Não choram à frente dos amigos. Falam de futebol e de miúdas. Têm pressa de crescer

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Mário Patrocínio, 15 anos, vive na Ameixoeira, em Lisboa e quer ser engenheiro informático

Falou-se de amor. "Quando olho para uma rapariga... fogo! Há uma palavra para isso!" Falou-se de sexo. "Cada um está preparado em momentos diferentes." Falou-se da escola. "Estes anos são os mais importantes da vida." E dos amigos. "Os rapazes não choram à frente dos amigos. Choram sozinhos." O que é ser um rapaz adolescente? Seis rapazes respondem.

ui fala com aquele tipo de convicção que só se tem quando se é um adolescente com a voz prestes a mudar e a barba prestes a começar a crescer. "Das coisas que acho que já percebo bem é o amor... eu sei que só tenho 15 anos, mas já vivi bastante." É filho de professores, vive nas Caldas da Rainha e, neste momento, tem algumas certezas. No futuro, vai fazer filmes. Para já, anda às voltas com algumas das grandes questões de todos os tempos - "Estou a ler O Homem e a Morte, do Edgar Morin. A morte é daquelas coisas com as quais eu ainda não consigo lidar bem." Também concluiu que, depois de um desgosto amoroso, chorar não adianta. "Tentei comer gelatina até me sentir mal. Não resultou. Depois experimentei jogar bowling. Bowling resolve. O som dos pinos a cair. Isso ajuda." Mas atenção: nada disto é para a vida. Rui é o primeiro a usar aquela frase que relativiza até aquilo que resultou de um aturado processo de reflexão: "É assim agora. Mas daqui a duas semanas pode mudar."

Bem-vindo à cabeça de um rapaz. Um rapaz adolescente. Um rapaz adolescente como os rapazes adolescentes que cientistas de diferentes áreas tentam perceber. Porquê este interesse pelos rapazes?

Estudos de entidades como a Organização Mundial de Saúde (OMS) ou a Eurydice (rede europeia de informação sobre sistemas educativos) mostram dados como estes: eles têm piores notas do que as raparigas. E desistem mais da escola. Começam aembriagar-se mais cedo. E mais frequentemente (a maioria dos miúdos portugueses do 6.º ao 10.º ano de escolaridade dizem que nunca se embriagaram, mas a percentagem de rapazes que admite que já o fez é duas vezes maior do que a das raparigas).

Os rapazes também se aborrecem mais com as aulas, andam mais à luta nos recreios. E envolvem-se mais em acidentes.

"Perde-se a paciência facilmente. Um manda bocas, goza, empurra. É brincadeira. Mas, de repente, já é a sério. Ou um chega e dá um calduço. Esse tipo de brincadeiras, aparentemente inofensivas, muitas vezes acabam mal. Agora tento controlar-me mais. Mando uma boca e viro costas. Fico a roer-me todo por dentro, mas acho que é melhor. Já me magoei uma vez, levei uma joelhada no nariz. Ficou a deitar um bocado de sangue. Quando cheguei a casa, disse que tinha levado uma bolada para não mostrar parte de fraco e não ter de admitir que tinha levado porrada na escola."

Rodrigo Perdigão, 15 anos

"Acho que os rapazes são mais agressivos, até na maneira como falam uns com os outros. As raparigas falam, os rapazes querem mostrar que são fortes."

Francisco Silva, 17 anos

Até podem ser mais gabarolas ("Os rapazes tendem a magnificar o seu êxito junto das raparigas, esperando extrair popularidade junto dos amigos", escreve o sociólogo José Machado Pais em Sexualidade e Afectos Juvenis, livro que ainda está no prelo, mas a que a Pública teve acesso), mas também são, tendencialmente, mais fechados na hora de falar sobre o que mais os preocupa.

E se estão muito, muito tristes? A probabilidade de saírem à rua para ir dar uns chutos na bola é bem grande. E a probabilidade de a tristeza passar, assim, sem mais complicações, também é alta. Não é necessariamente bom. "Os rapazes demoram mais tempo a identificar o mau estar. A menina identifica o sofrimento, diz que está a sofrer, vai deprimir e falar com a amiga, depois com outra amiga, depois com outra, até à náusea; o rapaz vai beber, acelerar, qualquer coisa para externalizar e, se calhar, não tem tanta facilidade em confessar a si próprio que está em sofrimento", explica Margarida Gaspar de Matos, coordenadora em Portugal de um estudo internacional da OMS, o Health Behaviour in School-aged Children (HBSC), no qual o país participa desde 1998.

