Dentes livres de chumbo

A União Europeia deverá decretar ainda este ano a proibição dos "chumbos" nos dentes. Em causa estão não só problemas ambientais, mas possíveis riscos para a saúde pública, decorrentes da absorção e inalação do mercúrio existente nas amálgamas dentárias. Uma hipótese que carece de comprovação científica, mas que preocupa médicos e consumidores.

Os "chumbos" nos dentes, feitos de mercúrio e outros metais, têm ou não efeitos nocivos para os seus portadores? A questão é polémica e está longe de reunir o consenso entre dentistas e especialistas em medicina alternativa. Mas uma coisa é certa: a União Europeia deverá decretar, ainda este ano, a proibição das amálgamas dentárias.Nunca como agora se discutiu tanto os efeitos prejudiciais do mercúrio e de outros metais pesados na saúde pública e no ambiente. A presença do mercúrio nas amálgamas dentárias é mais uma preocupação a juntar a uma lista já vasta, desde a incineração de resíduos tóxicos à substituição da gasolina normal por gasolina sem chumbo. Se há consenso quanto aos problemas ambientais que o manuseamento e a reciclagem dos "chumbos" levantam, o mesmo não se passa em relação às consequências directas na saúde. Na passada semana, parlamentares europeus e representantes das ordens dos médicos dentistas reuniram-se em Estrasburgo para discutir o problema, numa sessão que contou com o testemunho de pessoas que apontaram o mercúrio dos "chumbos" como a causa de um conjunto de sintomas que as afectavam. "A opinião dos parlamentares é a de que haverá proximamente uma proibição das restaurações de prata em todos os países da União Europeia. Antes das eleições não haverá novos encontros e o debate ficou agendado para a próxima legislatura do Parlamento Europeu. Mas é quase certo que a decisão irá nesse sentido e deverá ser tomada ainda este ano", informou Fontes Carvalho, presidente da Ordem dos Médicos Dentistas.Apesar do recurso às amálgamas dentárias ser cada vez mais reduzido, optando-se por materiais alternativos (ver caixa), os únicos países que não têm qualquer tipo de legislação condicionante ou restritiva neste campo são Portugal, a Espanha e a Grécia. Na Suécia foi já totalmente proibido e o Governo subsidia, desde o princípio do ano, a substituição das amálgamas. Na Dinamarca e na Finlândia, é proibida a utilização em menores de 18 anos, em grávidas e em mulheres a amamentar.Dores de cabeça, insónias, reacções alérgicas da saliva e pele, lesões renais e cardiovasculares, resistência aos antibióticos, malformações em fetos e esclerose múltipla são algumas das doenças que têm sido associadas à intoxicação por mercúrio. "No caso das amálgamas dentárias, o problema é ainda mais grave por se tratar de um acto médico", diz Joaquim Teixeira, gerente de uma empresa de produtos farmacêuticos. Os primeiros alertas remontam ao princípio da década, quando um médico norte-americano removeu as amálgamas dentárias a quatro doentes com esclerose múltipla, verificando depois que todos eles apresentaram melhorias significativas. À experiência seguiram-se estudos que tentavam demonstrar a existência de uma ligação directa entre os vapores de mercúrio emitidos pelos "chumbos", que são permanentemente absorvidos pela respiração e alimentação, e os efeitos nocivos para a saúde. Sem ter sido cientificamente provada, essa hipótese é admitida por muitos, mas entre a comunidade científica reina o cepticismo. "Trata-se de saber, em primeiro lugar, se a concentração de mercúrio encontrada em pessoas com amálgamas tem aí a sua origem ou provém da alimentação", defende António Azul, coordenador do curso de Medicina Dentária do Instituto de Ciências da Saúde. Depois é preciso provar que há intoxicação a partir da exposição a baixos níveis de mercúrio. Opinião que é partilhada por Fontes Carvalho, que refere ainda a existência de "interesses comerciais subjacentes", designadamente por parte de empresas fabricantes de materiais alternativos."Não se trata de provocar alarmismos, mas de alertar para os perigos a que podemos estar sujeitos", defende Joaquim Teixeira. E se há dúvidas quanto às consequências para a saúde pública, em termos ambientais o problema coloca-se com bastante acuidade. É que, apesar de estar prevista a aprovação de uma directiva comunitária que vai obrigar os consultórios a terem catalisadores que depurem o mercúrio, não existe legislação, pelo menos em Portugal, que obrigue à incineração deste tipo de resíduos. "O que acontece é que muitos dos materiais acabam por ser despejados no lixo e canalizações sem qualquer tratamento", diz António Azul. Quanto à remoção das amálgamas, parece também não haver entendimento, já que a sua substituição provoca a libertação de mais mercúrio, acaba por ser absorvido na cadeira do dentista.

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