Christopher Hitchens sabe como vai morrer

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imagens retiradas do vídeo disponível no

O jornalista e escritor Christopher Hitchens soube em Junho, quando estava a lançar o seu livro de memórias, Hitch-22, que tinha um cancro no esófago. Nas últimas semanas deu várias entrevistas onde mostra como está a lidar com a evidência da mortalidade

"Como é que está?", pergunta-lhe o escritor e jornalista Jeffrey Goldberg, da revista The Atlantic, no vídeo que se pode ver no site desta publicação norte-americana desde o dia 6 de Agosto (dia em que Tony Judt morreu), filmado na sua casa em Washington. "Como estou? Estou a morrer. Bem, toda a gente está, mas em mim o processo está a acelerar-se. Estou à procura de maneiras de morrer como você", responde o escritor e jornalista Christopher Hitchens, a cara inchada, o cabelo ralo por causa da quimioterapia. "Não sabe como vou morrer", contrapõe Goldberg. "Infelizmente eu sei como é que vou."

Christopher Hitchens, 61 anos, autor do livro Deus Não É Grande - Como a Religião Envenena Tudo (ed. Dom Quixote), tem um cancro no esófago que já tem metástases. O ensaísta anunciou no dia 30 de Junho que estava doente nas páginas da revista Vanity Fair, onde é colaborador, e disse que, por isso, não continuaria com a tournée de lançamento do livro Hitch-22: A Memoir, as suas memórias.

A 5 de Agosto, Hitchens foi ao programa de Anderson Cooper, na CNN, e disse que quando se fuma e se bebe como ele bebia, tornamo-nos sérios candidatos a ter um cancro. Em 1978, o pai do escritor, Eric Ernest Hitchens, que trabalhou na Marinha britânica e tinha 79 anos, morreu de ataque cardíaco pouco depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro no esófago. A história repete-se.

Luta, qual luta?

Christopher Hitchens soube que estava doente na manhã seguinte ao lançamento do seu livro de memórias, quando se sentiu mal e foi levado para o hospital. Aí, os médicos disseram-lhe que a sua próxima paragem seria no oncologista. Na sua agenda para essa noite estava marcada uma ida ao Daily Show de Jon Stewart, seguida de uma sessão cujos bilhetes estavam completamente esgotados, em que ele ia conversar com o escritor Salman Rushdie sobre a obra que estava a lançar. Hitchens não faltou nem a um nem a outro, embora tenha vomitado entre os dois. Escreveu na Vanity Fair: "Eu tinha planos para a minha próxima década e sinto que trabalhei para o merecer. Não viverei o suficiente para ver os meus filhos casar? Para ver o World Trade Center erguer-se outra vez? Para ler - ou escrever - os obituários de vilões mais velhos como Henry Kissinger e Joseph Ratzinger?"

Nesta entrevista mais recente, a da revista The Atlantic,o jornalista Jeffrey Goldberg pede-lhe para dizer como se sente, argumentando que é útil para as pessoas. "Há dias maus, e dias péssimos. Nunca sei quando a exaustão vem da quimioterapia ou do tumor em si. Continuo a escrever, a ler e a falar. Mas há dias em que eu não conseguia sequer ler." Depois, surge na sala o escritor britânico Martin Amis que, no seu livro A Viúva Grávida,tem uma personagem inspirada em Hitchens, garrafa de água na mão, e a conversa continua. "Sente-se insultado quando as pessoas dizem que rezam por si?", volta à carga Goldberg. "Não, não, aceito-o desde que o façam para a minha recuperação. Mesmo que isso não mude nada."

No blogue que mantém na Atlantic Jeffrey Goldberg respondeu às pessoas que lhe enviaram e-mails a dizer que as suas preces não eram para desejar a recuperação de Hitchens: "Posso dizer que ele não se importa, seja de que maneira for, com o que vocês pensam ou rezam, mas naquilo que me diz respeito e a toda a equipa da Atlantic deixem-me dizer-vos: "Vão-se foder." Acredito que Deus me vai desculpar por esta."

No artigo que escreveu para a Vanity Fair (Topic of Cancer) mostrava-se surpreendido por ser hábito ler nos obituários nos jornais que determinada pessoa morreu depois de uma longa batalha contra o cancro. Quando se trata de alguém com uma doença coronária ou com insuficiência renal nunca se diz que travou uma grande luta com a mortalidade. Hitchens, que tem três filhos, diz que ama a ideia de luta, mas informa-nos que, quando se está sentado num quarto com uma série de outros finalistas e alguém traz um saco transparente com veneno que é injectado nas nossas veias enquanto lemos ou não um livro, a imagem do guerreiro ou do revolucionário é a última coisa que nos ocorre.

"Sentimo-nos dominados pela passividade e impotência: dissolvemo-nos em impotência como um quadrado de açúcar se dissolve em água."

Sem fatalismos

Em Março, Christopher Hitchens, que nasceu em Inglaterra em 1949 mas vive nos EUA desde os anos 80, esteve em Lisboa. Na altura, disse a Pedro Lomba, que o entrevistou para o PÚBLICO (ver P2 26/02/10), que preparava um livro sobre os Dez Mandamentos. Foi convidado de Inês Pedrosa, directora da Casa Fernando Pessoa, no Ciclo Livres Pensadores com uma conferência sobre A Urgência do Ateísmo. Era um regresso, tinha estado em Portugal em 1975 quando trabalhava como jornalista para a revista da esquerda britânica New Statesman e veio entrevistar Mário Soares e Jaime Gama.

Hitchens não está fatalista, não se resigna, mas ao mesmo tempo é realista. Sabe que as estatísticas mostram que as hipóteses que tem de sobreviver a este tipo de cancro são muito baixas. Diz que não é do tipo de ser à prova de lágrimas, mas a verdade é que ainda não chorou. Fica abalado quando pensa nos filhos, mas tenta ser o mais objectivo possível.

"É tempo de reconsiderar as suas posições sobre Deus?", pergunta Goldberg. Christopher Hitchens diz que talvez seja demasiado cedo para lhe perguntar porque ainda não teve nenhum momento aterrador. Mas, para já, a resposta é: "Não."

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