Resultado: em regra, os rapazes só procuram ajuda em situações de "grande desespero", diz esta psicóloga que há anos estuda os comportamentos dos adolescentes.

"Tenho muitos amigos. Há alguns com quem falo mais do que outros. É verdade que os rapazes têm mais dificuldade em falar dos sentimentos. Eu gostava de ser mais aberto, não queria esconder certas coisas, gostava de desabafar com alguém e não desabafo, gostava de ser mais aberto, mas não sou."

Mário Patrocínio, 15 anos

"Os rapazes também sofrem bastante [por causa do fim dos namoros], não querem é mostrar, mesmo que seja aos amigos. Estás entre amigos mas não dizes que estás a sofrer. Eu, se estou mesmo triste, falo, mas só com os meus melhores amigos. E mesmo assim acho que sou mais fechado do que as raparigas. Acho que as raparigas falam muito e os rapazes não, mas não sei explicar porquê. É assim."

Francisco Silva, 17 anos

"Os rapazes não choram à frente dos amigos. Choram sozinhos."

Rodrigo Perdigão, 15 anos

A Pública falou com seis rapazes entre os 14 e os 17 anos. Breve retrato: Rui Cipriano é fã de cultura japonesa, do escritor Haruki Murakami, de História, dos livros de filosofia e do voluntariado - depois das aulas, colabora com uma instituição de acolhimento de crianças em risco.

Francisco Silva é aluno de um colégio católico de Lisboa e treina quase diariamente pólo aquático no Sporting - é jogador federado, mas é sobretudo apaixonado pelo desporto. Imagina-se na Marinha daqui a uns anos.

Mário Patrocínio é um rapaz de etnia cigana que mora na Ameixoeira, em Lisboa, a quem os amigos chamam o "profeta" porque desde pequenino sobe ao púlpito da igreja evangélica do seu bairro para dizer umas palavras durante os cultos - um dia vai ser engenheiro informático. Há ainda Guilherme Antunes, um rapaz de Torres Vedras que toca piano e acha que vestiria bem o papel de executivo de fato e gravata, em Wall Street.

"Gostava muito, mas isso é quase impossível, de criar um banco. É sempre diferente ter uma coisa nossa. Senão, quero ser gestor financeiro num banco."

Guilherme Antunes, 15 anos

Falámos ainda com Rodrigo Perdigão, um rapaz de olhos doces que mora na Sobreda, em Almada, que já quis ser militar, "porque todos os rapazes gostam de brincar às guerras - é uma maneira de descarregar energias", mas agora já não sabe o que quer. Participou há pouco tempo num filme do realizador João Salaviza e adorou a experiência. Mas diz que foi uma questão de sorte esta a de ter sido descoberto para o cinema num baile em Santos. "Não me iludo."

E, por fim, Bruno Marques, das Caldas da Rainha, o mais novo de todos, com os seus cabelos claros sobre uns olhos que muitas vezes parecem querer fugir das perguntas e as suas múltiplas dúvidas sempre acompanhadas de um encolher de ombros.

Qualquer um destes rapazes habita contextos sociais e familiares muito diferentes. Um vive numa casa com piscina, outro num bairro pobre dos arredores de Lisboa, os pais de alguns estão separados. Há filhos únicos e outros com irmãos, alguns com muitos irmãos. Não são rapazes de correr grandes riscos. Enfim, há quem confesse que já correu um ou outro, do género "andar a 200 e tal quilómetros/hora numa auto-estrada", ter medo, mas não dizer nada ao amigo que ia a conduzir, situação que faz lembrar que a taxa de mortalidade masculina é sistematicamente mais elevada nos rapazes. Só no ano passado morreram, em Portugal, duas vezes mais rapazes entre os 10 e os 19 anos do que raparigas da mesma idade. Uma parte da explicação para isso está, precisamente, nos acidentes de carro e moto.

