As cidades que querem crescer mais verdes

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1Campo-base para apoio a quem sobe a montanha junto a Stavanger, na Noruega, um projecto de Helen & Hard. 2 A Universidade IT de Copenhaga. 3 Edifício de habitação para jovens em Estocolmo, de Scheiwiller & Svensson Architects. 4 Casa ecológica (fachada de vidro com letras) em Oslo, projecto do atelier Element Architects. 5 House 8, o recém-inaugurado projecto dos BIG em Copenhaga

Estocolmo tem um plano chamado Visão 2030. Helsínquia tem o New Horizons. Copenhaga quer ser a cidade mais verde do mundo em 2015. Oslo está a reestruturar toda a frente de mar. Na Escandinávia as cidades estão a crescer. A capital sueca calcula que nos próximos 20 anos terá mais 150 mil habitantes e a capital finlandesa diz ser uma das áreas metropolitanas com crescimento mais rápido da Europa.

Por todo o lado há estaleiros, planos urbanos, projectos para criar milhares de novos apartamentos, escritórios, escolas, espaços verdes, edifícios mais sustentáveis. Quer-se melhorar a qualidade do ar, aumentar o consumo de comida biológica, atrair indústrias criativas, artistas, empresas. As cidades promovem-se. Estocolmo achou que era mal conhecida e apresenta-se agora como "a capital da Escandinávia". Helsínquia descobriu que não está no fim da Europa, mas sim entre o Leste e o Oeste, num lugar ideal para os negócios.

Distante destes grandes planos, a proprietária da Garden House está feliz. "Queria ter um jardim e ganhei uma casa." Ela e o marido, os dois recém-reformados, abrem-nos a porta da casa algures no meio do campo junto a Estocolmo e mostram o que é que os arquitectos, os suecos Tham & Videgard, entenderam quando eles lhes disseram que gostariam muito de ter um jardim.

Por fora, toda a casa está coberta por uma grelha de madeira, formando losangos, e, num dos cantos, uma trepadeira começa a subir. Martin Videgard, um dos arquitectos da dupla, confessa que está ansioso pelo dia em que as várias trepadeiras tiverem crescido o suficiente para cobrirem toda a casa. Aí, sim, esta casa será o jardim com que o casal sonhou para a sua reforma.

O interior tem o conforto dos interiores nórdicos, todo em madeira clara. Descalçamo-nos à entrada e o chão está aquecido. A sala tem a cozinha de um lado e do outro um pequeno jardim de Inverno, interior. Quando subimos a escada para espreitarmos a vista do terraço, no cimo, os donos calçam as botas de borracha para saírem lá para fora e apontar-nos a zona de onde vêm os javalis, que às vezes chegam mesmo ali perto da casa.

Martin está claramente satisfeito com o resultado do projecto. Num país como a Suécia, de grandes escritórios de arquitectura, com centenas de pessoas - e envolvidos nos grande planos de renovação urbana da Visão 2030 -, os Tham & Videgard são uma excepção. "Sentimos que não pertencemos à tradição da arquitectura sueca. Acreditamos que não se faz melhor arquitectura por se ser um grande atelier. O objectivo deles é fazer mais dinheiro, e nós estamos interessados em primeiro lugar na arquitectura." São estes grandes ateliers que constroem "99 por cento dos apartamentos na Suécia" e "fazem-no bem mas sem qualquer interesse em experimentar coisas novas".

Mantendo uma dimensão pequena, a dupla consegue fazer trabalhos muito mais experimentais - como a Garden House, ou como o Tree Hotel, um projecto em que um hotel no Norte da Suécia convidou arquitectos para desenharem uma casa numa árvore, com um quarto, uma pequena cozinha e uma casa-de-banho. "Pensámos que quando vamos para o Norte usamos roupas e tendas high-tech. Tudo o que levamos para lidar com a natureza é super high-tech, não tem nada a ver com a ideia do regresso à natureza o mais simples possível", explica Martin. Fizeram, por isso, uma caixa num alumínio muito leve que reflecte toda a floresta em redor - uma espécie de cubo invisível para quem está fora mas que permite a quem está dentro ver a paisagem a toda a volta. "O que pode ser considerado arquitectura com um carácter sueco não são as coisas que estão a ser construídas hoje mas as que se construíam há 100 ou 200 anos e que se caracterizavam pela pequena escala, pela relação com a natureza."

