Tim K. matou 15 pessoas e ninguém percebe ainda porquê

Tim K. era um jovem de uma família de classe média que não se destacava em nada de especial - excepto no ténis de mesa. Levou a cabo um massacre numa escola alemã.
O caso encaixa-se no perfil típico destes ataques.
A frustração está presente

a A manchete do jornal da pequena localidade de Winnenden tinha apenas uma palavra: Warum? - Porquê? O que levou um jovem de 17 anos a entrar no liceu e matar 12 pessoas, e de seguida mais três? Há quem aponte para os jogos violentos. Há quem procure um sentido no maior número de vítimas serem mulheres. Mas os motivos de Tim Krestchemer - Tim K. - estavam ontem longe de ser claros.Os pormenores que começam a emergir sobre o que aconteceu na quarta-feira na região de Estugarda ligam o caso a outros semelhantes - até uma mensagem alegadamente colocada por Tim K. num site na Internet era tão credível que foi tida como verdadeira durante o dia de ontem: "Estou farto. Estou farto desta vida horrível... Sempre o mesmo. As pessoas riem-se de mim. Ninguém vê o meu potencial..."
Só depois de o administrador do site vir dizer que aquela mensagem tinha sido colocada on-line horas depois de Tim K. ter morrido é que o engano foi exposto.
Mas a mensagem acabava por ser quase tranquilizadora, porque dava uma resposta à pergunta: porquê? Por que fez ele isto? Teria sido gozado pelos colegas de escola e procurado uma vingança? Sendo a mensagem falsa, a pergunta continua por responder.
Tim K. era descrito como um adolescente normal, família de classe média-alta, notas médias-baixas. Era reservado, nem demasiado popular nem demasiado esquisito, estava a terminar um curso profissional para ser vendedor. Ia ao ginásio regularmente e destacava-se como jogador de ténis de mesa.
O pai é um empresário que emprega mais de cem pessoas. Havia um Porsche na garagem da casa da pequena localidade de Weiler am Stein (três mil habitantes), a 20 quilómetros de Estugarda (Sudoeste da Alemanha), e várias armas, fechadas num cofre, como obriga a lei alemã. Mas no quarto o pai guardava uma Beretta, e foi com esta arma e mais de 200 munições que Tim K. levou a cabo o ataque.
"Ele era calmo e reservado", dizia uma antiga colega à revista alemã Der Spiegel. "O que estaria a acontecer dentro da cabeça dele?" pergunta.
"Tim nunca foi agressivo nem deu nas vistas. Ele era simplesmente normal - tal como toda a gente", disse outro antigo colega à revista. "Foi como se um raio caísse sobre a minha cabeça quando ouvi o que fez. Durante anos vi-o todos os dias - todos os dias! Quem adivinharia que ele tinha uma bomba-relógio dentro dele?"
Tratamento psiquiátrico
Os media alemães começaram ontem a revelar outros pormenores acerca de Tim K., como por exemplo o facto de ter no quarto muitos filmes de terror e espingardas de ar comprimido - até usar sempre roupas escuras foi referido.
Estava a ser seguido por um psiquiatra desde o ano passado, e tinha faltado à última consulta. No dia do massacre, depois de fugir do liceu (onde um professor conseguiu emitir um aviso em código que evitou que a matança tivesse sido maior), Tim K. matou ainda mais três pessoas.
Uma delas foi morta à porta da clínica de psiquiatria onde Tim K. tinha tido consultas, as outras pouco depois. O jovem forçou um condutor a levá-lo na sua fuga da polícia, expulsando-o de seguida para terminar a viagem sozinho, encurralado pela polícia. Quando saiu do carro matou então ainda mais duas pessoas, aparentemente vítimas da troca de tiros com a polícia, até ter sido atingido por um agente numa perna e ter virado a arma contra si mesmo, matando-se.
Nos últimos tempos Tim K. tinha-se tornado "algo estranho", dizia um vizinho ao jornal Sueddeutsche Zeitung, referindo-se às armas de pressão de ar que o adolescente tinha no quarto.
Um outro colega acrescentou mais um pormenor: "Ele não era muito bom na escola", o que o deixaria "muito frustrado".
E havia relatos de que teria escrito uma carta aos pais dizendo que "não aguentava mais".
