Na Bielorrússia as execuções apagam as pessoas do mapa

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Apoiantes da oposição numa manifestação a 17 de Agosto, segurando cartazes que exigem uma investigação internacional aos desaparecidos Rymakov Vadim/ITAR-TASS Photo/Corbis

É o único país da Europa onde ainda é aplicada a pena de morte. Na última década foram executadas, em média, quatro pessoas por ano. Os activistas dos direitos humanos dizem que está na hora de mudar, mas as autoridades alegam que a sociedade - muito conservadora - não está preparada

Sviatlana Zhuk não enterrou o filho nem tem túmulo em cemitério nenhum junto ao qual chorar. As autoridades bielorrussas jamais lhe entregaram o corpo e só a 1 de Junho, ao fim de mais de dois meses de muitas demandas por muitos gabinetes, obteve um documento oficial confirmando que Andrei tinha sido executado, de acordo com a sentença que lhe fora pronunciada meses antes.

Ela já o sabia, mesmo se a esperança lhe acalentava algo diferente. Foi o próprio director da prisão onde Andrei Zhuk aguardava a execução - condenado por assalto à mão armada e duplo homicídio - quem lho disse, a 22 de Março, quando Sviatlana fora visitar o filho. Não valia a pena voltar, comunicaram-lhe, porque Andrei fora "levado para o lugar onde o castigo é implementado", um eufemismo que significa que a execução está iminente, se não mesmo já concretizada.

A certidão emitida pelo Ministério do Interior refere 18 de Março como a data do óbito e à frente das palavras "causa de morte" está apenas um traço longo riscado no papel. Sviatlana não sabe ainda onde o filho foi enterrado.

"A atitude das autoridades bielorrussas para com os pais dos executados não pode ser classificada de outra forma se não como um gozo", critica Ales Bialatski, vice-presidente do ramo bielorrusso da Federação Internacional de Direitos Humanos e chefe do Centro de Direitos Humanos Viasna. A Amnistia Internacional lista esta prática das autoridades de Minsk como "tortura psicológica" infligida aos familiares dos executados.

"A pena capital é executada e ninguém parece achar necessário informar os familiares dos condenados. Aqui, a pessoa é praticamente apagada do mapa, não se sabe nem quando nem como foi executada, e os familiares não recebem os corpos nem são informados onde os condenados foram enterrados", prossegue Bialatski.

A Bielorrússia - único país europeu onde ainda é aplicada a pena capital - executou 321 pessoas entre 1990 e 2009, de acordo com os dados oficiais do Ministério da Justiça. A estas somam-se duas outras levadas a cabo este ano, ambas em Março: a de Andrei Zhuk e a de Vasil Iuzeptchuk, este último pelo homicídio qualificado de seis idosas.

Outros dois homens foram condenados a pena capital em 2010, a 14 de Maio, por pelotão de execução, o método usado no país: Oleg Grichkovtsov e Andrei Burdiko, dados como culpados nos crimes de assalto premeditado, rapto de um menor e homicídio qualificado de três pessoas, cometidos na cidade de Grodno em Outubro passado.

"As autoridades dizem que estão a debater e a examinar a questão, mas não vemos nada de concreto a ser feito para suspender a pena de morte. Os sinais políticos que recebemos são confusos, débeis. E apesar de a União Europeia usar um discurso cada vez mais duro contra a pena capital na Bielorrússia, e claramente sinalizar que esta é uma questão muito importante, nos últimos cinco ou seis anos todos os anos são pronunciadas pelo menos duas sentenças de pena de morte e também pelo menos duas execuções são feitas", avança o director do Viasna.

De acordo com um relatório divulgado em Fevereiro passado pelo centro de estudos bielorrusso Novak, 39 por cento da população é favorável à abolição da pena de morte no país, 48 por cento é contra. "Esta diferença de nove por cento pode ser ultrapassada com uma campanha pública em menos de um mês", garantiu o director daquele instituto, o sociólogo Andrei Vardamatski.