Há também os que se queixam de que os pais não os deixam sair à noite - e não entendem porquê e revoltam-se -, os que saem quando querem, e os que dizem que não vale a pena sair porque, seja como for, nunca os deixariam entrar nas discotecas.

"As raparigas sim, saem à noite aos 15. Porque vão com rapazes mais velhos, depois usam saltos altos e vão todas bem vestidas e chegam à porta das discotecas, todas maquilhadas, e deixam-nas entrar. Passam por mais velhas. Os rapazes têm mais dificuldade em passar por mais velhos."

Rodrigo Perdigão, 15 anos

Há os que se dizem católicos praticantes, os que afirmam ser ateus convictos e os que "francamente" nunca perderam muito tempo a pensar no assunto.

"Quero ser salvo e ir para o céu. Vou ao culto todos os dias - só não há culto à quinta e à segunda. Os cultos são à noite. Às vezes está pouca gente, mas às vezes está muita. Quando há casamentos. Ou quando há algum problema no bairro. E as pessoas juntam-se ali... para orar, para pregar a palavra de Deus. E para pedir ajuda. Faz bem."

Mário Patrocínio, 15 anos

Em comum, mesmo, sem dúvidas, estes rapazes têm os temas que mais lhes ocupam as conversas na escola, no café, nos intervalos do cinema, no Facebook... A saber:

"Raparigas e desporto. Quando falamos de raparigas falamos, por exemplo, das mais giras da escola. E das namoradas."

Guilherme Antunes, 15 anos

"Como é que se manifesta a amizade entre os rapazes? (Risos) Conversam sobre raparigas. Tipo: "Aquela rapariga olhou para mim, viram?" E há logo quem faça um filme. Fala-se muito de namoradas, mas a maior parte não tem nenhuma."

Rodrigo Perdigão, 15 anos

O tema das diferenças entre rapazes e raparigas está longe de ser pacífico. Há quem entenda, como Conceição Nogueira, investigadora da Universidade do Minho na área do "género e sexualidade", que décadas de estudos a confrontar homens com mulheres serviram sobretudo para consolidar estereótipos sexistas.

Por outro lado, autores que tentaram demonstrar diferenças biológicas, que se manifestariam, precisamente, na adolescência - e que explicariam sem dúvida alguma todas as diferenças -, podem até vender muitos livros, mas têm sido acusados de fazer "má ciência".

Mas há pelos menos duas áreas - saúde e educação - onde os cientistas entendem que é importante perceber melhor o que se passa. Os fracos resultados escolares dos rapazes (Portugal não foge à regra e no 3.º ciclo do ensino básico a percentagem dos que já chumbaram é quase duas vezes maior do que a das raparigas) têm levado vários países europeus a levar a cabo "políticas que visam fazer face às diferenças de género", segundo um relatório recente da rede Eurydice. Tudo para lidar com aquilo que em 2006 a revista norte-americana Newsweek anunciou na sua capa, em letras grandes: "The Boy Crisis."

Mais: apesar de "os resultados dos estudos sobre os efeitos positivos da separação de sexos não serem conclusivos", tanto em alguns países da Europa como nos Estados Unidos está em curso a discussão sobre se não se devia voltar às classes separadas. Sempre com grande polémica à mistura.

"Em geral, acho que as raparigas são melhores alunas. Acho que nós somos tendencialmente mais baldas. Eu sou bom aluno, mas não dou a importância à escola que a maior parte das minhas amigas dá. Acho que elas se preocupam mais com o futuro - é uma questão de educação. Acho que a família exige mais das raparigas do que dos rapazes, francamente acho."

Rui Cipriano, 15 anos

"O que mais atormenta os adolescentes? As discussões familiares e o stress da escola. Há uma pressão em relação à escola. Sabemos que temos de nos aplicar e ter boas notas e ir para bons cursos e vingar. E sei que estes anos são os mais importantes da vida porque decidem tudo. Por isso, mesmo no Verão, a escola está sempre na minha cabeça. Acho que a maior parte dos rapazes não consegue enfrentar bem isto, porque querem mais viver a vida e descontrair..."

