O voluntariado chegou às explicações do 1.º ciclo ao ensino secundário

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Uma capela em Santa Maria da Feira transformou-se num espaço de apoio ao estudo PAULO PIMENTA

Exemplos espalham-se pelo país: pais, jovens licenciados, desempregados e professores disponibilizam tempo para ajudar nos trabalhos da escola

O voluntariado também se faz de explicações. Em Santa Maria da Feira, uma capela transformou-se num espaço de apoio ao estudo. Em Torres Vedras, 35 pais percorrem três freguesias para ajudar 80 alunos. Em Lisboa, há pais e professores que se voluntariam para explicar a matéria num bairro social.

É sábado de manhã, o Dia da Mãe aproxima-se, e entre explicações e preparação para os testes metem-se as mãos em tintas e massas para fazer corações, borboletas, flores, caranguejos. A capela de São Bento, na vila de São João de Ver, Santa Maria da Feira, fechada há mais de 40 anos, é agora um espaço de aprendizagem com salas separadas por painéis de madeira decorados com fotos, desenhos e palavras que explicam os objectivos do projecto Aprender é Crescer, que arrancou no final de Novembro.

De segunda a sábado, 11 jovens voluntários, licenciados, desempregados, estudantes e uma professora reformada acompanham o estudo de 32 alunos. Mais de 80% moram no bairro social da freguesia.

A ideia partiu do movimento sociocaritativo da paróquia, que decorou a capela, resguardou o altar e usa a sacristia para uma feira social. Quem anda no terreno facilmente percebe as dificuldades. "Há famílias que precisam deste apoio, que não têm capacidade financeira nem conhecimentos suficientes para acompanhar os filhos ou pagar explicações", conta Alice Vidinha, do movimento paroquial. "Não queremos fazer da capela um bairro social. O centro da nossa acção é a inclusão social, queremos ajudar as famílias para que as suas crianças cresçam", explica.

Na sexta-feira, na oficina de artes plásticas, os irmãos Jessica, de sete anos, e Alexandre, de nove, preparam uma borboleta para a mãe. No sábado, com o livro de Matemática aberto, numa sala improvisada ao lado do altar, é hora de rever a matéria dada e fazer os trabalhos de casa. "Quando andava no 2.º ano não tinha explicações e ia para a piscina", diz Alexandre. A mãe, Diana Ferreira, espera-os lá fora: "É uma boa ajuda. Aqui, ajudam-nos a fazer os trabalhos de casa e nas actividades".

"Detesto Matemática"

Rita, oito anos, anda no 3.º ano e tem o caderno aberto com as frases dos problemas de Matemática para resolver. Uma dor de cabeça: "Detesto Matemática". Gosta de tudo o resto. "Dantes ia para casa depois da escola, mas gosto mais de vir para aqui."

Na mesa estão Catarina Ferreira, 23 anos, licenciada em Psicopedagogia Clínica, a trabalhar como auxiliar de acção educativa num infantário, e Sofia Catarina, 29 anos, educadora de infância desempregada. Acompanham o 1.º ciclo, dão prioridade aos trabalhos de casa e, se há tempo, investem em exercícios para estimular o raciocínio.

Ana, 15 anos, anda no 10.º ano, quer seguir Saúde, e vai à capela para as explicações de Matemática e Físico-Química. "Noto melhorias. Em termos de raciocínio, este apoio tem-me ajudado bastante." Os restantes três alunos do 10.º ano não andam na mesma turma de Ana. "Damos a mesma matéria, discutimos os exercícios e ajudamo-nos uns aos outros. Este projecto de aprendizagem é uma mais-valia para o nosso futuro: além de crescermos como estudantes, estamos a desenvolver-nos como pessoas", diz a aluna.

Paulo Ricardo, 26 anos, licenciado em Psicologia, tem um part-time numa escola e é um dos voluntários. Ensina História e Ciências ao 2.º e 3.º ciclos. As tardes são passadas na capela à volta dos livros. Nem sempre é fácil. "Ensinar é cada vez mais difícil, mas é gratificante motivá-los para o estudo e ver a evolução dos resultados."