Mas as autoridades de Minsk não crêem que a sociedade bielorrussa esteja pronta para tal mudança a curto prazo. E têm outros números para mostrar: "Uma sondagem feita a nível nacional em 1996, a mais recente, indicou que 80 por cento dos bielorrussos são contra a abolição da pena de morte", garante o director da pasta Europa do Ministério dos Negócios Estrangeiros bielorrusso, Aleksei Skripko.

"Temos vindo a diminuir o número de crimes que são punidos [com a pena capital] e a legislação dá aos juízes sempre a possibilidade de escolherem entre a pronúncia da pena de morte e a de prisão perpétua. Além disso, foi criada uma comissão no Parlamento para analisar e estudar a viabilidade de se suspender a pena capital", acrescenta ainda Skripko. "Mas a sociedade bielorrussa não está preparada para a abolição", conclui.

Há dois anos já que a Comissão Europeia faz da abolição - ou pelo menos moratória - da pena de morte na Bielorrússia um cavalo-de-batalha junto do poder em Minsk. É um dos cinco critérios cruciais eleitos por Bruxelas em 2008 [ao suavizar a política de isolamento à Bielorrússia], e que quer ver cumpridos antes de admitir intensificar relações no quadro da Eastern Partnership, iniciativa de cooperação multilateral especialmente direccionada para as antigas repúblicas soviéticas vizinhas da União Europeia.

Isso mesmo foi reiterado no início de Julho pelo comissário europeu para o Alargamento e Política Europeia de Vizinhança, Stefan Füle, na primeira visita que fez à Bielorrússia. "Instamos as autoridades a decretarem uma moratória, até abolirem a pena de morte. Isso será benéfico para as conversações da Bielorrússia com o Conselho Europeu", disse, sublinhando que "quaisquer desenvolvimentos nas relações [entre Minsk e Bruxelas] têm que ser alicerçados nos valores fundamentais de direitos humanos, democracia e Estado de Direito".

Tal como em todos os outros países da antiga União Soviética em que a União Europeia tem uma delegação, Minsk tem um responsável europeu pela pasta dos direitos humanos: o cônsul húngaro Miklos Szalay. "Fui nomeado, mas não recebi um mandato claro, o que significa que as autoridades bielorrussas não me reconhecem como representante da União Europeia", indica.

Szalay insiste que a missão europeia "não quer interferir nos assuntos internos da Bielorrússia", mas deixa claro que pretende encontrar-se e discutir ideias com todos os representantes da oposição no país, "sejam partidos, candidatos eleitorais ou organizações não-governamentais".

O comissário Füle lembrou igualmente em Minsk que a UE quer assistir a avanços na liberdade de imprensa e de associação no país, e ver a Bielorrússia a caminhar na direcção de uma sociedade em que as organizações não-governamentais conseguem funcionar. Algo que os activistas no país dizem não acontecer: "O Governo não nos vê como um parceiro, mas como uma oposição incómoda", diz Siarhiej Mackievic, presidente da assembleia de ONG Pró-Democracia na Bielorrússia, a maior associação de organizações não-governamentais do país.

O registo das ONG é amiúde negado por razões "essencialmente políticas", denunciam os activistas, exemplificando com uma organização de defesa dos direitos humanos à qual as autoridades recusaram este ano o registo por duas vezes - à segunda, por "incongruência" no nome escolhido pela organização.

"Em 2008, quando foram libertados vários prisioneiros políticos, pareceu-nos que as coisas podiam mudar, mas a verdade é que não é bem assim e as leis para registo das organizações ficaram ainda mais apertadas ao abrigo da legislação antiterrorismo e contra o extremismo, que o regime usa para julgar e condenar em tribunal activistas e estrangular as organizações não-governamentais", explica Mackievic.

