A Liga dos Campeões é uma via verde para alguns negócios na região

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Eduarda Araújo aplaude a chegada da

Vitória, empate ou derrota? A resposta não é instantânea. Mas os bracarenses acreditam que o sucesso de uma equipa "exerce efeitos positivos no crescimento da economia regional". Luís Octávio Costa (texto) João Guilherme (fotos)

a Orlando Rocha está sentado no café, que fica entalado entre o Bairro da Senhora do Monte, o Estádio Municipal de Braga e uma montanha de silvas que ameaça engolir o estabelecimento. Durante o Euro 20004, fez uma sardinhada na varanda e convidou "os holandeses". Desta vez, olha para a Liga dos Campeões como quem olha para um forasteiro que ameaça chegar à cidade. "Não vai fazer milagres na cidade, mas vai acordar algumas pessoas e ressuscitar outras".

Para a cidade de Braga, a Liga dos Campeões ainda é um mistério. As pessoas lembram-se da explosão em Sevilha (3-4) e não se esquecem da lição de humildade de Londres (6-0 com o Arsenal), mas a chegada da "Champions" à cidade é outra história, é um jogo dentro do jogo. Existem alguns sinais, mas ao certo ninguém sabe quem vem, quando vem, quanto tempo fica e o que é que deixará para trás.

Sócia há quase 30 anos, Eduarda Araújo resumiria assim o impacto que a prova milionária - que em Portugal ainda só deixou marcas no Porto e em Lisboa - poderá vir a ter em Braga. "São jogos com uma casa boa. Que fossem todos assim. São muito boas notícias como adepta e como comerciante. Traz alegria e dinheiro".

Até aqui, e segundo Paulo dos Reis Mourão, investigador do departamento de Economia da Universidade do Minho, tudo não passou de uma "aventura agradável", proporcionada não só pela competência desportiva do clube, mas suportada por um "espaço urbano, rico e com infra-estruturas adequadas". O sucesso de uma equipa "exerce efeitos positivos no crescimento da economia regional" e oferece "benefícios invisíveis às economias locais como a lealdade e o prestígio", pode ler-se no artigo "Regional determinants of competitiveness - the case of European Soccer teams" que o próprio publicou em Agosto passado na edição do jornal científico "International Journal of Sports Finance" e que sugere que "as equipas de futebol europeias ganham competitividade numa região mais abastada".

"A geografia interessa", conclui o estudo. "Existe uma relação significativa entre o desenvolvimento da economia regional e a performance das equipas de futebol nas competições europeias", comentou ao PÚBLICO Paulo dos Reis Mourão, que vê o clube e a cidade como uma só equipa. "Nesta fase do campeonato, o peso da economia faz-se sentir. Pode haver um campeão de xadrez no Turquemenistão, mas em termos de despesa per capita o futebol é uma modalidade mais cara. E requer uma estrutura muito mais sustentada. Em Braga, para deixar de ser apenas uma aventura agradável tem que haver apoios e sustentação económica", sugere o investigador.

"Ninguém nos visitava"

O efeito de também a cidade disputar a Liga dos Campeões "é pouco palpável", como sublinha Miguel Pedro, director municipal e presidente da Assembleia Geral do clube. "Para já nota-se mais o efeito bairrista e um aumento da auto-estima porque as pessoas sabem que nem todos chegam lá".

Nos últimos dias, Braga preparou-se em silêncio para um fenómeno que dificilmente chegará aos calcanhares do Euro 2004, competição que levou à cidade um Bulgária-Dinamarca e um Holanda-Letónia. A sapataria Arcádia ainda hoje conserva na sua montra uma fotografia da multidão no Campo da Vinha. "Mais do que o S. João, muito mais", recorda um funcionário. "Estamos a receber dividendos desse momento", aponta. "Há muitos mais estrangeiros. Ninguém nos visitava. Agora, a cada passo há pessoas na rua a falar estrangeiro e cicerones a explicar a cidade. Antes do Euro muitos não sabiam sequer que a cidade existia".

Nas próximas semanas, Braga espera receber visitantes ucranianos (Shakhtar, na terça-feira), sérvios (Partizan, dia 19 de Outubro) e sobretudo ingleses (Arsenal, a 23 de Novembro) naquela que será a penúltima jornada do Grupo H. "Traz movimento, traz negócio. Quando vier o Arsenal deve ser aqui um Mundo. Os ingleses gostam muito de borga. Admiro os ingleses porque fazem a festa antes dos jogos. Se perderem, a festa já está feita. Mas tudo depende de como estiver a tabela classificativa".

