talking Heads), Grace Jones, Klaus Nomi, Laurie Anderson ou os New Order. O nascimento e a comercialização do hip-hop são sinalizados como um fenómeno também afecto ao pós-modernismo.

No outro extremo muito polémico, a arquitectura, a proposta é relativamente convencional: de Robert Venturi (a Vanna House, "Learning from Las Vegas"), passando por Aldo Rossi (o Cemitério de Modena), até à Bienal de Veneza de 1980. Aí, a reconstituição da fachada de Hans Hollein para a Strada Novissima, o climax da Bienal, é um dos ponto altos da exposição. E depois, é claro, os americanos, que no pós-modernismo jogam em casa: Philip Johnson, Charles Moore, Michael Graves. Algumas inclusões são menos óbvias e altamente defensáveis: os desenhos fundamentais de Madelon Vriesendorp para a aura de "Delirious New York"; a casa de Frank Gehry em Santa Monica; o "showroom" para a Best Products, em Houston, dos SITE. A unir todos estes objectos está "Blade Runner", o filme de Ridley Scott cujas imagens e banda sonora ecoam como o ambiente oficial do pós-modernismo no V&A.

No conjunto, é a ambivalência, o tema estrutural do pós-modernismo, que se faz sentir. Mesmo que no centro da exposição estejamos numa espécie de cenário da MTV, com ecrãs gigantes e redes como numa discoteca dos anos 1980, aquilo que vemos são manifestações de estranheza e "displacement". O rosto mudo e trágico em fatiota excessiva de Klaus Nomi; o Big Suit de David Byrne; o intimismo hipnótico de Laurie Anderson; a reconfiguração do corpo de Grace Jones. Pode ser uma festa, mas é de freaks, de personagens espaciais, replicantes, "trash". Chove permanentemente como em "Blade Runner"; com Grandmaster Flash há a morte da canção; a morte de Klaus Nomi com sida; a passagem dos Joy Division para os New Order com a morte de Ian Curtis. Os filmes de Derek Jarman e as coreografias de Kazuo Ohno aqui evocadas são o epicentro dessa estranheza.

Também na arquitectura, a festa não é sempre festiva. Seguindo Jencks, à entrada da exposição, o pós-modernismo começa com a implosão de Pruitt-Igoe, em 1972; a casa Vanna Venturi é só aparentemente convencional; "Learning from Las Vegas" significa a morte do espaço, o "protagonista" da arquitectura moderna; o Cemitério de Modena não é preciso explicar; os desenhos de Madelon Vriesendorp têm uma evidente inspiração surrealista e são violentos; Stanley Tigerman faz uma fotomontagem em que o Crown Hall, obra central de Mies van der Rohe, está a afundar-se. As peças Memphis são belissimamente anti-funcionais, como involuntários instrumentos de tortura.

O princípio da ambivalência aqui constatado é este: no mesmo sítio, a dor e o riso; no mesmo rosto, o silêncio e a ironia; no mesmo palco, o apocalíptico e a dança; na mesma exposição, a subversão e o estilo. E, por isso, para lá das cores vivas e das capas das revistas "glossy", e de toda a maquilhagem, o pós-modernismo tem também aqui, muito justamente, uma expressão negra, de contracultura, de deslocamento.

Comentou-se que esta exposição decretava o fim do pós-modernismo. Mas este não estava já morto? E enterrado? Até nisso, o pós-modernismo é um corpo ambivalente: começa com uma morte (do moderno, das meta-narrativas) e continua a coleccionar mortes; é declarado morto; continuará vivo? E, sendo apocalíptico, é também fundado (outra ambivalência): todas estas experiências são pré-World Wide Web e pré-digital, e no entanto antecipam o mundo que está para chegar.

Rem Koolhaas,

ponto de interrogação

Entretanto, no Barbican, a exposição OMA Progress, comissariada pelo colectivo belga Rotor, centra-se no trabalho desenvolvido pelo OMA nas últimas quatro décadas, e no "think thank" a ele associado, AMO. O escritório, de que Koolhaas é o principal mentor, decidiu entregar a uma "visão exterior" a curadoria da exposição. À procura de um tema, o grupo esteve "embebido" nas várias sedes do OMA, em Roterdão, Nova Iorque, Hong Kong e Pequim. No texto do guia, o OMA declara que "entregou as chaves do escritório ao Rotor e teve como resposta um ponto de interrogação".

Usando um acesso pouco habitual, a exposição está dividida em dois pisos e em salas dedicadas a temas relativamente aleatórios: Places, White, On Display, Materials, Ornament, entre outros. A fundamentação é que objectos, materiais, maquetes, desenhos, vídeos e restante parafernália do atelier são exibidos no estado em que foram encontrados. É esta informalidade, em contraponto com a arquitectura muito sobrecarregada do Barbican, que sobressai como o aspecto mais notório da modesta abordagem curatorial. As indicações dos temas, por exemplo, são dadas por papéis colados no chão; à entrada, tiras de papel que giram numa calha dão-nos informação genérica sobre cada projecto.

