O bloco de cobre nativo na independência brasileira

O discurso científico não esgotou o pensamento humano, ao invés do que declararam os positivistas no século passado e os marxistas neste. Uma "racionalidade aberta" tomou o seu lugar, onde cabem outros horizontes do conhecimento, incluindo o político. Prova-o o colóquio sobre a alquimia, a decorrer em Odivelas.

O objecto pode ser visto no Museu de História Natural, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa. Pesa uma tonelada e é descrito como a maior massa de cobre nativo até agora descoberta. A inscrição diz que foi achado em 1782, no distrito da Baía, capital da então colónia brasileira, reinava D. Maria I.Quando das invasões napoleónicas o objecto impressionou os generais ocupantes, que pensaram em levá-lo para Paris. Dissuadiu-os o excessivo peso daquela massa mineral, cuja origem intrigou mais de um mineralogista. Spix e Martius, no estudo que dela fizeram, consideram-na de "origem extraterrestre", pois não conhecem neste planeta "formação telúrica capaz de produzir uma tal massa" cúprica. Maria Estela Guedes desvendou ontem parte do segredo que envolve esta pedra, que com mais precisão deve ser designada por bloco de cobre. Aguçou ainda mais a curiosidade sobre a origem do mineral. Foi no colóquio Discursos e Prática Alquímicas, a decorrer na Biblioteca D. Dinis, em Odivelas. "O bloco referente e a referida pedra" foi o título da sua comunicação que em anos de comemorações, pôs em destaque a independência brasileira. Para Estela Guedes este bloco de cobre está mais ligado às "inconfidências" que estiveram na origem daquela independência do que propriamente a uma jazida mineral. Sublinhou que ela própria se deslocou o ano passado a Vila da Cachoeira, à procura desse lugar mítico, onde uma comunicação à Academia das Ciências diz ter sido encontrada a descomunal "pepita". Veio de lá convicta que minas, ali, só as nascentes que fazem crescer os canaviais.Não foi a única a ir à demanda da mina e a não a encontrar. Nos anos que se seguiram à surpreendente descoberta muitos foram os politécnicos que o ministro de reino, Martinho de Mello e Castro, enviou para aquelas paragens com esse declarado objectivo. A crer na verdade dos autos de Justiça, elaborados pelo tabelião Manoel Álvares da Fonseca e pelo escrivão Serafim dos Anjos Pacheco, arquivados na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, na secção Documentos Diversos sobre a Bahia, o tal bloco de cobre foi encontrado na "fazenda da Guaíba do capitão António Gonçalves de Aguiar e Sousa". Uma delegação da justiça real deslocou-se no dia 22 de Fevereiro de 1782 à fazenda, onde ao mesmo tempo que procedeu à apreensão da "pedra de cobre criada da natureza", designou o capitão seu fiel depositário.Não se sabe quando é que ela foi enviada para Lisboa, onde, como se disse, pode ser vista no Museu de História Natural desde esse ano. Resta saber se alguma vez ela saiu de Lisboa - esta a dúvida que Estela Guedes lançou.Foi aqui que a comunicação encontrou a temática do colóquio - discursos e práticas alquímicas.A hipótese colocada pela conferencista é que o bloco de cobre saiu de uma oficina maçónica que trabalhava na alquimia operativa. O toque daquela pedra havia de permitir que a colónia brasileira se declarasse independente da cabeça do reino, onde se vivia a repressão de Pina Manique. Foi o tempo da "viradeira", ou seja o período político que se seguiu à morte de D. José (1777) e à exoneração do seu valido, D. Sebastião de Carvalho e Melo. Das prisões saiu a nobreza de linhagem e para lá foi a nobreza de toga, protegida do marquês de Pombal, na sua maioria maçons.Martinho de Mello e Castro, que tinha a seu cargo a pasta do Ultramar, foi um dos raros ministros que conseguiu escapar à vingança da "viradeira" e, segundo Estela Guedes, foi ele o alquimista espiritual do embuste que é a história do bloco de cobre. Graças a este estratagema ele pôde enviar para o Brasil as "pedras" de que precisava para o intento independentista. A data do "aparecimento" da pedra, 1782, coincide com o "desaparecimento" do marquês de Pombal, que morreu nesse ano. Uma comunicação de Domingos Vandelli, "director do Real Jardim Botânico" à Academia das Ciências, nesse mesmo ano, confirma a tese de Estela Guedes. Os anais registam que antes de se entrar na ordem do dia "foi apresentada a esta Academia das Ciências uma planta do cânhamo fêmea nascida na Quinta do Samouco do Intendente Geral da Polícia e que é de um tamanho extraordinário". O intendente era o temido Pina Manique e o cânhamo as cordas com que ele prendia os irmãos maçónicos da Academia. Aquela sessão passou-se, pois, num plano críptico e simbólico.O lugar da alquimia na prática social de hoje em dia é o denominador comum das várias comunicações do colóquio. José Manuel Anes, docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas de Lisboa, foi o primeiro orador, na qualidade de presidente da organização. Falou dos ritos alquímicos, do século XVIII à actualidade e sobre esta continuidade desenvolveu o conceito de "eterno presente". Recordou que Newton foi um alquimista, o que transparece na sua lei mais célebre, a da atracção universal, como Voltaire se deu conta. Os painéis de hoje têm por tema "os alquimistas passados e presentes" (10 h. às 13 h.), "doutrina e ciência maçónica" (14h30 às 16h30) e "alquimia no discurso das artes". Aqui se falará de heráldica (Richard Khaitzine), de Almada Negreiros e Lima de Freitas (Raquel Gonçalves) e da simbologia maçónica na obra de Mozart, designadamente na "Flauta Mágica" (João de Freitas Branco.

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