Guilherme Antunes, 15 anos

Na saúde, o interesse dos cientistas centra-se no facto de uma série de sintomas e patologias serem mais frequentes nos rapazes - dislexia, dificuldades de aprendizagem. A grande excepção é a anorexia nervosa. Perceber "o cérebro de rapazes e raparigas pode ajudar a explicar por que razão assim é", diz Jay Giedd, psiquiatra do Instituto Nacional de Saúde Mental, nos Estados Unidos, numa entrevista ao programa Frontline da televisão pública norte-americana, a PBS.

Nas suas investigações, Giedd tem utilizado a ressonância magnética funcional para estudar o cérebro dos adolescentes. Um cérebro que está em profunda mudança e tem alguma inabilidade para "travar", nas palavras de Margarida Gaspar de Matos, a enorme vontade de cair em tentações (nas mais diversas tentações).

"Sexo? Pois, já estava à espera que esse tema viesse... Cada um está preparado em momentos diferentes. E acho que a maior parte dos rapazes tomam a decisão [de fazer sexo pela primeira vez] quando estão preparados. Os que se apressam é para tentar provar qualquer coisa, ou porque o namorado ou a namorada já fez, ou porque querem ser crescidos. Toda a gente quer crescer, toda a gente diz: "Ah quem me dera ser mais velho e tal." Pois, eu bem sei que este tempo não volta, que não voltarei a ter férias tão compridas (risos)."

Rui Cipriano, 15

As conversas com a Pública foram em grande medida marcadas por aquelas que são as áreas cobertas pelo HBSC - que só em Portugal abrangeu, em 2010, mais de cinco mil jovens portugueses: sexo, escola, família, amigos, consumos... O que pensam estes rapazes dos rapazes que as estatísticas retratam? (Estatísticas como estas, para acrescentar mais alguns exemplos aos já referidos: 43 por cento passam quatro ou mais horas por dia ao computador, contra 15 por cento das raparigas; 19 por cento fazem desporto todos os dias, contra oito por cento das raparigas; 22 por cento já tiveram relações sexuais contra 13 por cento das raparigas...)

Também se falou muito de afectos, tema do livro que em breve José Machado Pais publicará. O autor partiu de entrevistas a adolescentes e respectivos pais e constatou que "há diferenças significativas de género na forma como os jovens se envolvem no mundo dos afectos". E muitos têm noção disso.

"Acho que é diferente para rapazes e raparigas estar numa relação. Para elas, é sempre mais sério... Não estou a dizer que se querem casar logo. Não é isso. É no sentido de quererem estar com alguém durante algum tempo. Já os rapazes, acho que querem ter uma de vez em quando e não querem tanto um compromisso sério. Bem... alguns rapazes também ligam a isso. Eu ligo. Prefiro uma relação que dure do que ter várias que não duram. O que mais valorizo não é a coisa de ser gira. É a honestidade. Ter uma namorada é bom para ter companhia, para fazer coisas com aquela pessoa."

Francisco Silva, 17 anos

"Quando olho para uma rapariga... fogo! Há uma palavra para isso! O que me interessa é maneira de ser dela. A postura. A beleza também. É um conjunto de coisas, pronto. Por exemplo: conheci uma rapariga nas férias, achava-a bonita (os meus amigos diziam todos que ela não era nada de especial, mas eu achava-a mesmo bonita). Então pronto. Andei atrás dela. De cada vez que um rapaz ia para o pé dela eu ia lá correr com ele. E ela começou a perceber. E essa foi a pior parte. Porque ela sentiu que eu a estava a tratá-la como se ela fosse minha, digamos assim. Ela percebeu isso e afastou-se. E eu percebi que ela tinha razão, mas percebi tarde demais. Eu estava a ser tipo "dono"."

Rodrigo Perdigão, 15

"Para mim, [quando um namoro acaba] é assim: tudo cai à nossa volta, tudo se transforma em vidro, depois o tempo passa, vem uma sensação de alívio, ficamos um bocado vazios e está bom. É assim. Isto pode demorar... hummm... pode ser meia hora (risos). Pode ser dois dias..."

Rui Cipriano, 15 anos

"Como é que se começa? A meter conversa. Como é que se mete conversa? Diz-se "olá". Quando gosto da rapariga, é mais complicado meter conversa. Se não corre bem? Oh, tento distrair-me, não pensar mais naquilo. Vou fazer desporto."

