Discos

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Uma colecção de beldades folk, com algo de infantil e de desmedido, pontuadas pela voz doce de Soko

Pop

Os demónios de Soko

É uma folk vinda de um lugar distante, sem idade, nem nacionalidade. Vítor Belanciano

Soko

I Thought I Was An Alien

Because Music, distri. Farol

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A música não é um capricho, é qualquer coisa de verdadeiramente íntimo, apenas eu e os meus demónios, enquanto o cinema é trabalho, qualquer coisa que não controlo, com pessoas que não escolho e um resultado final que não domino. Quem o diz é Soko, cantora e actriz francesa, que acaba de lançar o álbum de estreia, seis anos depois de ter dado que falar com uma canção (I"ll kill her) que se transformou num fenómeno viral.

Não espanta que tenha levado tanto tempo até se decidir pela publicação do álbum. Não lhe faltaram convites de editoras, mas se no cinema não é ela quem escolhe a equipa que a rodeia, na música é ela que deseja deter total controlo sobre o processo de criação e feitura do disco. Daí que se tenha incompatibilizado com uma editora e só agora se revele na plenitude como cantora - como actriz está também em evidência por estes dias, sendo a protagonista do filme By Bye Blondie da realizadora francesa Virginie Despentes, que estreia em França esta semana.

Uma coisa é certa. Os seis anos não foram despendidos a sofisticar a sua sonoridade. Pelo contrário, I Thought I Was An Alien, respira um ritmo particular, sem pressas, e a sonoridade é quase artesanal, como se as gravações tivessem sido passadas directamente de mixtapes inacabadas para o resultado final. A maior parte são canções para voz e guitarra acústica, mantendo uma qualidade juvenil e um tom confessional, descrevendo o amor como possibilidade de amadurecimento pessoal.

Algumas destas canções talvez sobrevivessem mal isoladamente, revelando a fragilidade do seu minimalismo, mas enquanto conjunto o que sobressai é uma colecção de beldades folk, ao mesmo tempo com qualquer coisa de infantil e de desmedido, pontuadas pela voz doce, ligeiramente arranhada, de Soko. É uma folk vinda de um lugar distante, um qualquer planeta desolado, sem idade, nem nacionalidade, mas onde todos os movimentos resultam extremamente acolhedores e oníricos.

Modo clássico

David Fonseca

Seasons: Rising

Universal

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O caminho de David Fonseca fez-se para trás. Se o conhecemos devoto de Jeff Buckley e Red House Painters, nos anos 90, com o tempo o moço foi percebendo duas coisas, uma a reboque da outra: que canções que façam chorar as pedras da calçada e obriguem a apagar as luzes do quarto em cada audição são giras, sim senhor, mas passados os tormentos existenciais da adolescência nem sempre a vida se apresenta assim pronta e linear para ser carpida em canções. Esta primeira coisa equivale a uma conclusão chegada aos poucos de que para ser um artista a solo, David não precisava ser um artista só. E então, deu por si num rodízio de sons: provou de muito e escolheu assentar arraiais num universo musical implantado nos anos 80 (segunda coisa). Sintetizadores a quererem tomar conta do mundo, uma excitação dançável a invadir desabridamente os refrães e melodias pop oscilando entre Talking Heads, David Bowie e Cars, por vezes recuando a Roy Orbison, outras vezes baixando os níveis de exuberância em Springsteen. Um clássico, portanto.

O primeiro volume deste Seasons - o segundo chegará no Outono - prolonga essa herança. Mas fá-lo manobrando o suficiente para que o músico consiga, infalivelmente, ludibriar a ilusão auditiva de que terminado um disco se enfiou num beco de onde não terá meios para sair. Depois de um Between Waves (2009) em que assumiu muitos dos instrumentos, o fantasma Arcade Fire dessa altura teve guia de marcha e foi posto a mexer. E, para ajudar, o casting foi perfeito ao trazer (em colaborações pontuais) os sintetizadores de Rui Maia (X-Wife), o baixo de Hélder Gonçalves (Clã), a voz de Catarina Salinas (Best Youth, magnífica em Heavy Heart) e o piano de Filipe Melo. O que resulta num disco mais aberto, com uma inédita e excelente exploração de opções mais dramáticas em fundo rock (The Beating of the Drums e Whatever the Heart Desires), e a inteligência de David em não se demorar demasiado em frente ao espelho.

