A efeméride

Há dez anos, durante 51 dias, o FBI (polícia federal dos EUA) cercou uma quinta em Waco, no Texas, onde residiam os Branch Davidians, uma seita religiosa extremista liderada por David Koresh. As negociações entre o FBI e outras agências policiais e os "davidians" fracassaram. A 19 de Abril de 1993, a estrutura em que se refugiavam os "davidians" pegou fogo; 80 pessoas morreram, entre as quais 18 crianças com menos de dez anos. A tragédia despertou a América para a existência de inúmeros grupos como os Branch Davidians, alguns religiosos, outros não, que armazenavam armas e ostentavam um ódio feroz às autoridades federais dos EUA. Dez anos depois, já não se ouve falar de incidentes com milícias como a de David Koresh. Mas a controvérsia sobre a responsabilidade das mortes em Waco continua acesa.Em 1993, a ATF (agência federal responsável pelo controlo de armas de fogo) quis deter Koresh por suspeitas de posse ilegal de armas. Koresh barricou-se com os seguidores fanáticos da sua seita na sua propriedade em Waco. Depois de um primeiro assalto, em que morreram seis "davidians" e quatro agentes da ATF, o FBI assumiu o controlo das negociações. A 19 de Abril, um incêndio de origens misteriosas matou os "davidians".Um ano antes, em Ruby Ridge (Idaho), um outro cerco tinha terminado em tragédia: um "sniper" do FBI matou a mulher de um extremista de uma milícia racista que se tinha barricado em sua casa. Os incidentes de Waco e Ruby Ridge trouxeram à ribalta o fenómeno das milícias."Esses dois casos criaram um medo em muitas pessoas de que o Governo estava fora de controlo, que as autoridades podiam violar os direitos dos cidadãos, usar contra eles força letal", disse ao PÚBLICO Timothy Lynch, analista jurídico do "think tank" Cato Institute. "Esse medo levou muita gente a juntar-se a organizações do tipo das milícias."O fenómeno das milícias extremistas e o seu ódio às autoridades federais dos EUA ficou exposto no atentado de Oklahoma City, em 1995. Timothy McVeigh, um indivíduo ligado a milícias, colocou uma bomba que matou mais de 170 pessoas num edifício federal. Entre os motivos referidos por McVeigh para o seu crime estavam as tragédias de Ruby Ridge e Waco.No entanto, depois de 1995 não voltou a haver uma tragédia destas dimensões envolvendo milícias ou seitas fanáticas como a de Koresh. "Houve um novo clima político depois de Oklahoma", disse ao PÚBLICO Stuart A. Wright, vice-reitor da Lamar University e autor de vários livros sobre o caso de Waco. A Administração Clinton aprovou uma série de medidas para lidar com a ameaça de terrorismo interno, em resposta ao atentado de Oklahoma. E também houve reformas no FBI, para evitar erros como os de Waco."Logo no ano seguinte [1996], houve um novo incidente no Montana, um cerco de 81 dias, mas desta vez as autoridades tomaram uma atitude diferente", diz Wright. "As novas tácticas do FBI foram um factor para o sumiço das milícias. Além disso, os sentimentos que haviam atraído pessoas às milícias e aos grupos cristãos [como o de Koresh] mudaram depois de Oklahoma. E também houve um esforço do FBI para travar os líderes dos movimentos mais radicais.""O FBI aprendeu algumas lições com Waco, e mudou as suas tácticas", afirma Timothy Lynch. "E houve vários outros factores que levaram à decadência do fenómeno das milícias; muitas das pessoas que se juntaram às milícias queriam apenas defender-se do que entendiam como uma ameaça, não queriam atacar o Governo."Abusos encobertosImediatamente a seguir ao 11 de Setembro de 2001, a hipótese de o ataque terrorista ter sido levado a cabo por uma milícia foi colocada, mas rapidamente descartada. Desde então, o debate sobre as agências de segurança americanas coloca-se ao nível de por que é que elas não foram capazes de evitar o ataque.Mas isso não significa que a controvérsia sobre Waco tenha desaparecido. A posição oficial das autoridades sobre a origem do fogo que matou 80 pessoas foi a de que o incêndio foi provocado deliberadamente pelo próprio David Koresh.No entanto, o FBI admitiu, em 1999, ter usado gás lacrimogéneo com propriedades incendiárias contra o edifício em que se refugiavam os "davidians". O caso foi a julgamento em 2000, com os familiares de algumas das vítimas a exigirem indemnizações e uma admissão de culpa por parte do Estado americano.O tribunal acabou por dar razão ao FBI. Mas muitos americanos continuam convencidos de que as autoridades agiram mal em Waco. "A versão oficial é que o FBI e a ATF cometeram erros, mas que a responsabilidade principal da tragédia foi de Koresh", diz Lynch. "Mas houve abusos por parte das autoridades que foram encobertos.""Acredito que [o FBI e a ATF] violaram a Constituição" no cerco de Waco, afirma Stuart Wright. "Muitas das provas perderam-se no incêndio, mas eu e outros investigadores ainda estamos a trabalhar no caso. Penso que a História julgará que a versão oficial não é verdadeira."Leg: Oitenta pessoas morreram, entre as quais 18 crianças com menos de dez anos, em Waco, no Texas

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