O dia em que Elvis foi a Washington pedir a Nixon um distintivo dourado

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A célebre fotografia tirada em Dezembro de 1970 Oliver F. Atkins/National Archives/MCT

21 de Dezembro de 1970. Elvis, o Rei do rock, e Nixon, o Presidente que começava a cair nas sondagens, encontraram-se na Sala Oval. O primeiro queria um distintivo federal de combate aos narcóticos, o segundo fez-lhe a vontade. Todos conhecem a fotografia, poucos conhecem a história

O Arquivo Nacional em Washington é uma espécie de caixa-forte onde estão depositados os documentos realmente importantes dos Estados Unidos - a Declaração de Independência, a célebre Bill of Rights, o cheque cancelado no valor de 7,2 milhões de dólares destinado à compra do estado do Alasca, a fotografia de Richard Nixon e Elvis Presley a apertarem a mão na Sala Oval da Casa Branca.

Cópias desta fotografia - o Presidente no seu fato cinzento, o Rei do rock"n"roll com a sua capa de veludo púrpura - são mais requisitadas do que quase todos os restantes tesouros do arquivo, incluindo a Constituição.

Mas a história que conduziu ao improvável encontro de 21 de Dezembro de 1970 é pouco conhecida, apesar da fotografia que o fixou ser famosa. Em honra dos 75 anos do nascimento de Elvis Presley, um dos homens do Presidente, Egil Bud Krogh, e um dos amigos em quem o Rei mais confiava, Jerry Schilling, encontraram-se pela primeira vez em quase 40 anos no Arquivo Nacional para relembrar o dia em que Elvis veio a Washington. Uma multidão esperava sob um frio imenso para conseguir um lugar sentado. (Mesmo na empertigada capital, Elvis ainda consegue esgotar a lotação de uma sala.)

Não foi como as glamorosas festas que outras cidades organizaram, não houve dedicatórias em cartões de parabéns gigantes, nem festivais de cinema que duram toda a noite, nem hipótese de namorar o fato branco a que chamam "Floco de Neve". Uma exposição sobre Elvis na National Portrait Gallery decorreu mais ao ritmo típico de Washington. E ao deste encontro, que nos permitiu durante uma hora espreitar para um tempo menos complicado, antes do caso Watergate ou dos ataques terroristas, quando o homem mais famoso do mundo pediu ao homem mais poderoso do mundo que lhe concedesse um desejo, e conseguiu-o.

O agente extraordinário

A história começa a 19 de Dezembro de 1970, na casa de Schilling em Hollywood. O telefone tocou. Uma voz disse: "Sou eu."

Elvis estava no aeroporto de Dallas, seguia com destino a Los Angeles, e queria que Schilling o fosse buscar ao Aeroporto Internacional de Los Angeles.

"Estás com quem?", perguntou Schilling.

"Ninguém", respondeu o Rei.

Devemos salientar aqui que Elvis era um homem que quase nunca fazia nada sozinho. Queria ter consigo pelo menos cinco companheiros apenas para se sentar a ver televisão. Por isso, é compreensível que Schilling tenha ficado preocupado, ainda por cima quando Elvis lhe disse o seu número de voo e a hora de chegada, o que equivalia à Rainha de Inglaterra lavar a sua própria roupa.

Schilling correu para o aeroporto e levou Elvis para a sua mansão em Hillcrest Drive. Acabou por saber que Vernon, o pai de Elvis, e Priscilla, a sua mulher, tinham estado a aborrecê-lo com a forma como ele gastava o seu dinheiro. Isto enervou de tal maneira o Rei que ele, totalmente sozinho, se meteu no primeiro avião que partia de Los Angeles e que por acaso tinha como destino Washington.

As coisas não correram bem. Primeiro, um assistente de bordo com um bigode descobriu que Elvis levava uma pistola - era um hábito seu, dizem-nos, levar pelo menos três - e informou-o de que não podia levar uma arma de fogo para o avião. Elvis, pouco acostumado a que lhe dissessem o que podia ou não podia fazer, saiu a fumegar, mas o piloto veio atrás dele: "Desculpe, senhor Presley, com certeza que pode ficar com a sua pistola." Elvis e a sua arma de fogo voltaram a subir a bordo do avião.