Óptimo disco pop. Fossem todos assim. Gonçalo Frota

Uma voz de Nova Iorque

Lee Ranaldo

Between The Times and The Tides

Matador/Popstock

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Assim que se soube que Lee Ranaldo tinha novo disco , um desejo singelo e sério nasceu: por favor, mais pop preguiçosa e pífia não. Já bastaram os dois discos de Thurston Moore. Bom, Between The Time and The Tides não representa uma reinvenção "autoral" (como estão longe os tempos de Bowie, Eno, Young, Iggy Pop ou Nick Cave), mas fica bem no universo dos Sonic Youth. A voz de Ranaldo continua com o (seu) timbre "metálico" e prateado, um eco humano dos espaços da cidade (será depois de Lou Reed, a última grande voz de Nova Iorque?). E o kling klang aprendido com Glenn Branca não se apagou totalmente. Entende-se, tímido, com momentos mais acústicos e introspectivos; ouça-se Lost ou That Fire Island (Phases). No entanto, o que afasta este disco dos equívocos de Moore é capacidade de Lee Ranaldo em compor canções a partir de respeitáveis modelos (Beatles, Yo La Tengo, REM, Hüsker Dü) sem temer a "ameaça" do ruído e tremores inesperados (sons da rua ou de uma slide-guitar). As canções deambulam mas não se perdem. É importante sublinhar que soube rodear-se de gente como Neils Cline, Steve Shelley, Jim O"Rourke e Bob Bert. Não caiu no erro do seu parceiro dos SY de convidar Beck (medíocre músico, péssimo produtor).

Ainda assim Between The Times and The Tides não é comparável aos melhores Sonic Youth. Começa muito bem, com Waiting On A Dream, revisão contemporânea do rock clássico, segue depois para o momento mais pop que é Off the Wall, faixa afiada na memória dos The Go-Betweens e multiplica-se em vinhetas evocativas de outras canções. Foi-se o pathos, fica um momento bonito, despretensioso, da história do rock de Nova Iorque. Muito bem representado nas melodias de Angles e Stranded. José Marmeleira

A primeira vez

Pepe Deluxé

Queen of the Wave

Catskills; distri. Popstock

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Frederick S. Oliver tinha 18 anos quando, em 1883, começou a ocupar os (quase só) tempos mortos da sua missão de vigiar as minas da família em Yreka, Califórnia, a escrever obsessivamente no seu bloco de notas. Durante três anos, não pensou senão na história de Zailm contra Mainin, herói contra vilão numa Atlântida à sombra de uma mistura de ficção científica com vida depois da morte, viagens no tempo em braço-de-ferro com epifania espiritual. Chamou-lhe A Dweller on Two Planets. Oliver morreu pouco depois, aos 33 anos, legando ao mundo esta sua obra tida como de fraca qualidade literária mas de louvável riqueza narrativa. É importante saber-se isto de antemão para que se perceba o porquê de a dupla finlandesa Paul Malström e James Spectrum ter sentido a necessidade de criar "uma ópera pop esotérica em três partes" para adaptar musicalmente o desvario da escrita de Oliver.

