Visita de Dilma e Lula tem peso simbólico mas Brasil não deverá anunciar ajuda

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Lula ontem num jantar, em Lisboa, com José Sócrates e Mário Soares MIGUEL MANSO

Presidente dá "um sinal" contra os preconceitos brasileiros ao estar no doutoramento honoriscausa de Lula da Silva. Governo admite falar da dívida com delegação brasileira

É "improvável" que o Brasil anuncie a compra da dívida portuguesa durante a visita da Presidente Dilma Rousseff e do ex-Presidente Lula da Silva, segundo especialistas ouvidos pelo PÚBLICO.

A estadia de Dilma em Coimbra e Lisboa, hoje e amanhã, tem um peso simbólico por ser a segunda vez que se desloca ao estrangeiro e a primeira à Europa desde que tomou posse, mas também por homenagear Lula no seu doutoramento honoris causa, ele que nunca foi à universidade.

Quanto ao auxílio à dívida, não deverá haver notícias. "Claro que pode vir um anúncio surpreendente, mas a visita não estava a ser tratada pelo Governo aqui em Brasília como de promoção de negócios, muito menos de apoio financeiro", diz o analista económico Sérgio Leo, baseado em Brasília.

O PÚBLICO sabe, no entanto, que o Governo português não afasta a hipótese de estes assuntos estarem em cima da mesa na visita de Dilma Roussef e Lula da Silva, devido às boas relações económicas entre Portugal e o Brasil e à relação especial de camaradagem, bem como às diligências anteriores de José Sócrates junto da Presidência brasileira. Ontem à noite, Lula dizia, a propósito, que "não pode" já falar em nome do Brasil, mas, ao pronunciar-se sobre a possibilidade de o seu país dar uma mão a Portugal na actual crise financeira, afirmou que "tudo o que pudermos fazer para ajudar Portugal, temos de fazer". Lula sublinharia logo a seguir que o "FMI não resolve os problemas", mas que, pelo contrário, apenas os "agrava".

Leo escreveu sexta-feira, na revista Valor Económico, que "o Governo brasileiro deve rejeitar novo pedido de Portugal para que o Brasil compre títulos da dívida do Tesouro português, como parte do esforço para enfrentar a crise económica naquele país". E ontem mantinha esta previsão.

Então, não havendo assim nada de substantivo a anunciar, porquê manter a ida a Portugal em plena crise política? "É uma visita de carácter pessoal, sentimental", diz Leo. "O plano inicial de Dilma era ir aos Estados Unidos e à China, para afirmar os dois grandes parceiros do Brasil. A visita aos Estados Unidos transformou-se numa visita de Obama ao Brasil. Então, Dilma fez uma visita à Argentina para mostrar que a relação com a América Latina continuava a ser prioridade." E em breve vai à China. "Mas estava faltando a Europa, e surgiu essa oportunidade, uma homenagem a Lula, que no Brasil é vítima de preconceito por não ter título universitário."

Lula é o homem que acreditou em Dilma para Presidente. Acompanhá-lo à cerimónia de Coimbra, respeitada no Brasil como bastião do prestígio académico, "é um sinal que Dilma dá ao público brasileiro", sublinha este analista. Sobretudo num momento em que se especula sobre uma eventual tensão entre o ex-Presidente e a sua sucessora. "A imprensa noticiou que Lula estaria aborrecido com o caminho da política externa, e isso é uma maneira de mostrar que a relação entre os dois está muito forte."

Certo é que a visita foi mantida, apesar da demissão de José Sócrates e do acentuar da crise em Portugal. Mas houve "um temor em Brasília que a viagem fosse encarada como um "sinal verde" à compra da dívida", quando Dilma "não está preparada para discutir isso", reforça Leo. "O Ministério da Fazenda [Finanças] não terminou os estudos [quanto a isso] e o Brasil não está preparado para entrar como player na crise europeia."

O analista Ilimar Franco, da redacção do Globo em Brasília, dá um quadro semelhante: "O Governo de Portugal pediu ao Brasil para adquirir títulos de sua dívida. O assunto está a ser analisado no Banco Central do Brasil. Mas a autoridade monetária do Brasil prevê "certa complicação" [expressão de um assessor de Dilma] nesta operação."

Ainda assim, esta visita pode animar as relações comerciais. "Portugal é estratégico para o Brasil", diz Ilimar Franco. "O comércio entre os dois países saltou de algo à volta de 497 milhões de euros em 2003 para 1,630 milhões de dólares em 2008."

Sérgio Leo reforça: "Não está descartado que Dilma aproveite a viagem para dar um impulso a negócios entre empresas privadas." O Brasil, lembra este analista, já é o quarto maior investidor estrangeiro em Portugal.

Leo escreveu na Valor Económico que durante esta visita "Dilma poderá abordar projectos em estudo por empresas brasileiras, como a instalação, em Portugal, de uma fábrica de "plástico verde", baseado em etanol, para exploração de matéria-prima importada de Angola". E acrescentou: "Os portugueses falam em negócios maiores, porém, como a possível compra, pela Petrobras, de 25 por cento da Galp. O negócio chegou a ser discutido no início do ano, mas aparentemente foi deixado de lado. A compra de parte da EDP pela Eletrobras representaria um desembolso da ordem de 500 milhões de dólares, mas o interesse brasileiro no negócio não é muito."

O gesto de Lula

A questão da ajuda a Portugal colocou-se ainda na Presidência de Lula.

No começo de Dezembro, o ainda presidente aproveitou a cimeira ibero-americana para um encontro com Sócrates e Cavaco, depois de ter falado da disponibilidade brasileira para ajudar Portugal.

Dias depois, o ministro Teixeira dos Santos veio ao Brasil e confirmou ao seu homólogo Guido Mantega o interesse de Portugal na venda dos títulos da dívida. Estávamos então em plena transição, com o executivo Lula a dias de sair, e o Governo brasileiro protelou uma resposta.

A 1 de Janeiro, Dilma tomou posse, Sócrates veio à cerimónia. Dilma terá comunicado ao primeiro-ministro a sua vontade de acompanhar Lula no doutoramento honoris causa. com L.B. e M.J.O.

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