Quando chegou à capital federal, Elvis decidiu que queria comprar um donut. Enquanto esperava pelo seu pedido, deu de caras com umas personagens pouco recomendáveis que tinham reparado nos seus cinco grandes anéis e três colares de ouro.

"Tem aí umas belas jóias", disse um dos rufias.

"Sim, e tenciono continuar com elas", respondeu Elvis, levantando uma das pernas das suas calças e mostrando um revólver com silenciador enrolado na sua anca direita.

A certa altura, Elvis fartou-se de estar a viajar sozinho e voltou para Los Angeles, tencionando regressar a Washington com um dos elementos da sua "máfia de Memphis", neste caso Schilling.

Schilling, que conheceu Elvis a jogar futebol americano quando tinha 12 anos, estava habituado a pedidos estranhos por parte do Rei, mas este era particularmente singular, pois Elvis estava decidido a voltar a Washington, mas não dizia para quê. Mesmo assim, e porque não se diz não a Elvis, Schilling aceitou ir, apesar de isso significar perder um dia de trabalho no seu novo emprego, como subeditor nos estúdios da Paramount, que lhe tinha demorado um ano a conseguir.

Marcaram dois lugares em primeira classe para Washington, mas precisavam de dinheiro, e era um domingo à noite em 1970. Não havia caixas de multibanco. O motorista da limusina de Elvis, Sir Gerald, conseguiu um cheque para ser levantado no Hotel Beverly Hilton. Schilling passou outro no valor de 500 dólares, que Elvis assinou. Antes de deixarem a casa, Elvis, um apaixonado por História, tirou da parede a sua pistola Colt 45 comemorativa da Segunda Guerra Mundial, incluindo as balas, e arrumou-a dentro da sua mala.

Levantaram o cheque e dirigiram-se para o aeroporto. Um pequeno grupo de soldados em licença do Vietname para passarem o Natal em casa estava no mesmo voo e Elvis foi até à classe económica na retaguarda do avião para falar com um deles. Pouco depois regressou à primeira classe, e abanou Schilling.

"Ei, meu, onde estão os 500 dólares?"

Schilling já sabia o que ia acontecer. Elvis era um homem extraordinariamente generoso. Após saber que Schilling tinha apenas um ano de idade quando ficara órfão de mãe, Elvis comprou-lhe uma casa em Hollywood, para que ele "pudesse sempre ter um lar". Ainda hoje ele lá vive. Mas estamos a afastar-nos do tema.

Estava então Elvis no avião, a pedir os 500 dólares.

"Elvis, vamos para Washington. Este é todo o dinheiro que temos", disse Schilling cautelosamente.

"Não estás a perceber. Este homem tem estado no Vietname", respondeu Elvis. Depois voltou à classe económica e deu ao soldado todo o dinheiro que tinha.

Enquanto aí estava, Elvis conheceu George Murphy, um cantor e bailarino que chegara a senador pela Califórnia. Conversaram um bocado, e, quando Elvis regressou ao seu lugar, pediu papel e caneta, que uma hospedeira lhe arranjou. Elvis, que apenas tinha escrito três cartas em toda a sua vida, e todas enquanto estava destacado no Exército na República Federal da Alemanha, sentou-se e escreveu a quarta carta, dirigida ao Presidente dos Estados Unidos.

"Caro senhor Presidente. Antes de mais, gostaria de me apresentar. Chamo-me Elvis Presley."

Em cinco páginas, Elvis explicava que amava o seu país e queria dar qualquer coisa em troca e, não sendo "um membro do "sistema"", acreditava que podia chegar a mais pessoas do que o Presidente, isto se o Presidente o nomeasse agente extraordinário, e assim poderia ajudar na guerra contra o tráfico de droga.

"Senhor, estarei à disposição para qualquer serviço em que possa ajudar o país. (...) Ficarei por aqui durante o tempo que for necessário para conseguir os documentos de agente federal. (...) Gostaria muito de o cumprimentar, se não estiver muito ocupado. Respeitosamente, Elvis Presley."