Queen of the Wave é uma alucinação em forma de música que soa frequentemente aos espasmos estilísticos dos Mr. Bungle, como uma agulha a saltar no vinil de uma colectânea de final de ano. Aqui, à melancolia pastoral pode suceder uma guitarra surf em frenesim onanista, logo em seguida assaltada por uma tentativa de chegar a Wagner via grandiloquência operática trip-hop dos Moloko. Assim como iniciar-se uma perseguição ao som de Henry Mancini e, segundos depois, os mesmos dois protagonistas estarem afinal dedicados a uma passeata romântica junto à Torre de Pizza. Ou pode até acontecer a voz de um imitador de Scott Walker ser bruscamente interrompida pelo Great Stalacpipe Organ (O Grande Órgão de Estalactubos), gigantesco órgão de tubos em forma de estalactite construído por um físico do Pentágono na década de 50 e que soa, vá lá, a qualquer outro órgão de tubos.

O resultado, precisamente, é quase sempre, num primeiro momento, de deslumbramento embasbacado. Mas, por vezes, Queen of the Wave não vai mais longe porque fica refém do seu ambicioso exercício formal e deixa que esgotada a surpresa se esgote igualmente a sua razão de ser. Gonçalo Frota

Saudades dos Shins

The Shins

Port Of Morrow

Aural Apothecary; distri. Sony Music

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Sem qualquer razão aparente, um misto de sensações emergiu da corrida para a chegada do novo álbum dos Shins, sucessor dos perfeitos Oh Inverted World e Chutes Too Narrow e do imperfeito mas muito recompensado Wincing the Night Away. E se James Mercer, dono daquela impressionante voz no limiar do falsete capaz de melodias maiores que a vida, senhor de uma visão que fez da pop um universo insular em que a melancolia é banhada por um sol radioso mas gentil, tivesse perdido o toque de Midas? E se os Shins deixassem de ser aquele refúgio seguro a que podíamos voltar, vez após vez, para reafirmar a nossa crença na Humanidade que faz canções? E se os Shins editassem um álbum, este que agora recebemos, intitulado Port Of Morrow?

Port of Morrow não é apenas uma tremenda desilusão, é um trágico e épico falhanço. A produção tem um limpidez e um brilho que impressionam - o trabalho com Danger Mouse nos Broken Bells teve consequências -, mas canção após canção, revela-se um embrulho perverso. Lá dentro não está o vazio, estão os Shins como nunca os desejámos ver. Está It"s only life, baladona que saca um 8 na escala de emotividade burguesa de James Blunt. Está For a fool, primeiro momento em que Mercer veste uma pele de cantor alt-country (com sintetizadores para em fundo) que lhe assenta tão bem quanto o fato um número abaixo usado por José Peseiro na passagem pelo Sporting - seria tão desconfortável para o homem que o usava como para quem lhe seguia o desespero dos movimentos.

Neste disco que mostra uma ânsia em abraçar o mundo inteiro que o menoriza (antes, os Shins arrancavam canções a um recanto da alma a que tínhamos a felicidade de aceder), ainda há Fall of "82, que mostra Mercer a tentar atingir os píncaros da criatividade McCartney (infelizmente, escolheu como modelo o único McCartney que não interessa, o génio afectado por um vírus yuppie na década de 1980), e essa terrível, terrível 40 Mark Strasse - Mercer a cantar sobre "broken kites" numa canção de alegriazinha insuportável, ideal para um "momento musical" das galas televisivas que tão afincadamente lutam para o embrutecimento emocional da população mundial. Ouvir Port of Morrow, para quem conhece e ama os Shins, é um exercício doloroso. Tem um single interessante em Simple song, que soa a versão hi-tech da banda anteriormente conhecida como Shins, tem uma September que revisita despudoradamente New slang - e ficamos com ainda mais saudades de Oh Inverted World - e uma Bait and switch, a melhor canção do álbum, em que James Mercer nos diz que talvez ainda haja esperança. Está tudo no refrão: "I"m just a simple man / cursed with an honest heart".

Ainda assim o impacto é devastador. Os Shins gravaram mesmo este álbum chamado Port of Morrow. Empreguemos todos os nossos esforços em esquecer que tal sucedeu. Regressemos a Oh Inverted World e Chutes Too Narrow. Deixemos passar o tempo. Pode ser que os Shins regressem um dia. Já estamos com saudades. M L.

Alto!

