Estudo desvaloriza potencial cancerígeno dos nitrofuranos

Um trabalho de três médicos veterinários especialistas na avaliação da segurança de medicamentos utilizados no tratamento de animais conclui que "é pouco provável" que o potencial cancerígeno dos nitrofuranos afecte o consumidor e alerta para os efeitos perversos que a proibição da substância tem na segurança alimentar. O relatório, a que o PÚBLICO teve acesso, foi realizado há um mês e avalia os riscos para a saúde pública da utilização ilegal destas substâncias. Referindo-se aos metabolitos, resíduos das moléculas de nitrofuranos encontrados em dezenas de explorações avícolas portuguesas, o documento diz que "nunca ficou provado o seu perigo para a saúde do consumidor, dado que não foram exaustivamente desenvolvidos os estudos que poderiam conduzir a uma clara e inequívoca conclusão". Mas para se fazerem estudos é preciso que alguém os pague, lembra Eduardo Marques Fontes, professor catedrático da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa, doutorado em nitrofuranos e um dos relatores do doumento. "Estas moléculas são antigas e já ninguém se interessa por elas porque caíram no domínio público e qualquer empresa as pode comercializar", explica o especialista. Marques Fontes olha com estranheza para o grande número de resultados positivos com baixos níveis de nitrofuranos (a média na última vaga de análises foi de 1,7 microgramas por quilo - o mínimo que é tecnicamente possível detectar é 1,0) e lança duas hipóteses. Ou as rações já incluem os nitrofuranos na sua composição e por isso estão contaminadas, ou o método de análise agora utilizado permite uma precisão que até ao momento não era possível. Para o professor catedrático, estas "quantidades vestigiais" não põem em causa a saúde pública e indiciam que não houve intencionalidade na administração dos nitrofuranos, na maior parte das situações. "Apareceram análises com 900 microgramas por quilo. Aí é óbvia a administração intencional, mas essa é uma minoria dos casos", defende Marques Fontes. O memorando analisa os estudos feitos até ao momento e reconhece que "os resultados obtidos em roedores de laboratório indicam que alguns nitrofuranos exibem um potencial tumorigénico, quando administrados reiteradamente, em doses elevadas, durante toda a vida". No entanto, os especialistas reforçam o facto de os principais estudos realizados para avaliar este potencial terem sido efectuados com outros nitrofuranos que não os utilizados mais frequentemente na terapia veterinária (furazolidona, furaltadona, nitrofurazona e nitrofurantoína). Riscos da proibiçãoO relatório alerta ainda para os riscos que a proibição dos nitrofuranos trouxe para a saúde pública. Os profissionais de medicina animal consideravam unanimemente que se tratava de drogas de eleição no tratamento de infecções urinárias provocadas por colibacilos e de salmonelas nas aves e nos suínos. Com a proibição e sem alternativa "igualmente eficaz", surgem resultados insatisfatórios no tratamento de doenças provocadas por estas bactérias e mais animais portadores destas patologias nos géneros alimentícios de origem animal. "Esta situação por si só criou um novo risco para a saúde humana", refere o documento. O risco não foi quantificado e não é desprovido de razão afirmar-se que "o mesmo é grande quando comparado com a redução de risco de cancro que foi obtida com a proibição dos nitrofuranos", conclui o memorando.A comunicação do risco é outra das questões avaliadas pelo relatório. "A existência de resultados positivos na carne portuguesa", disse Marques Fontes, "foi transmitida com um certo alarmismo por parte das autoridades, tendo a comunicação social exacerbado o tom". Para os autores do documento, é essencial que as autoridades informem de forma inequívoca a prevalência de resultados positivos (percentagem de animais contaminados face ao número total de animais disponíveis para comercialização). A comunicação do risco perde a validade quando se revela o número de explorações com resultados positivos e não a prevalência. "Todos os dias aparecem resultados positivos de substâncias proibidas; não se pode é tomar a parte pelo todo. A Inspecção-Geral das Actividades Económicas encontra regularmente iogurtes fora do prazo, mas não podemos dizer que a maioria dos iogurtes em Portugal estão fora da validade", exemplifica o catedrático.Os medicamentos veterinários contendo nitrofuranos foram mundialmente utilizados entre os anos 50 e 1995, altura em que foram proibidos. As substâncias eram usadas, sobretudo em aves e suínos, para reduzir a mortalidade resultante de doenças gastrointestinais e respiratórias. legenda: "Todos os dias aparecem resultados positivos de substâncias proibidas; não se pode é tomar a parte pelo todo", lembra um dos autores do trabalho

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