Condenações abusivas

Agosto de 2010: Iaraslau Hrischenia, activista da organização juvenil de oposição não-registada Frente Jovem é despedido da agência estatal de turismo Tekhostar devido às suas "actividades políticas", depois de ter participado na produção de cartazes satíricos do movimento Frente Popular Bielorrussa; Siarhei Kavalenka, activista do Partido Conservador Cristão, é multado em 770 mil rublos bielorrussos (cerca de 190 euros) por ter insultado um polícia quando foi detido em Julho em violação das regras de "liberdade restrita" por três anos a que fora condenado por ter posto uma bandeira vermelha e branca - as cores do partido - no topo da árvore de Natal no centro da cidade de Vitsebsk; Mikail Pachkevich, activista da campanha cívica Dizer a Verdade é condenado numa multa de quase milhão e meio de rublos bielorrussos por ter organizado uma marcha ilegal junto ao Ministério da Educação, em Minsk, no Dia Internacional da Juventude; Ales Ramanovch, activista do movimento de oposição ilegal Pela Liberdade, é multado em mais de um milhão de rublos bielorrussos por ter produzido e distribuído "materiais impressos não-autorizados".

Estes são apenas quatro das mais de duas dezenas de casos registados pelo centro de direitos humanos Viasna nas primeiras três semanas deste mês, em que activistas, jornalistas independentes, sindicalistas e demais vozes dissidentes do poder são alvos de "intimidação, perseguição e condenações abusivas" por parte do Estado.

Muitos destes casos de aberto desafio às autoridades ficam-se pelas multas e indemnizações às instituições e pessoas "lesadas", outros resultam em despedimentos das empresas - quase todas estatais - ou em penas de prisão efectiva. A maior parte acaba com uma sentença de "liberdade restrita", um mecanismo legal de punição que fica apenas um pouco aquém da detenção domiciliária.

Foi o caso de muitos dos activistas condenados em Abril e Maio de 2008 no chamado "julgamento dos 14", e cuja maioria está agora a terminar o cumprimento das suas sentenças. Ao longo dos últimos dois anos, sete daqueles jovens activistas - condenados por terem participado a 10 de Janeiro numa manifestação não-autorizada em Minsk contra um decreto presidencial que restringia a actividade das pequenas empresas privadas - tinham que se apresentar diariamente na esquadra mais próxima do local de residência. Era-lhes permitido sair de casa apenas para trabalhar e não podiam mudar de emprego durante todo o tempo da sentença.

Ales Tcharnichou é um dos sete a quem coube a "liberdade restrita": "Toda a minha vida ficou sob permanente escrutínio da polícia, com os agentes a terem o direito de poderem confirmar a minha presença em casa ou no trabalho em qualquer altura. Foi-me proibido viajar para fora do país, até mesmo sair da cidade; não podia ir a jogos de futebol nem a concertos, nem sequer encontrar-me com amigos para beber um copo. A mais pequena violação destes termos acarretava um aviso formal e, ao terceiro aviso, as autoridades podiam aumentar o tempo da sentença em novo julgamento", descreve este membro do grupo de oposição European Belarus, de 22 anos.

O jovem activista nota, ao mesmo tempo, que o caso dele jamais chegou a tal ponto. "Os agentes trataram-me sempre de forma bastante humana. Gosto de pensar que perceberam a incerteza da situação que eu estava a viver." Em Junho do ano passado a pena de "liberdade restrita" de Ales Tcharnichou foi comutada para "trabalho correccional", sendo-lhe levantadas praticamente todas as restrições de deslocação (com excepção da de viajar para fora do país) e ficando obrigado a entregar ao Estado 15 por cento do seu salário.

Outros não tiveram igual sorte. Em Junho de 2009, a sentença de Maxim Dachuk foi aumentada em 15 meses por não se encontrar em casa em várias ocasiões às horas estipuladas pelas autoridades, tendo o activista explicado em tribunal que ficara a trabalhar até mais tarde na loja de que a mãe é dona. Um mês mais tarde, Artisom Dubski era condenado a um ano de prisão efectiva, depois de um polícia ter reportado que tinha violado os termos de "liberdade restrita" - está actualmente detido na prisão 19, em Mogilov, no Leste do país.

A jornalista viajou a convite do Centro Europeu de Jornalistas/Comissão Europeia

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