Vilar de Mouros para além dos festivais

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Espaço moderno, acolhedor e com vista para o rio, onde se serve um rabo de boi estufado e uma açorda de alheira que deixaram convencido (e satisfeito) José Augusto Moreira. Nem só pela música se vai ao Minho. As fotos são de Paulo Pimenta

É pelo festival de música que as várias gerações de portugueses conhecem Vilar de Mouros, mas a viagem até à famosa localidade do Alto Minho justifica-se para além do Verão musical e pode ter também outros motivos de interesse. Desde logo o típico casario de pedra granítica, o bucolismo das margens do Coura e a ponte gótica, de finais do século XVI, que o atravessa, ligando o centro da aldeia ao espaço onde têm sido montados os palcos para o histórico festival que remonta a meados da década de sessenta do século passado. É certo que foi em 1971 que pela primeira vez saltou fronteiras e ganhou fama, mas já antes o médico António Barge e a sua família se empenhavam na realização de um evento dedicado à música popular do Alto Minho e da Galiza, com o objectivo de fazer de Vilar de Mouros um local de atracção turística.

Para além do festival, a aldeia é hoje refúgio de férias para gente abastada, sobretudo do Porto, que reconstruiu boa parte das típicas moradias, aproveitando a paz e o lado típico da aldeia e a proximidade a Caminha e à cosmopolita praia de Moledo. Com a auto-estrada (A28) as distâncias encurtaram-se e a aldeia está hoje a menos de uma hora do Porto, o que a torna permanentemente mais habitada, sobretudo com a proximidade dos fins-de-semana.

Foi neste contexto que recentemente deparámos com o Retiro da Ponte, um restaurante de contexto moderno e acolhedor, instalado num espaço privilegiado, com a ponte e o rio como parceiros. A casa em pedra, que mantém intacta a traça exterior e parece denunciar os antigos usos agrícolas, foi cuidadosamente adaptada à função. Além do espaço de recepção/bar de entrada e da sala de refeições, há também nas traseiras um terraço-esplanada sobranceiro às límpidas águas do Coura e bem na proximidade dos arcos góticos da ponte granítica. Localização soberba para os dias de Verão, mas igualmente muito prazenteira no resto do ano, graças à cobertura e protecções laterais e ao aconchego dos modernos aquecedores-chapéu. O único senão, pelo menos para alguns, é que funciona como espaço de fumadores.

A cozinha apoia-se no receituário regional com alguns apontamentos de modernidade e o serviço segue também as tendências mais actuais. Comedida na sua extensão, a lista propõe meia dúzia de entradas, outras tantas carnes e quatro opções de peixe, sendo complementada por dois pratos fixos por cada fim-de-semana. É nesta oferta variável que encontramos os pratos de maior substância: lombo de porco recheado com farinheira e castanhas, mãozinha de vaca com grão, cabrito assado no forno, tripas à moda do Porto, cozido à portuguesa, rabo de boi estufado com puré, arroz de pato à antiga e feijoada à transmontana. Os preços variam entre os 10 e os 17 euros por dose, sendo que nalguns casos são para duas pessoas.

Mais reduzida é a oferta no sector dos peixes, com duas opções de bacalhau, polvo assado no forno e caril de gambas. Ou seja, sem qualquer peixe fresco.

A mesa começa por ser composta com um conjunto de tacinhas contendo manteiga, manteiga com alho, azeitonas com azeite e orégãos, um paté de azeitonas e outro de mariscos. Há também um cestinho com pedacinhos de broa de milho, pão de agia e tostas. Tudo elegante e bem composto e a deixar sensação de agrado ao primeiro impacto. E como não há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão...

Quanto a entradas (entre 1,5 e 3 euros), provou-se broa frita com alho, alheira grelhada (meia, das genuínas de Trás-os-Montes e sem qualquer acompanhamento) e embrulho de figo com queijo de cabra.

Nos peixes, a escolha foi para o caril de gambas (15 euros), macio, aveludado e de sabor equilibrado. Acompanhou o branco Douro Quinta da Sequeira, com um toque de doçura que o torna pouco convencional, mas que pareceu especialmente adaptado para o nem sempre fácil embate com o caril. Seguiu-se o bacalhau com espinafres (23 euros, para duas pessoas), um gratinado igualmente muito bem cozinhado e a puxar pela textura e aromas frutados do vinho.

Boa surpresa com a açorda de alheira (13 euros, para duas pessoas) que se seguiu. É servida dentro de um pão, juntando à alheira - de genuíno fumeiro transmontano - alguns legumes frescos como grelos, num conjunto sápido e apetitoso. A companhia foi o Reserva Tinto 2005 da Quinta da Sequeira, com concentração, complexidade e taninos vivos e delicioso pós-gosto.

Igualmente muito bem o rabo de boi estufado (12 euros). Cinco horas de tacho para libertar sucos e gelatinas a dar consistência e sabor ao molho espesso com cenoura e pimentos, e a deixar a evidência de haver por ali critério e qualidade culinária.

Nas sobremesas, ficou na memória a tarte de laranja de confecção caseira.

Além da localização privilegiada, o Retiro da Ponte é também um refúgio gastronómico a ter em conta. Embora concentrada no fim-de-semana, a oferta culinária valoriza a cozinha tradicional, com louvável preocupação na utilização de produtos de genuína qualidade. Espaço acolhedor, serviço correcto e afável e preços equilibrados, o que nem sempre acontece nos tempos que correm. Sensata também a lista de vinhos, sobretudo centrada nas regiões do Douro e Alentejo, mas com escassa representação dos verdes, os vinhos da própria região. O que é pena.

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