Bruno Marques, 14 anos

"Talvez as raparigas sejam mais lamechas quando as coisas acabam."

Guilherme Antunes, 15 anos

Quando se lhes pergunta o que é mais importante na vida, as respostas não divergem muito: a família, os amigos... e, outra vez, os namoros. O tema "raparigas", de resto, é recorrente ao longo de cada conversa. Como que a dar razão àquelas caricaturas de "cérebros masculinos" que circulam na Net que mostram a palavra "SEXO" escrita em cada pedaço de massa cinzenta - o inquérito HBSC mostra que entre os jovens do 10.º ano que disseram já ter tido relações sexuais, a idade da primeira relação é 14 ou mais anos para maioria (81 por cento). Mas a percentagem de rapazes cuja primeira relação aconteceu antes dessa idade é maior do que a registada nas raparigas (25 por cento, contra 10,5 por cento).

"Há uma explicação biológica para que eles pensem mais em sexo, tem a ver com o próprio sistema endócrino", diz Alexandre Castro-Caldas, ex-director do Serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e actual director do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa.

E continua: "Sabemos que quer a testosterona [hormona masculina] quer os estrogénios [feminina] actuam sobre o cérebro de maneira distinta e o cérebro responde a esses impulsos bioquímicos com comportamentos, vai fazer aquilo que lhe parece apropriado perante essa solicitação do corpo."

"Acho que os rapazes ficam mais entusiasmados e querem mais [iniciar a vida sexual] e têm mais pressa. As raparigas não tanto. Acho que [os rapazes têm mais pressa] por causa dos amigos, é aquela coisa de dizer que já se fez... os rapazes estão mais ansiosos por contar e contam, sim, muitas vezes contam... não sei se têm medo da "primeira vez". Não falamos disso, mas claro que há sempre aquela coisa de ser a "primeira vez"."

Francisco Silva, 17 anos

Margarida Gaspar de Matos conta como os miúdos com quem fala nas suas consultas lhe confessam o constrangedor que começa a ser, a partir de certa idade, o facto de o seu pénis parecer ter vida própria. "Para a rapariga todo o processo do prazer, da excitação está muito ligado ao envolvimento, a uma ternura. Já os rapazes têm aquele órgão, a estimulação é muito dirigida e têm de lidar com situações como estas: têm 15 anos, estão rodeados de raparigas e de repente resolvem ter uma erecção. Não é amor, não é prazer, é um automatismo que verdadeiramente não conseguem controlar e que muitos sentem como embaraçoso. É um motivo de preocupação que as raparigas não têm. Há dias, contavam-me como, quando estão na praia, ficam de rabinho para cima e barriga para baixo, exactamente por causa das miúdas que passam de biquíni... para não se notar."

A partir de certa idade, o embaraço dá lugar aos risos. "Deixa de estar associado a tanta angústia, porque se gera uma espécie de solidariedade entre rapazes e porque aprendem a lidar melhor com a situação."

Será este o tipo de "preocupação" e "angústia" de que se fala nas aulas de Educação Sexual?

"A educação sexual é uma coisa que deve ser falada com os pais, não na escola. A sexualidade é uma coisa pessoal, íntima, não é para estarmos a discutir numa sala de aula. E depois o "profe" diz: "Alguém tem dúvidas?" Está a ver o que é alguém levantar o dedo e dizer: "Ai eu isto ou eu aquilo"? Não concordo. O sexo é uma coisa da vida privada, quem quer expor é porque se quer mostrar: "Ah eu já fiz sexo, ou ah eu sou muita bom!""

Bruno Marques, 14 anos

As atitudes dos jovens em relação à ideia de se falar sobre sexo na escola (segundo o último HBSC, divulgado no ano passado, dois terços dos jovens do 8.º e 10.º anos dizem que os seus professores já falaram sobre estes temas nas aulas), são, contudo, variadas. E muitos discordam de Bruno.

"Na minha escola toda a gente fala à vontade. Sem vergonhas. Tive uma professora que tinha problemas em abordar esse tema... notava-se mesmo... ela era de Área Projecto e para falar de relações sexuais dizia "aquilo". Logo aí se vê que não estava à vontade. Mas em geral se temos dúvidas perguntamos."