Alto!

Lovers & Lollipops

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Ao vivo são uma bomba de suor, de fuzz ao alto e de teclados iluminados de propriedades psicadélicas, tudo servido por uma secção rítmica sabedora das dinâmicas necessárias para que ao abanar do esqueleto, quando a electricidade explode por todos os lados, se siga o desconjuntar desse mesmo esqueleto. Em disco, são também isso mesmo. Rock"n"roll directo ao osso: Velania com pandeireta a chocalhar ao lado do riff e um interlúdio dramaticamente perfeito - Arthur Brown ficaria orgulhoso. Rock"n"roll como cave escura onde se congemina um futuro melhor: não precisamos de mais que a linha de teclado e as vozes que, em Xasmins, repetem "It"s cold / It"s cold / Nothing happens in this hole" - os Make Up foram banda imensa por pérolas como esta.

Mais à frente, uma citação de Leonard Cohen, em Hlavní Nádrazí, que afunda Suzanne em profundezas opiáceas - grande, grande canção - e o espírito de Mark E. Smith vociferando na conturbada e voraz Chalk farm. Depois, os Alto! devolvem-nos a uma pista de dança onde o garage rock é a melhor invenção da História: os solos de guitarra são cabos eléctricos desgovernados (elogio!), a berraria é sinal óbvio de que estamos vivos e mentalmente saudáveis - e o ritmo não pára de fazer mexer o esqueleto cansado e feliz. O ritmo não pára nunca. Os Alto!, gente muito enérgica e muito sábia das coisas do rockn"n"roll, sabem o que têm a fazer para que esta magia muito profana não perca nunca o seu efeito tão benigno nas gentes. Grande estreia. M.L.

Ritinha Lobo

Jóia Creola

HM Música

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Desfez-se a incógnita: Ritinha Lobo, ela mesma uma jóia crioula que combina energia com um certo recato, gravou enfim o seu primeiro disco. E o resultado é um trabalho que, além de expor as potencialidades da sua voz vigorosa e admirável (embora menos "solta" em estúdio do que ao vivo), firma a sua escolha no território dos ritmos a apelar à dança e não na dolência das mornas. Metade do disco são recriações de clássicos cabo-verdianos e Rita sai-se bem da tarefa: faz reviver a contagiante Joia, de Boy G Mendes, a belíssima Poeta, de Paulino Vieira, e o funaná Tunuka, que Orlando Pantera compôs para Ildo Lobo, acabando Rita por assim homenagear a música e a memória de ambos, com uma versão enérgica. E dá novo alento a Angola, de Ramiro Mendes, mostrando que ainda é possível cantá-la sem que canse. Nos originais, a mão de Yami leva-a para lugares onde se mesclam influências, com Assim aqui a lembrar Djavan, Beleza creola a cruzar morna e bolero ou É bonita nha ilha a evocar, num batuko inédito, as raízes mais profundas da crioulidade. Já Nha magia, um axé do brasileiro Lula Moreno, tem todos os ingredientes para se tornar "emblema" do canto de Rita nesta fase da sua carreira. Que, como este disco prova, só pode ter um bom futuro. Nuno Pacheco

Clássica

Romantismo polaco

Obras-primas de um compositor cuja vida foi tragicamente interrompida no momento que alcançava o reconhecimento internacional. Rui Pereira