Que o diga Eduarda, 12 anos, a estudar no 5.º ano. De cinco negativas no 1.º período passou para três no 2.º. "E foi graças às actividades aqui na capela, eles puxam por nós", conta.

Leandro Moreira, 21 anos, está a terminar uma disciplina do curso de Enfermagem e dá explicações de Matemática. "Não sigo um método." Revê a matéria dada, explica a teoria, insiste nos exercícios e, se sobra tempo, prepara a matéria que se segue na escola. "E trago exercícios, preferencialmente os que sei em que vão ter mais dificuldades."

Pais que são explicadores

Mais a sul, também há explicações gratuitas em espaços cedidos pelas juntas de freguesia, associações e colectividades. Uma vez por semana, ao final da tarde, durante hora e meia, 35 pais-explicadores espalham-se por três freguesias de Torres Vedras (Maceira, A-dos-Cunhados e Silveira) para acompanharem o estudo de 80 alunos do 5.º e 6.º ano.

"Fomos percebendo que havia crianças que precisavam de apoio, não necessariamente por questões financeiras, mas porque os pais têm mais do que um emprego ou dificuldades em acompanhar os estudos", conta Luís Marinho, da direcção da Associação de Pais do Externato de Penafirme e coordenador do projecto de voluntariado Estudar Dá Futuro, que surgiu em Fevereiro. Os pais, a maioria com licenciatura, disponibilizam o tempo que lhes resta. "A esmagadora maioria tem muito que fazer mas, ao final do dia, esses pais têm o desejo de ajudar."

Luís Marinho destaca "o ciclo virtuoso" do projecto, que funciona numa "lógica integrada". "Os pais ajudam nos trabalhos de casa, dão apoio ao estudo e, mensalmente, é feito um relatório da performance do aluno que é partilhado com o encarregado de educação." São dadas orientações para investir na área em que são detectadas mais dificuldades e que haja um contacto com o director de turma. As instruções da escola acabam por funcionar como um guia e os pais sabem assim em que matérias devem insistir. O ciclo fecha-se.

O projecto tem também uma equipa móvel de pais que percorre as salas das três freguesias para aplicar jogos pedagógicos que, além de ensinar, trabalham a atitude, a resiliência, a organização do estudo.

Um clube nas Galinheiras

Em Lisboa, há um clube de apoio ao estudo que não cobra um cêntimo. O Clube 10/14 funciona no bairro das Galinheiras desde Outubro de 2008, numa iniciativa do Colégio do Sagrado Coração de Maria (CSCM). Neste momento, 34 alunos, com idades entre os 10 e os 14 anos - daí o nome do clube -, são apoiados nos trabalhos da escola, acompanhados ao nível das atitudes e comportamentos e têm actividades desportivas e culturais fora das instalações do Centro Social e Paroquial das Galinheiras.

Os dois alunos que mais se destaquem na escola e no clube têm direito a uma bolsa de estudo. A bolsa anual pode tomar várias formas: pagamento de aulas desportivas, material escolar, uma verba para uma visita de estudo ou até mesmo uma comparticipação na liquidação da renda de casa. "Não damos dinheiro às famílias, mas criamos uma comparticipação na área da educação", adianta Luís Pedro Sousa, do CSCM e coordenador do clube nos três primeiros anos.

Há quatro anos, uma equipa da direcção do Sagrado Coração de Maria foi ao bairro das Galinheiras tentar perceber qual era a necessidade mais premente. Os subsídios para os ATL tinham terminado e assim surgiu o Clube 10/14. O insucesso escolar também não passou despercebido. A paróquia cedeu um espaço, a associação de pais mobilou o local e o colégio tratou do material necessário. Um grupo de 30 voluntários constituído por 12 professores do colégio, habituados a dar aulas a alunos de elevados estratos socioeconómicos, e ainda por ex-alunos, pais e freiras organiza-se para as explicações durante a semana das 16h30 às 19h00. "Não temos professores a trabalhar com mais de três alunos", informa Luís Pedro Sousa.

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