Rodrigo Perdigão, 15 anos

Do que se fala, quando se fala de educação sexual? De doenças sexualmente transmissíveis e de preservativos, respondem os rapazes. "E acho que mesmo que se brinque um bocado com aquilo, cá fora, depois das aulas, toda a gente fica a saber as coisas", diz Rodrigo. O que dizem os números? O HBSC mostra que os jovens portugueses usam cada vez mais o preservativo. Mas, em alguns casos, o sexo ainda surge em contextos que os especialistas consideram de risco. Após consumo de drogas ou álcool, desde logo: 16 por cento dos rapazes e 7,6 por cento das raparigas dizem que já aconteceu.

Há, no entanto, temas tabu nestas "aulas". A homossexualidade parece ser um deles. Nas suas entrevistas a vários jovens, para o Sexualidade e Afectos Juvenis, José Machado Pais encontrou duas posições. Por um lado, o reconhecimento de que, em Portugal, ainda não se fala muito do assunto. Por outro, uma atitude de tolerância "mais vincada entre as raparigas - que, todavia, não se confunde com uma aceitação liberta de preconceitos". Uma tolerância "matizada, principalmente entre os rapazes, com juízos de valor do tipo "façam lá a vidinha deles" ou "não acho piada"".

"Acho que hoje é mais fácil as pessoas mostrarem que têm uma orientação sexual diferente da maioria, mas sinceramente não gosto... se tivesse um amigo gay continuava a ser amigo dele, ia dizer-lhe que não concordava, mas tinha de aceitar e acho que outros amigos também iam aceitar. Mas na nossa idade os rapazes não gostam muito dessas coisas, faz impressão."

Francisco Silva, 17 anos

"De homossexualidade nunca se fala nas aulas. Mas fora das aulas fala-se e goza-se e esses rapazes e essas raparigas [que parecem ser gays] são bastante picados. A mim não me interessa. Acho que não tem de se gozar."

Rodrigo Perdigão, 15 anos

Segundo Margarida Gaspar de Matos, os investigadores que estudam o cérebro dos adolescentes "fogem imenso a responder à pergunta: há alguma diferença estrutural entre um cérebro de um rapaz e de uma rapariga" que explique as diferenças de comportamento? A razão, continua, é simples: "Não há nada de concludente."

Sabe-se por exemplo "que o cérebro das raparigas, ainda antes da puberdade, já tem áreas de linguagem mais desenvolvidas", diz Castro-Caldas, e pode admitir-se que isso possa fazer com que elas tenham maior facilidade em expressar emoções mas mais dificuldade do que os meninos em "usar mecanismo intuitivos"- o que poderia explicar, por exemplo, por que razão se sentem menos à vontade com o pensamento matemático e acabam, em média, por ter notas mais fracas nessa disciplina. Mas esta é "uma área com muito por explorar", nota Castro-Caldas.

Conceição Nogueira é cautelosa. Não sabemos se "são as diferenças neurológicas que estão na base das diferenças entre rapazes e raparigas ou se são os comportamentos, influenciados pelo contextos de socialização em que crescem as crianças, que vão condicionar as diferenças neurológicas", diz. Aliás, muito do que se apresenta como "diferenças naturais" é, na realidade, resultado de uma "construção da interacção social".

"Acho que em Portugal ainda há um bocado de machismo. Acho que a liberdade que se dá a um rapaz deve dar-se de igual forma a uma rapariga. Mas também acho que os rapazes e as raparigas não são iguais. Existem trabalhos que são mais para raparigas e outros que são mais para rapazes, até porque os rapazes têm mais força, por isso eles são mais para as obras, enquanto as raparigas têm mais sensibilidade para a cozinha. Não sou muito machista. Posso ser um bocado, mas não sou muito. Acho é que há raparigas que se adequam mais à cozinha."