Mieczyslaw Karlowicz

Sinfonia em Mi menor, op.7

Bianca da Molena, op.6

Antoni Wit, direcção musical

Orquestra Filarmónica de Varsóvia

Naxos 8.572487

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Uma avalanche numa pista de ski pôs fim à breve vida e carreira de um dos maiores compositores polacos de sempre, Mieczyslaw Karlowicz. Hoje, figura entre os grandes nomes da cultura polaca e a sua música tem vindo a ser incluída no repertório de algumas editoras e orquestras. Como quase sempre acontece nestes casos, é difícil adivinhar que caminho teria tomado a sua música se o compositor não tivesse falecido aos 33 anos de idade. Se as últimas obras indicavam a procura de formas cada mais abstractas e uma aproximação às tendências compositivas mais modernistas, as peças gravadas neste CD remontam à sua fase final de estudante e durante qual escreveu na linha de Richard Strauss e do sinfonismo alemão. Grandes frases com base em motivos que vão sendo lentamente desenvolvidos, lirismo nas cordas, escrita consistente para os metais na tradição dos grandes corais germânicos, são características muito fortes que podemos encontrar na sua Sinfonia op. 7, Renascer e no poema sinfónico Bianca da Molena op.6, obras escritas entre 1900 e 1903. Um gosto por dramaturgias meditativas e inspiradas em pensamentos existenciais, nomeadamente através de progressões harmónicas que, por vezes, nos levam da escuridão para a luz, são igualmente um traço visível desta música do Romantismo tardio.

A direcção musical a cargo de Antoni Wit, maestro polaco muito premiado a nível internacional, é de uma clareza formal irrepreensível e favorece a compreensão das dramaturgias. Da parte da Orquestra Filarmónica de Varsóvia, destaca-se a coesão de naipes, a consistência dos metais, havendo ainda espaço para maior virtuosismo orquestral.

Ouvir para crer

O domínio absoluto de um instrumento que permite sonoridades incríveis.

Rui Pereira

Franz Liszt

Rapsódia Húngara nº 2; Sonho d"Amor; Reminiscências de D. Juan

Lang Lang piano. DG 4779829

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Lang Lang depressa conquistou o grande público mas tem tido uma relação mais difícil com a crítica, muito à conta da sua expressividade baseada na manipulação plástica do som. Este tipo de interpretação leva o pianista a sacrificar o sentido de continuidade da frase musical, a ter que esperar que a dinâmica diminua para fazer o próximo som brotar de dentro do precedente e a quebrar as normas do "bem tocar". O presente CD reúne gravações ao vivo com obras de Liszt e é um verdadeiro monumento ao seu estilo interpretativo que se revela perfeitamente adequado e proporciona momentos de virtuosismo e controlo sonoro que são quase inacreditáveis. Se em peças como a célebre Rapsódia Húngara nº 2, na versão extra-difícil de Horowitz, já era esperado que Lang Lang surpreendesse pelo estonteante debitar de notas por segundo com que é capaz de desafiar a nossa percepção auditiva, o pianista chinês surpreende pela beleza sonora e serenidade que alcança no Sonho d"Amor. Mas a última peça do disco brinda-nos com a Grande Fantasia Reminiscências de D. Juan, baseada em temas da celebérrima ópera de Mozart, e Lang Lang supera ainda mais as espectativas, mostrando-se senhor de belos fraseios, com um cantabile digno de um grande cantor e um actor capaz de representar os diferentes personagens e emoções do teatro lírico.

As reservas que alguns melómanos levantam quanto aos seus fraseios ainda se fazem sentir na parte inicial da Rapsódia Húngara, mas após um breve momento de adaptação somos conquistados pela sua extraordinária paleta de sons, pelo detalhe da caracterização polifónica e pelo turbilhão de virtuosismo que nos faz repensar a teoria da evolução da espécie humana. É preciso ouvir para crer.

Jazz

Corre mundo

Universal, psicadélico, numa encruzilhada entre jazz, improvisação livre e músicas do mundo, Hera é um assombro. Rodrigo Amado

