"Rei Ghob" responde a partir de hoje por quatro homicídios sem cadáveres

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Francisco Leitão vivia numa casa acastelada Rui GaudÊncio

Pistas recolhidas pela Polícia Judiciária foram consideradas suficientemente fortes para levar o sucateiro de Carqueja a tribunal de júri. Francisco Leitão está preso desde Julho 2010

Francisco Leitão, vulgarmente conhecido por "Rei Ghob", começa hoje a ser julgado no Tribunal de Torres Vedras. Enfrenta uma acusação de quatro crimes de homicídio. Quatro presumíveis mortes e nenhum cadáver. Preso desde Julho de 2010, nunca admitiu ter morto ninguém, remetendo-se sempre ao silêncio durante os interrogatórios judiciais. Essa deverá continuar a ser a estratégia da defesa.

Caberá aos oito eleitores da zona de Torres Vedras, escolhidos há cerca de um mês para integrarem o júri do julgamento, ditar o futuro do sucateiro da localidade de Carqueja, de quem se diz ter morto em 1995 um homem da terra conhecido como "Pisa-Lagartos" e, mais tarde, em 2008 e 2010, ter assassinado, supostamente por ciúmes, duas raparigas e um rapaz que consigo conviviam regularmente.

"Ghob, rei dos gnomos" e figura ímpar na localidade onde vivia devido a um sem-número de excentricidades ­- vivia numa casa acastelada rodeada por câmaras de filmar e cujos jardins e recantos estão pejados de esculturas de santos, anões e figuras míticas - arrisca ainda a condenação por crimes de ocultação de cadáver (quatro) e falsificação de documentos.

Quando, a 20 de Julho de 2010, os inspectores da Unidade Nacional Contra o Terrorismo (UNCC) da Polícia Judiciária (PJ) o detiveram, acreditava-se que viesse a confessar os homicídios de Ivo Delgado e Tânia Ramos, que mantinham uma relação amorosa (sendo que o rapaz também já tivera um caso homossexual com o sucateiro), e que também assumisse a morte de Joana Carreia, que fora namorada de um jovem com quem Francisco Leitão também quereria juntar-se. Nada mais errado. Mais de 18 meses decorridos, nunca nenhum dos corpos foi sequer encontrado.

A acusação vai apresentar-se no tribunal com alguns trunfos fortes. A PJ, mesmo não tendo logrado descobrir o paradeiro dos cadáveres, terá conseguido reconstituir alguns dos passos das vítimas em conjunto com o sucateiro. Na bizarra casa deste terão sido apreendidos alguns objectos que poderão ter causado a morte dos jovens. Os polícias terão ainda encontrado cartões de telemóveis furtados às vítimas. Depois, há ainda que tentar compreender para que servia, por exemplo, uma espécie de cárcere privado cuja entrada estava dissimulada com entulho e velharias.

Leitão, que gostava de se assumir como uma divindade suméria mas que também era conhecido pela vizinhança como "Chico Avião", por conduzir sempre a alta velocidade, vivia rodeado de gente jovem. Na sua casa acastelada (antes de a herdar por morte dos país era apenas um velho barracão onde se guardavam alfaias agrícolas) vivia-se um ambiente quase medieval. "Ghob" era o rei e senhor e os amigos, a quem dava comida, bebida e dormida, acompanhavam-no nas suas fantasias, fossem elas sexuais ou de carácter mítico cinéfilo, conforme o comprovam dezenas de filmagens que colocaram na Internet. Em algumas surgia a pairar, qual alma penada, sobre as campas de um cemitério. Noutras anunciava, com voz cómico/grave o fim do mundo e o castigo dos pecadores.

As mortes dos jovens, acredita a PJ que as terá cometido por ciúmes. Não terá gostado que Ivo, com quem se terá relacionado sexualmente, começasse a namorar com Tânia e terá acabado com a relação matando ambos. Aos pais do rapaz contou que o mesmo estava a trabalhar, para si, em Espanha, para onde foi obrigado a levá-lo para assim se livrar de um pretenso problema relacionado com a falta ao serviço militar. Tão convincente terá sido que chegou mesmo a convencer os pais de Ivo a entregarem-lhe dinheiro e comida, bens que ele mesmo faria chegar ao jovem.

"Ghob" preso em Lisboa

Numa ocasião, ao volante do seu carro, acompanhado do pai do rapaz, já dentro de uma cidade do Sul de Espanha, acabou por cancelar a viagem que ambos haviam programado, dizendo que acabara de ver, no sentido contrário, Ivo ao volante de um outro carro.

Quanto a Tânia, a versão que fez correr em Carqueja foi a de que teria partido para França, aonde fora procurar uma vida mais desafogada financeiramente. Com o cartão do seu telemóvel terá mesmo feito chegar aos familiares algumas mensagens informando que tudo estava bem.

Foi, no entanto, com o desaparecimento de Joana, de 17 anos, em 2010, que as suspeitas mais se adensaram em seu redor. Se nos casos anteriores não havia registo de participações, desta feita o nome do sucateiro foi por diversas vezes aventado nas conversas com os investigadores da PJ. Esta jovem, com quem costumava trocar dezenas de mensagens diárias por telemóvel, estaria a iniciar uma relação amorosa com um rapaz que Francisco Leitão também desejava. Matá-la terá sido a solução encontrada.

Buscas exaustivas nos pinhais, no mato, no triângulo constituído por Lourinhã, Torres Vedras e Peniche, não levaram os inspectores da PJ a outras novas pistas dos desaparecidos. "Ghob", numa cela do Estabelecimento Prisional de Lisboa, nunca colaborou, mas também nunca conseguiu convencer os médicos de que será inimputável, pelo que em tribunal não terá eventuais perdões por, supostamente, sofrer de alguma anomalia psíquica.

Resta, para o fim do caso, a morte do idoso de Carqueja que todos conheciam por "Pisa-Lagartos". Desapareceu em 1995 e Francisco leitão até terá sido interrogado num inquérito então levantado pela GNR. Agora, mais de 15 anos decorridos, a PJ acredita que o sucateiro o poderá ter morto e feito desaparecer o corpo, talvez do mesmo modo como desapareceram Ivo, Tânia e Joana.

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