Nas escadas houve bolo e champanhe mas o que todos agora querem é poder ter filhos

Foto
Ontem, o beijo nupcial foi ainda uma representação teatralizada rui Gaudêncio

Há um ano, Raquel Freire e Joana Manuel estavam vestidas de noivas, a segunda já de barriga. Ontem, escolheram vestidos normais e no carrinho de bebé vinha a filha. Deram os beijos da praxe para as câmaras e só ficaram embaraçadas quando um jornalista espanhol lhes perguntou: "E agora vão casar-se? Vivem juntas? Namoram?" A resposta é "não" a todas. Então são o quê? "Somos apenas amigas."

Ambas estavam ali a representar "numa acção política" - a barriga era uma almofada; a filha, uma boneca de pano; elas não são lésbicas -, mas são, há anos, acérrimas apoiantes dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros. Elas e as várias dezenas que se juntaram frente ao Parlamento para um brinde pela aprovação dos casamentos homossexuais, e em protesto pela discriminação criada com a proibição da adopção.

"Uma enorme alegria e uma dose de frustração" foi o que sentiu Fabíola Cardoso, do Clube Safo: "A sociedade será mais livre e justa. Mas é urgente que se substitua a discussão da adopção pela da parentalidade." Activista há 20 anos, diz que é impossível impedir gays e lésbicas de serem pais e mães - seja qual for o método. "Muitos já o são e mais o vão ser. Só quem vive com eles é que não. E essa situação tem que ser acautelada."

"O casamento é um passo importante, mas o PS inventou um obstáculo artificial; não era obrigado a trazer para a ribalta a questão da adopção", afirma Joana Manuel, que diz ter "medo desta inconstitucionalidade que pode fazer a lei vir para trás e o PS depois desistir dela". Raquel é mais directa: "A adopção depende apenas da vontade política. Pode demorar dois ou 20 anos. Por mais que o PS diga que zela pelos direitos das crianças, hoje provou que isso é mentira!"

Depois do brinde veio o bolo - de dois andares, branco, com quatro noivos -, e por ali passaram, entre outros, o deputado do PS Miguel Vale de Almeida e vários rostos de movimentos que encheram dois terços das galerias da AR, como a historiadora e prémio Pessoa 2007 Irene Pimentel, a artista plástica Ana Vidigal - não se cansava de repetir que ontem foi "o 25 de Abril das lésbicas e dos gays" - Sérgio Vitorino das Panteras Rosa ou Paulo Vieira da Não Te Prives.

Nas galerias tinham estado, por exemplo, a eurodeputada Edite Estrela, Ana Matos Pires (psiquiatra), Fernanda Câncio (jornalista), Isabel Moreira (constitucionalista) ou Eduardo Pitta (escritor), todos do Movimento pela Igualdade do Casamento entre Pessoas do Mesmo Sexo -, mas ninguém pôde manifestar-se dentro do edifício. Por mais de uma vez as mãos que abanaram no ar em substituição das palmas foram logo mandadas baixar pela polícia. Os agentes estavam de tal modo zelosos que um deles abordou Teresa Pires e Helena Paixão - o casal de lésbicas que em 2006 se tentou casar no Registo Civil - para lhes pedir que não dessem beijos, contou Helena já na rua. Aos jornalistas o agente explicou depois que actuou "por prevenção".

Sugerir correcção