Hera

Where My Complete Beloved Is

Multikulti

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A Polónia tem-se afirmado cada vez mais como um importante pólo no mapa jazz Europeu, ameaçando a posição dominante de países nórdicos como a Dinamarca ou a Noruega. Com editoras como a Not Two ou a Multikulti a conquistar uma crescente relevância internacional, é um país que se destaca sobretudo por um fascinante e muito activo circuito de espectáculos ao vivo onde cabem algumas das propostas mais vibrantes e arrojadas que se vão fazendo por toda a Europa. Esta formação, de origem polaca, é uma delas. Quarteto composto por Waclaw Zimpel (clarinete baixo, tarogato e harmonium), Pawel Postaremczak (saxofones e piano), Ksawery Wójcinski (contrabaixo e violoncelo) e Pawel Szpura (bateria), contam ainda com a colaboração de Sara Kaluzna na tampura e Maniucha Bikont, em voz e harmonium. Tocado e gravado com invulgar rigor e intenção, torna-se claro às primeiras notas de Where My Beloved Is que este não é um disco convencional, de jazz ou qualquer outra coisa. Não é uma música de arranjos meticulosos ou solos virtuosísticos (embora os haja em abundância), mas antes uma música colectiva, de ambientes, emoções e energias, que fluem livremente ao longo de todo o registo. Construído sob a forma de temas longos (apenas o quarto e último tema têm menos de 18 minutos) que se desenvolvem lentamente em drones instrumentais de percussão e sopros, é um álbum que evoca o trabalho humanista e universal de autores como Hector Zazou, ou a simplicidade primordial de algumas das gravações de Don Cherry, onde free-jazz e folk deram as mãos fazendo sonhar com um mundo mais livre, menos preso a preconceitos e convenções. Quando em There is no day or night, no moon or sun, canção tradicional russa e último tema do disco, surge a voz assombrosa de Bikont, estamos já totalmente imersos no entrelaçado hipnótico do grupo. Liderados pelo brilhante Waclaw Zimpel, os Hera representam uma geração para a qual não há fronteiras, estilísticas, geográficas ou quaisquer outras, procurando correr mundo e tocar-nos com a beleza e simplicidade da sua música.

Fusão raramente soou assim

Gravado em 2008 e só agora editado, este é o mais surpreendente e aventuroso registo deste saxofonista americano de origem indiana. Rodrigo Amado

Rudresh Mahanthappa

Samdhi

Act, dist. Karonte

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Ao falar das suas influências, o saxofonista alto Rudresh Mahanthappa refere nomes da fusão e smooth jazz como Grover Washington Jr., David Sanborn, os Brecker Brothers, ou os Yellowjackets. Com tal linhagem, dificilmente se poderia prever que Mahanthappa se tornasse num dos mais influentes músicos do jazz actual, sendo nomeado pela prestigiada Down Beat como saxofonista (alto) do ano, reconhecido por um invulgar controlo tonal e um alargado espectro de expressão. Especialista na incorporação de ritmos e micro-tons característicos da música clássica do sul da India (Carnática) num contexto de jazz, em Samdhi o saxofonista vai bem mais longe, criando um complexo e exuberante caleidoscópio de influências musicais, onde cabe tudo, do rock ao jazz dos anos 70 e 80 (são evocados Michael Brecker, Jan Garbarek, John Abercrombie, ou mesmo a Mahavishnu Orchestra), do funk ou dos ritmos M-Base aos intricados labirintos hip-hop actuais, tudo contaminado com uma surpreendente electrónica vintage, quase ingénua, feita de delays, pitch-shift, chorus ou echo reverbs. Mas o que é facto é que todo este caldeirão estético funciona, dando origem a uma música vibrante, sempre interessante, onde há espaço para longas improvisações de todos os músicos. Pertencendo à mesma série de gravações que deu origem a Kinsmen e Apti, em Samdhi participam David Gilmore (antigo elemento M-Base) em guitarra eléctrica, Rich Brown no baixo eléctrico, Damion Reid na bateria, e Anantha Krishnan na percussão indiana. Para além de Mahanthappa, sem dúvida a grande força criativa nesta gravação, com solos endiabrados que metamorfoseam hard-bop em algo que é só seu, o grande destaque vai para Gilmore, em grande forma, com um drive na guitarra eléctrica que é já raro testemunhar. Ouça-se Rune, Breakfastlunchanddinnner ou Still-Gas, com solos incendiários de guitarra que evocam tanto Abercrombie como McLaughlin.

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