Mesmo que "exterior", esta abordagem vai claramente ao encontro de um certo tipo de informalidade ligada a um gosto estatístico e diagramático que o OMA e Koolhaas praticam há muito. 3.454.204 imagens da produção do escritório passam num ecrã, em contínuo, num total de 48 horas; há um envio em tempo real de imagens dos estaleiros das obras em curso; estão contabilizados na mostra 450 itens que ilustram a história do OMA. O que é aqui mais patente, e não é novo na abordagem de Koolhaas, é a sobreposição provocatória de uma imagem empresarial à do atelier de vocação artística geralmente aliado à arquitectura de autor.

Nesta dimensão estatística e aleatória, o "progresso" a que o título da exposição alude não faz sentido. Não há drama nem retrocesso, só plasticidade, performance, exibição de objectos, uma formal informalidade, não se sabe para quê nem para quem. Não há síntese nem há proposta, propositadamente, no Barbican.

Diríamos que é exposição do pós-modernismo que permite compreender Koolhaas: o voraz consumo historicista do construtivismo e das neo-vanguardas dos anos 1960, o surrealismo e a abordagem pop de Venturi. Koolhaas é uma máquina de confluências em modo pós-modernista. Em "From Bauhaus from Our House", Tom Wolfe chamou a Gropius o "Príncipe de Prata". Koolhaas é o Princípe da Ambivalência: cínico e preocupado; informal e distante; iconográfico e genérico; populista e elitista. Quase sufocantemente pós-modernista.

A aventura construtivista

Também em Londres, mas na Royal Academy of Arts, "Building the Revolution. Soviet Art and Revolution 1915-1935" (até 22 de Janeiro) é uma "prequela" das duas outras exposições aqui em destaque. O pós-modernismo herda do construtivismo a cultura da "agit prop", uma estratégia de comunicação efémera e nómada, em que as áreas artísticas se cruzam. A obra de Koolhaas acolhe muitíssimo do voracidade e até da brutalidade experimental do construtivismo.

No pátio, ergue-se uma maquete do famoso Monumento à Terceira Internacional, de Vladimir Tatlin, um projecto emblemático de uma primeira fase do construtivismo. Estão já aqui os temas fundamentais da estetização da construção que define o movimento: a estrutura em espiral, o sentido ascensional, a expressão crua dos materiais. Mas está também aqui a influência do suprematismo de Malevich, nos sólidos suspensos no interior da estrutura que rodariam ao longo do tempo. A torre teria 400 metros de altura e foi na altura criticada com o argumento de ser uma versão da Torre Eiffel. Estava claramente acima das possibilidades tecnológicas do estado soviético que então se implantava. Mas, mesmo nesta escala bem mais doméstica, a veleidade da Torre de Tatlin emociona.

De facto, o construtivismo é a vanguarda das vanguardas do início do século XX. "Buliding the Revolution" propõe um paralelismo livre entre arquitecturas construídas nos anos a seguir à Guerra Civil que se sucedeu à Revolução de Outubro de 1917, entre 1922 e 1935, e obras de artistas.

Embora expondo telas e desenhos de uma beleza insuperável de El Lissitzky, Popova, Rodchenko, Klutsis, entre outros, o centro da exposição são as fotografias de Richard Pare, feitas sobretudo nos anos 1990, que nos dão a ver obras mais ou menos conhecidas no seu actual estado degradado. Fotografias impressas em grande dimensão são colocadas em diálogo com fichas que integram imagens e dados da época de cada um dos edifícios. Nem todos os edifícios são radicalmente construtivistas; muitos são apenas tocados pelo sabor do momento, mas é de qualquer forma um levantamento impressionante. A ter em conta, em particular, a Torre da Rádio Shabolovka (1922), de Shukhov, inspirada na Torre de Tatlin; o gigantesco complexo Gosprom (1929), de Kravets; o edifício Tsentrosoyuz (1929-36), a única obra de Le Corbusier na Rússia; o seminal Narkomfin (1930), um bloco habitacional com instalações colectivas, de Ginzburg; a Casa de Melnikov (1927-31) feita laboriosamente em tijolo mas como se fosse do outro mundo; e os "clubes de operários" de Golosov (1926) e de Melnikok (1927), um programa mítico do Socialismo Soviético.

O episódio do construtivismo é um momento de uma fluência extraordinária entre a arte e a arquitectura, expressa espantosamente nos Architectons de Malevich e nos Proun de El Lissitizky. Mas é também um processo muito complexo de lutas internas e contradições insanáveis. No inicio dos anos 1930, o "socialismo real" de Estaline interrompe qualquer veleidade modernista. O concurso para o Palácio dos Sovietes, ganho por uma proposta de um classicismo musculado, é geralmente apontado como o fecho simbólico da aventura. Do ponto de vista historiográfico, só a partir dos anos 1970 é que se começa a fazer alguma luz sobre este processo. Nos anos 1920-30, o construtivismo é a força mais radical da emergente arquitectura moderna que cruza a Europa e toma o continente americano. Não é exagero dizer que está aqui ainda, passados 90 anos, uma das fontes fundamentais da arquitectura contemporânea.

Sugerir correcção