Guilherme Antunes, 15 anos

"Se alguma vez me casar, tem de haver uma regra muito simples: eu cozinho, ela faz a cama. Não sei fazer a cama, mesmo. Mas a partilha de tarefas é uma coisa justa, claro. E acho que entre os casais de hoje em dia há partilha. Tenho um vizinho que faz tudo, lava a loiça, faz o almoço, estende a roupa, arranja os canteiros, tudo, por duas razões muito simples: ama profundamente a mulher e ela trabalha até tarde. É assim. Acho normal. Agora, diferenças entre rapazes e raparigas... assim grandes? Ainda não consegui perceber como é que elas conseguem mandar três mil sms por dia. Elas são capazes. Passam o dia naquilo. Mais: os rapazes só pensam numa coisa de cada vez. As raparigas conseguem pensar em várias."

Rui Cipriano, 15 anos

"A maior diferença entre rapazes e raparigas é que os rapazes gostam mais depressa de uma rapariga do que a rapariga do rapaz. Depois, os rapazes gostam de mostrar habilidades, cada um quer mostrar que faz mais fintas, que marca mais golos, às vezes, às tantas, estamos a desafiar-nos... acho que as raparigas não são tão competitivas."

Rodrigo Perdigão, 15 anos

O psiquiatra Jay Giedd apurou que o cérebro dos adolescentes atinge o seu tamanho máximo aos 11 anos e meio, no caso dos rapazes, e aos 14 e meio, no caso das raparigas - nada que influa, desde logo, com o QI de uns e de outros. Mas continua a amadurecer por muitos anos.

Concluiu ainda que, nas raparigas, a região do cortex pré-frontal do cérebro - responsável pela capacidade de organizar ideias, controlar a impulsividade, avaliar os riscos - amadurece mais rapidamente.

Mais difícil é perceber se os rapazes arriscam mais ou bebem mais, por exemplo, porque é isso que, de alguma forma, se espera deles ou se é "a cabeça que têm" que os leva a fazer assim, continua Castro-Caldas. "Há uma ideologia de masculinidade que é socialmente valorizada e na qual os jovens se desenvolvem", lembra Conceição Nogueira.

"Beber uma bebida ou duas por noite é normal. Mas também conheço pessoas, que não são os meus amigos, mas conhecidos, que, na minha opinião, bebem muito. Penso que no caso dos meus amigos, apesar de bebermos pouco, nem devíamos beber nada porque só a partir dos 16 anos é que se pode beber... acho que as pessoas bebem para se divertir e para aliviar um bocado os problemas."

Guilherme Antunes, 15 anos

Certo é que, está provado, os adolescentes são, em geral, menos capazes de avaliar os riscos e que "há uma explicação biológica para a incapacidade que têm de resistir quando têm uma recompensa à vista [que pode ser o simples prazer], sobretudo quando têm amigos à volta", continua Gaspar de Matos. E qualquer adolescente, miúdo ou miúda, sabe o poder tremendo "dos amigos à volta".

"Tenho boas notas, faço parte do quadro de honra, sou um dos mais bem comportados da escola e no 8.º fui o melhor aluno da turma. Alguns rapazes, às vezes, gozam, ou dizem-me: "Quê, vais continuar os estudos? Não vais nada! Deixa isso!" E eu digo: "Vou, vou, vou"."

Mário Patrocínio, 15 anos

"Barba ainda não tenho. Quando somos mais pequenos, queremos que apareça, mas quando começa a crescer dá muito trabalho e já não queremos, acho que a maior parte dos rapazes não quer ter barba. Não andamos a comparar. Mas comparamos outras coisas... quem é o mais baixo? Eu costumava ser sempre o mais pequeno e de há um ano para cá sou para aí o terceiro maior, cresci muito mesmo... mas há sempre aquela picardia de quem é o mais baixinho."

Guilherme Antunes, 15 anos

Margarida Gaspar de Matos já sabia que não resultava ter um "discurso de avó" quando falava de comportamentos de risco com adolescentes. Mas as novas descobertas nesta área permitem-lhe mesmo explicar-lhes que eles padecem de "um pequeno problema de funcionamento". E hoje o discurso dos técnicos pode construir-se a partir dessa ideia. "Temos de assumir que há tentações na nossa vida, que nos vamos deixar tentar nalguns momentos. A questão é ensinar os miúdos a ser consumidores exigentes de tentações... se um dia vais sair à noite e pretendes beber, não leves o carro."