Tham & Videgard são os arquitectos suecos escolhidos por Peter Cook, comissário da parte nórdica da exposição Falemos de Casas entre o Norte e o Sul, da Trienal de Arquitectura de Lisboa (que pode ser vista no Museu Berardo). Cook não quis contar a história da arquitectura nórdica, voltando aos históricos do início do século XX como o finlandês Alvar Aalto ou o sueco Gunnar Asplund, nem quis falar dos grandes projectos das cidades em crescimento. Escolheu ateliers nos diferentes países e optou por mostrar aquilo que considera a arquitectura mais interessante que se faz hoje na Escandinávia. A Pública seguiu (alguns) dos seus passos e foi conhecer o trabalho de jovens arquitectos.

Tal como a gastronomia, a arquitectura é uma área que os países nórdicos querem promover. A Noruega, por exemplo, viu recentemente Oslo receber uma atenção inesperada por causa de um edifício - a nova Ópera, um projecto do atelier Snoetta, que ganhou o Prémio Mies van der Rohe.

Os Snohetta, que ocupam um grande armazém na zona do porto de Oslo, são já um atelier consagrado, com um escritório nos Estados Unidos, vários projectos no Médio Oriente, e muita gente atarefada a trabalhar no grande open space decorado com centenas de sacos de plástico com água dentro pendurados do tecto. E a Ópera é um sucesso permanente, com milhares de visitante, muitos para assistirem aos espectáculos, outros apenas para passearem no tecto do edifício e usufruírem de uma zona da cidade onde antes ninguém ia.

Com a dimensão e projecção internacional dos Snohetta, há na Dinamarca outro escritório importante, os BIG, do mediático Bjarke Ingels. A mais recente obra dos BIG em Copenhaga é um enorme edifício de habitação e escritórios baptizado como Edifício 8. Bjarke não estava disponível, por isso quem faz a visita é Henrick Poulsen, que não se cansa de dizer que "Bjarke é genial" (para termos uma ideia de como pensa este hiperactivo discípulo do holandês Rem Koolhas, o melhor é ver apresentação que fez nos TED, na qual expõe a sua teoria de que Yes is more). Desta vez a ideia foi criar um edifício em forma de oito, junto a um lago artificial numa zona nova da cidade.

O oito, que forma dois pátios interiores, tem alturas diferentes - é mais baixo junto ao lago. "Empurrámos uma das partes para baixo e levantámo-lo do lado norte", explica o arquitecto, socorrendo-se do mesmo tipo de linguagem plástica que Bjarke Ingels gosta de usar. E pode ser percorrido a pé ou de bicicleta por uma espécie de passeio interior para o qual dão todos os apartamentos.

Os BIG sabem promover o que fazem e por isso dizem que este é um edifício pelo qual se pode subir de bicicleta desde a rua até às penthouses ao nível do 10.º andar, andando cerca de um quilómetro, e passando pelos pequenos quintais de vários dos 476 apartamentos, grande parte dos quais já está vendida (a três mil euros por metro quadrado).

Peter Cook escolheu os Snohetta (mas não os BIG) para a exposição em Lisboa, mas decidiu incluir também outra dupla de arquitectos noruegueses que trabalham em Stavanger, a "capital do petróleo" da Noruega. Mudamos de país e aterramos agora nesta pequena cidade que cresceu inesperadamente e que hoje vive sobretudo do petróleo. Helen & Hard acharam que fazia todo o sentido criar um parque infantil com material que a indústria petrolífera já não utiliza. "Queríamos fazer algo com a indústria petrolífera e mostrar de onde vem o dinheiro", explica Dag Strass, um dos arquitectos do atelier.

Assim, no centro de Stavanger, mesmo ao lado do Museu do Petróleo, surgiu o Geopark, uma série de estruturas de ferro de formas estranhas, enormes bolas cor de laranja e uma espécie de cogumelos amarelos que a dupla de arquitectos propôs como parque infantil. Pode-se andar de bicicleta, skate e fazer desportos radicais. Radical foi também o transporte para o local das pesadíssimas máquinas que geralmente estão no fundo do mar.

Há uma certa atitude punk no trabalho de Helen & Hard. Isso é ainda mais evidente quando visitamos o seu espaço de trabalho e conhecemos o B-Camp - uma série de casas montadas mesmo em frente ao atelier e feitas a partir de contentores também da indústria do petróleo nos quais foram colocadas janelas e portas reaproveitadas.