Pedia ao Presidente que lhe desse uma telefonadela para o quarto 505 do Hotel Washington, onde ele estaria hospedado sob o pseudónimo de Jon Burrows (nome de uma personagem que interpretara num filme). Indicou seis números de telefones privados que qualquer uma das suas fãs faria tudo para conseguir, e que eram das suas casas em Beverly Hills, Palm Springs e Memphis, bem como três números do seu manager, o "coronel" Tom Parker.

O avião aterrou antes do amanhecer e meteram-se numa limusina que Sir Gerald tinha alugado antes de terem deixado Los Angeles, o que foi bom, pois não tinham dinheiro nenhum. Elvis queria entregar pessoalmente a carta na Casa Branca. Reparando nas horas, Schilling disse-lhe: "Não creio que isso seja lá grande ideia."

Cena seguinte: a limusina chega ao portão noroeste da residência do Presidente. Elvis sai e entrega a carta a um guarda, que apenas vê um tipo com uma capa. Schilling, percebendo que na escuridão Elvis ficava muito parecido com Drácula, saltou e explicou a situação. O guarda concordou em entregar a carta ao Presidente. Elvis e Schilling rumaram ao Hotel Washington e esperaram.

"Isto é histórico"

No início dessa manhã, a carta chegou à secretária de Dwight Chapin, assistente principal do Presidente. Depois de uns momentos a coçar a cabeça, decidiu que o encontro tinha que se realizar. Nixon já tinha tentado recrutar personalidades de Hollywood para ajudarem na guerra contra o tráfico de drogas, tendo contactado com luminárias como Art Linkletter. Elvis seria certamente mais valioso.

Chapin enviou um memorando para Bud Krogh, que este pensou ser uma brincadeira. Decidiu alinhar e telefonou para o hotel, pediu para ligarem a Schilling e ficou impressionado por Chapin ter encontrado alguém para fingir que era um criado de Elvis.

Mas quanto mais falavam, mais Krogh percebia que não se tratava de uma partida. Enviou uma mensagem para o chefe de pessoal da Casa Branca, H. R. Haldeman, sugerindo que isto poderia dar um grande empurrão no esforço da guerra contra o tráfico de droga, que não estava a correr da melhor forma.

"Deves estar a brincar", escrevinhou Haldeman na margem do papel, antes de aprovar o pedido. O encontro estava marcado.

Krogh, um grande fã de Elvis que "nunca tinha um encontro amoroso sem ele na aparelhagem", certificou-se de que estaria também na sala. "Isto é histórico", pensou.

Os responsáveis pela agenda da Casa Branca conseguiram encontrar cinco minutos para Elvis às 11h45. Elvis, uma vez na vida, chegou a horas, vestindo umas apertadas calças de veludo púrpura, a capa a condizer, uma camisa branca com colarinhos pontiagudos desabotoada, deixando ver duas enormes correntes de ouro e uma fivela de cinto do tamanho do estado de Rhode Island.

Às 12h30, o Presidente conheceu o Rei. Elvis estava absorvido com as águias no tecto da sala, e Krogh teve que lhe dar um pequeno empurrão em direcção a Nixon.

Mas em breve Elvis estava a mostrar fotografias da sua mulher e da sua filha, juntamente com fotografias de muitos dos distintivos de polícias e seguranças que coleccionara ao longo dos anos. Os cinco minutos previstos passaram, e os dois homens continuavam na conversa, partilhando as suas origens humildes (pobreza, infância problemática). Lamentaram o peso da fama, e como é difícil actuar em Las Vegas (o que, por estranho que pareça, Nixon parecia saber). Elvis ofereceu-se para ajudar Nixon na guerra contra o tráfico de droga e a restaurar o respeito pela bandeira. Nixon elogiou os grandes botões de punho de Elvis.

E então Presley pediu aquilo que sempre tinha perseguido: um grande distintivo dourado para juntar à sua colecção, o que o transformaria num agente federal extraordinário a trabalhar para o Departamento de Narcóticos e Drogas Perigosas. Já tentara arranjar um através de um director da agência, mas este recusara, e é por isso que ele decidira ir directamente a Nixon.

"Posso ser um deles?", perguntou Elvis ao seu novo amigo.