O perfil de Tim K. parece encaixar-se assim naquilo que o sociólogo alemão Dietrich Oberwittler descreve como típico destes casos - alguém que se sente "frustrado e não consegue exprimir essa frustração, fica cada vez mais isolado e ao fim de meses, ou anos, explode".
O sociólogo, do Departamento de Criminologia do Instituto Max Planck para Crime Internacional, em Friburgo, falou por telefone ao P2 e notou o contexto comum à maioria destes casos, quer aconteçam nos Estados Unidos quer seja na Europa: acontecem mais em comunidades pequenas de subúrbio, classe média, sem grandes problemas económicos ou sociais, sem grande história de violência.
Jogos perigosos?
Também não é raro que os jovens sejam entusiastas de jogos de vídeo - e Tim K. não era excepção. Jogava por exemplo o Counter-Strike, que era também o jogo favorito do outro jovem que em 2002 tinha assassinado 16 pessoas numa escola em Erfurt (e que foi a razão da introdução de mais restrições na lei de posse de armas na Alemanha). Depois disto o Parlamento alemão proibiu certos jogos.
Jogos de vídeo como este ajudam "nas rotinas - de premir o gatilho, por exemplo", nota Oberwittler, adiantando que as investigações sobre a influência dos jogos neste tipo de ataques tiveram "conclusões contraditórias". Sublinha que "99 por cento dos jogadores nunca vão cometer actos violentos", mas aponta que em muitos casos os atacantes jogavam.
O Counter-Strike é um jogo em que se pode ser um terrorista ou um membro de uma equipa contra-terrorismo. É feito para parecer o mais real possível: o calibre das armas, a mira, a quantidade das munições de cada uma, é tudo igual às reais.
Serafim Gomes, que organizou alguns torneios do Counter-Strike em Portugal, começa por explicar que o objectivo do jogo nem é "andar aos tiros" - a equipa "terrorista" tem como objectivo colocar uma bomba num dado local, a equipa da polícia quer evitar que a bomba seja colocada ou então desmantelá-la. É um jogo assente em "estratégia e táctica".
"Enquanto estamos a falar, há 150 mil pessoas a jogar este jogo em todo o mundo", explica Serafim Gomes ao P2. "Não quer dizer que entre estas não haja pessoas com problemas psicológicos, ou que não sejam bem acompanhadas pelos pais", diz. Mas nesse caso, defende, se for o jogo - "também poderia ser um filme, ou uma cena na televisão, até a informação" - a provocar qualquer coisa, é preciso perceber que a causa é mais profunda.
No ano passado, foi proibida na Alemanha a venda de 43 jogos, segundo o diário Tagesspiegel. O que achará Serafim Gomes se o Counter-Strike for proibido? "Um absurdo." Por várias razões: "Primeiro, acho que o problema começa em casa, com a educação dos pais." E este jogo é muito popular mas há "hoje em dia jogos muito mais violentos".
Além disso, sublinha, muitos ataques são inspirados noutros anteriores.
Mulheres vítimas
A nota que poderia indicar que o caso de Estugarda poderia tratar-se de um tipo diferente de crime era o número elevado de mortes de alunas e professoras - oito dos nove alunos mortos eram raparigas, três professoras morreram também. A polícia explicou que isso poderia ter a ver com a disposição das salas de aula, Dietrich Oberwittler adiantou que costuma haver mais alunas nas filas da frente e que por isso poderiam ter estado mais expostas aos tiros.
Notando que os relatos dizem que Tim K. disparou indiscriminadamente, e que num dos casos uma das vítimas morreu quando uma bala atravessou uma porta, o sociólogo não acha que se possa para já dizer que o jovem só queria matar mulheres.
Se se provar que a motivação era essa, este caso seria diferente da maioria dos ataques em liceus, mas não o primeiro, diz Dietrich Oberwittler.
Há 20 anos, Marc Lepine, um rapaz de 25 anos que se autoproclamava antifeminista, entrou num Instituto Politécnico em Montreal, Canadá, e matou 14 mulheres. Antes tinha separado homens e mulheres. E tinha deixado sair os homens.

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