É esta vontade de experimentar que se vê também nos acampamentos que conceberam para os jovens que vão para as montanhas a caminho do grande fenómeno natural da região, a Pulpit Rock - num deles, as tendas verdes em forma de pêra acopladas às árvores parecem naves extraterrestres que ali pousaram, silenciosamente, espiando a vida dos humanos na Terra. No dia em que os visitámos, um grupo de estudantes de liceu, acompanhados por uma guia, de gorros na cabeça e alguns ainda enrolados em cobertores, faziam uma sopa quentinha junto ao campo, onde tinham passado a noite - o cenário é habitual nos países nórdicos, onde as creches põem as crianças (devidamente aquecidas) a dormir a sesta cá fora mesmo com temperaturas negativas, e onde muita gente passa os fins-de-semana a subir a montanhas e a fazer caminhadas na natureza.

Da Noruega para a Finlândia: o país é relativamente pequeno e Helsínquia é uma cidade onde toda a gente se conhece - sobretudo se se for arquitecto. É isso que explica o mapa no final do livro Newly Drawn em que os vários jovens arquitectos que fazem parte deste grupo informal mostram onde se cruzaram, das escolas onde estudaram aos ateliers onde trabalharam.

Os K2S (Mikko Summanen, Kimmo Lintula e Niko Sirola) conheceram-se na escola de arquitectura e em 2001 formaram o atelier. Fazem parte desta nova geração de arquitectos finlandeses que têm aproveitado a oportunidade dos concursos públicos (na Finlândia são, na maior parte dos casos, abertos a toda a gente) para fazer os primeiros projectos. Um deles está em cima da mesa do escritório dos K2S no estádio de Helsínquia (onde fizeram a nova pala) - é o novo hospital para a cidade de Espoo, resultado de um concurso internacional.

O projecto reestrutura uma parte antiga do hospital e cria uma parte nova, em forma de trevo de quatro folhas, com quartos de recuperação que dão para um jardim situado no centro, com relva e árvores. A ideia, explica Mikko, é que num espaço agradável e distante das áreas mais "duras" do hospital os pacientes possam fazer os seus exercícios diários e recuperem mais rapidamente. O júri do concurso descreveu-o como "um espaço de vitalidade e bem-estar sem um traço de ambiente institucional".

Tudo isto tem muito que ver com coisas que são importantes na arquitectura nórdica: a preocupação com o conforto interior, a sustentabilidade (um tema que aparece em todas as conversas com arquitectos) e a escala humana dos espaços, seja, por exemplo, na pequena "capela de silêncio", de formas redondas, envolventes e madeira maciça, que os K2S desenharam para que as pessoas possam ter um local de recolhimento numa das zonas mais movimentadas de Helsínquia, seja nas escolas como a creche ecológica de Stenurten, em Copenhaga.

Aqui, explica a professora Maibritt, todos os materiais são recicláveis, há relva no telhado, os brinquedos para as crianças usarem no exterior são de madeira, e em lado nenhum são utilizados materiais artificiais. Os vidros são grandes para aproveitar a luz solar e assim aquecer o edifício, e há painéis solares para aquecer a água. "Ensinamos as crianças a fazer separação do lixo e reciclamos os restos do almoço para adubar a terra, onde plantamos legumes", conta a professora.

No meio da escola, à vista de todas as crianças, está a cozinha, onde um cozinheiro faz pão todos os dias. Hoje o almoço é pizza e algumas crianças encavalitam-se num pequeno banco para verem melhor e enfiarem os dedos na massa. A comida é toda ecológica e vegetariana (a carne não é usada porque a biológica é demasiado cara, explicam-nos).

À porta, um grupo de miúdos enfia grandes casacos, gorros e botas de borracha. Mesmo tendo uma escola que parece uma casa na floresta, várias vezes por mês vão passar o dia à verdadeira floresta, a 20 quilómetros dali, e o autocarro já está à espera deles.

Outros ficam a fazer desenhos, a correr pela escola calçados apenas com umas meias quentinhas, a olhar os peixes que nadam no aquário. Um miúdo louro de cabelo espetado ronda a cozinha. Sobe para o banco, estica-se em bicos de pés e, com um ar importante, pede um pedaço de massa para amassar como o cozinheiro está a fazer.

Verde, sustentável, próxima da natureza, reciclável, com alimentos orgânicos - afinal, a creche Stenurten assemelha-se já bastante ao que as cidades nórdicas planeiam ser no futuro. a

apc@publico.pt

A Pública viajou a convite das embaixadas da Noruega, Dinamarca, Suécia e Finlândia

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