De Janeiro a Agosto, a cidade contou 62.554 visitantes, registando-se um acréscimo de seis por cento no número de turistas espanhóis, que representam a maior fatia de turistas em Braga (34 por cento). O retrato robot do visitante, que em média permanece dois dias, sugere ainda um aumento na ordem dos 60 por cento no número de visitantes russos (560 contra os 215 em igual período do ano passado) e uma tendência objectiva para o turismo religioso (sendo a Semana Santa a maior referência). Para além da existência do mapa da cidade em russo e do roteiro barroco em neerlandês, os comerciantes da cidade receberam há dias um prospecto com quatro frases em sérvio, ucraniano e inglês ("bom dia", "boa tarde", "boa noite" e "obrigado"). "Braga e o Braga voltaram a estar na moda. A Liga dos Campeões é ouro sobre azul", sublinha o presidente da Associação Comercial de Braga, justificando a distribuição de quatro mil bandeiras dos países em questão pelos lojistas. "Está em causa a notoriedade na cidade", explicou ao PÚBLICO Domingos Macedo Barbosa, que por estes dias se refere ao clube como "maior embaixador da cidade". "Por causa do futebol", sublinha, "todo o comércio vai beneficiar". "É preciso aproveitar, porque as oportunidades não são muitas. Hoje é difícil cativar visitantes. As campanhas dos outros países são muito agressivas e a concorrência é muita". Por um lado, a cidade não inova, oferece o costume: "Património, gastronomia, as tradições, a hospitalidade e um outro produto local, um sorriso largo". A ementa foi elaborada por Domingos Macedo Barbosa, que, como qualquer bracarense que se preze, continua a falar do Euro 2004 como "um fenómeno" de bilheteiras. "Catapultou a cidade, criou uma onda positiva, atraiu novos consumidores. Devia haver o Euro 2005 e o Euro 2006..."

"A prova atrai elites"

Antes de fazer as contas ao deve e haver, a cidade preocupa-se com o marketing territorial. "Tem a ver com o respeito que os nossos compradores passam a ter por nós", completa António Marques, presidente da Associação Industrial do Minho (AIMinho). "Há um ganho de notoriedade cujo impacto não tem uma forma de ser medido. Mas esse não é um aspecto menor. No Campeonato Europeu as pessoas vieram, ficaram e voltaram. Quando vamos a algum lado e gostamos, voltamos. Vamos ver como é que os agentes trabalham o assunto", sublinha, dividindo por etapas o provável impacto da Liga dos Campeões no comportamento e desenvolvimento da cidade. Há o impacto a curto prazo e que se traduz em vendas no comércio local, no número de refeições servidas e até no acréscimo de actividade nas empresas do sector dos transportes. E há o resto, "possíveis negócios". "É importante pensar que a prova atrai elites e líderes de grupos económicos. A "Champions" é uma espécie de via verde para alguns negócios que não se esgotam na parte industrial. É no dia do jogo? Não é. Tudo poderá não passar de contactos tímidos. Mas o certo é que atrás dos clubes há elites que têm negócios", sugere António Marques. "A participação na Liga dos Campeões serve para dar um alento, mas o importante é o futuro, o essencial é o registo a médio-longo prazo", concluiu, lembrando que "estes três jogos não vão resolver os problemas da região".

O mais provável é que Braga, a cidade, não repita a "sorte grande" - expressão que José Cadima Ribeiro, investigador da Universidade do Minho, utiliza para se referir ao Euro 2004. Há seis anos, e segundo um estudo por si publicado, os visitantes ficaram em média entre seis e oito noites na cidade (para 69 por cento dos adeptos foi a primeira visita a Portugal; para 16 por cento foi a segunda). "O grande impacto resultou da divulgação do nome da cidade", conclui José Cadima Ribeiro. "É relevante e explica o facto de recentemente os dirigentes do Sporting de Braga dizerem que preferiam receber na sua casa um Real Madrid ou um Manchester United".

De Belgrado e de Donetsk, Braga não esperará multidões em estação Outono/Inverno. E o sucesso da deslocação do Arsenal estará sempre dependente dos contornos da tabela classificativa. A cidade, que já tinha ementas bilingues, jornais ucranianos e mapas em russo, tem bandeiras nas montras e muito boa vontade. Para o que der e vier.

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