"Bem, agentes federais extraordinários - não temos desses", balbuciou Nixon.

"Eu vou ver", prometeu Krogh.

Elvis estava abatido, visivelmente murcho debaixo do peso de todo aquele ouro, um homem que podia ter tudo - carros, mulheres, casas -, excepto a coisa que ele mais desejava.

Nixon olhou para ele e cedeu.

"Arranjem-lhe um distintivo."

Elvis ficou tão entusiasmado que deu um grande abraço ao Presidente.

"Quer conhecer os meus amigos?", perguntou. Schilling e Sonny West, outro dos membros da "máfia de Memphis" que havia aparecido no hotel naquela manhã, estavam à espera num gabinete contíguo.

"Entrem, rapazes", disse Elvis alegremente. Apresentou os seus muito altos amigos a Nixon, que os mediu com o olhar, as mãos nas ancas.

"Tem aí um par de grandalhões, Elvis."

Todos posaram para as fotografias. Depois foi altura de trocar presentes. Elvis sacou do Colt 45 comemorativo que retirara da parede de sua casa e levara para a Casa Branca, para espanto dos Serviços Secretos. ("Temos aqui um pequeno problema: Elvis trouxe uma arma.") Deu-a de presente a Nixon.

O Presidente dirigiu-se até uma grande gaveta à esquerda da sua escrivaninha, cujo conteúdo estava organizado por ordem crescente de valor: bolas de golfe à frente, canetas, pisa-papéis, e, muito lá para trás, pendentes, alfinetes de lapela e broches de ouro de 16 quilates. Nixon examinou a gaveta, enquanto Elvis espreitava por cima do seu ombro. Retirou presentes para Schilling e West.

"Sabe, senhor Presidente, eles têm mulheres", disse Elvis.

Nixon foi então buscar mais. Elvis apontou para os presentes de 16 quilates. (A mulher de Schilling ainda conserva o seu broche.)

O segredo

Os dois homens concordaram que era melhor manter este encontro em segredo. Nixon estava a cair nas sondagens, Elvis estava a trabalhar para o seu regresso, e provavelmente nenhum dos respectivos grupos de apoiantes iria entender. O "líder do mundo livre" e o Rei do rock"n"roll despediram-se um do outro.

Durante 13 meses, o segredo foi mantido. Ninguém disse uma palavra sobre o assunto: nenhum guarda ou elemento do staff presidencial, nem nenhum dos homens a quem Elvis apertou a mão, nenhuma das mulheres que beijou quando os ajudantes o levaram depois para o refeitório da Casa Branca para almoçar.

A notícia apenas rebentou quando o colunista Jack Anderson viu as provas do livro de memórias do vice-director dos Narcóticos, John Finlator: "Elvis Presley, o cantor das ancas rebolantes, recebeu um distintivo federal de combate aos narcóticos."

Epílogo: Nixon renunciou à presidência três anos e meio depois, a 9 de Agosto de 1974, quando estava em risco de ser impugnado. Quando mais tarde foi hospitalizado com flebite, Elvis ligou-lhe a desejar as melhoras.

Elvis morreu com 42 anos, a 16 de Agosto de 1977, de ataque cardíaco. Foram encontrados no seu corpo 14 medicamentos receitados por médicos. Mais tarde, Nixon frisou, em defesa do seu amigo, que essas substâncias não eram drogas ilegais.

Schilling escreveu um livro, Eu e Um Tipo Chamado Elvis.

Krogh também escreveu um livro, mas O Dia em Que Elvis Se Encontrou com Nixon é maioritariamente constituído por imagens. Também passou quatro meses na prisão devido ao seu papel no escândalo das escutas do Watergate.

Dwight Chapin cumpriu quase oito meses de prisão, e H. R. Haldeman 18 meses, pela participação no encobrimento do caso Watergate.

A pistola comemorativa está exposta na Biblioteca Nixon em Yorba Linda, Califórnia.

O distintivo, especialmente desenhado pelo Departamento de Narcóticos e Drogas Perigosas com o nome de Elvis está agora pendurado no Muro Dourado da sua residência de Graceland, no estado do Tennessee. Com Denise Kostbar

Exclusivo PÚBLICO/Los Angeles Times

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