Perceber melhor a "cabeça" dos rapazes e das raparigas pode ter o mesmo objectivo - como ajudar uns e outros a crescer de forma saudável e a viver o maravilhoso e conturbado período da adolescência da melhor forma?

Este não é, contudo, um tema que fascine a generalidade dos rapazes com quem a Pública falou. Eles estão mais preocupados com o dia-a-dia, com a necessidade de "descobrir coisas novas" e de "testar os limites", e, "às vezes, exagerar". Mas estão também com os olhos postos no futuro - mesmo que o futuro seja uma coisa distante e indistinta.

"Gostava de ter uma carreira no pólo aquático, mas em Portugal não dá, os seniores têm todos outros empregos, não há equipas profissionais. Para além disso, gostava de ir para a Marinha. É uma carreira estável e a estabilidade é importante. Aos 25 anos também me imagino com uma namorada, eventualmente. Mas sem filhos ainda. Depois, quero casar-me e mais tarde criar uma família e ter filhos, no máximo quatro - três rapazes e uma rapariga. A rapariga seria a mais nova."

Francisco Silva, 17 anos

"Acho que a idade ideal para nos casarmos é aos 25 ou 26 para não termos filhos muito tarde e para não haver um desfasamento muito grande nas idades dos filhos e dos pais. Porque acho que isso ajuda ao relacionamento com os filhos. Imagino-me também a ter muito dinheiro e uma boa casa - grande não, porque acho que as casas grandes dão muito trabalho, vejo pela minha, que dá um trabalho desgraçado. Um carro de sonho? Era um Lamborghini. Mais sonhos? Gostava de conhecer o mundo e várias culturas."

Guilherme Antunes, 15 anos

"Quando tiver 25 anos, o que é que vou estar a fazer? Se calhar estou a trabalhar no estrangeiro porque não há trabalho cá. Ter filhos era fixe, mas casar-me? Muitos casamentos acabam em divórcio. Outros acabam conformados."

Bruno Marques, 14 anos

"Gostava de ser pastor da igreja. E trabalhar numa empresa ou numa associação com computadores. Também gostava de ter muito dinheiro para ajudar as pessoas, a minha família. Gostava de ter isso e viver numa vivenda. Ter muitos filhos não. Só uns três, quatro, porque muitos filhos dá muita dor de cabeça - já não se tem tantos filhos agora como antes. Mesmo na comunidade cigana."

Mário Patrocínio, 15 anos

"Quero ter carro, carta e emprego e uma namorada também. Casar, talvez aos 30 e tal ou 40 anos. Acho que nessa idade é que se deve pensar em casamento. Preferia ser rico, claro, mas, como estamos agora, o que interessa é ter o que comer."

Rodrigo Perdigão, 15 anos

Machado Pais diz que, de um modo geral, podemos dizer que as culturas juvenis - dos 15 aos 18 anos - se desenvolvem relativamente "à margem de projectos de matrimónio". Mas estes não se encontram ausentes das projecções de futuro que muitos acalentam. "Ou seja, nem para todos os jovens o casamento é um fim em si, embora para muitos seja uma possibilidade real e desejada."

Há outras marcas recorrentes no futuro imaginado pelos adolescentes. É um futuro que muitas vezes é encarado como algo que "depende de forças do acaso" mais do que da vontade própria, e onde a saída de casa dos pais e do conforto que ela oferece parece ser... como dizê-lo? Desconfortável.

"Como te imaginas quando tiveres 25 anos?", foi a pergunta que fizemos aos seis rapazes que aceitaram falar com a Pública. E houve olhos a brilhar, fixados no tecto, como quem puxa pela cabeça para não deixar nenhum projecto de fora. Medo? Ansiedade? Estas perguntas já ninguém percebeu. O futuro não assusta nem causa ansiedade, dizem. O que causa ansiedade e assusta são coisas como: a possibilidade de ter uma má nota num teste ou de fazer a escolha errada de um curso; ou o não saber como vai reagir uma rapariga se lhe oferecemos um flor; ou, como comentou um dos nossos entrevistados, ter de responder a tantas perguntas pessoais como as que foi preciso responder para esta reportagem. "Isto sim, foi um risco..."

asanches@publico.pt

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