Um debate europeu decisivo

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O Conselho Europeu de hoje e amanhã vai discutir um roteiro para reformar e completar a União Económica e Monetária, que será decisivo para ultrapassar a crise da zona euro.

Depois de três anos em que as medidas adoptadas estiveram sempre aquém do necessário, deixando a crise alastrar, estão finalmente em cima da mesa propostas de grande alcance, em cujo debate Portugal deve intervir activamente.

A verdadeira natureza desta crise começa finalmente a ser reconhecida. Ela não é apenas uma soma de algumas crises nacionais por uma ou outra razão, seja ela disciplina orçamental, excessos bancários ou falta de competitividade. Ela é também o resultado da crise financeira excepcional que deflagrou em 2007 e que veio tornar mais evidentes as falhas preexistentes na própria construção da UEM: a zona euro é a única zona monetária dotada de política monetária central, mas sem capacidade orçamental central que possa defender os seus Estados-membros contra choques assimétricos. Supunha-se que esse seria o papel dos orçamentos nacionais, mas eles deixam de poder desempenhá-lo quando devem agora fazer um esforço consistente de redução da dívida pública. A promoção do investimento público passa a requerer instrumentos europeus mais fortes, mais propriamente, um orçamento da zona euro que complemente os nacionais.

Acresce ainda que a crise da zona euro revelou que ela não tem meios de gestão conjunta da dívida pública que permitam aos seus Estados-membros emitir dívida a custos razoáveis e garantir as funções fundamentais do Estado numa economia social de mercado.

Finalmente, a crise da zona euro levou à fragmentação do sistema bancário segundo fronteiras nacionais, travando a circulação de recursos financeiros e o acesso ao crédito em muitos países - um bloqueio que só pode ser agora vencido pela construção de uma verdadeira união bancária.

O roteiro que está agora em cima da mesa, apresentado pelos quatro presidentes das instituições europeias, propõe instrumentos europeus de maior porte, mas é também preciso entender as contrapartidas que serão pedidas aos Estados-membros.

Na união bancária, a protecção harmonizada dos depósitos bancários e a criação de um fundo de resgate bancário que não onere os cidadãos estarão dependentes de os Estados-membros aceitarem que os seus bancos passem a ser supervisionados e condicionados pelo Banco Central Europeu

Na união económica, o acesso aos meios do orçamento comunitário e do orçamento específico da zona euro que poderá ser-lhe somado, dependerá da capacidade de o país se conformar às recomendações que lhe serão dirigidas pelas instâncias europeias relativamente aos seus programas nacionais de reformas e aos seus desequilíbrios macroeconómicos, sejam eles défice externo, falta de competitividade ou desemprego.

Na união orçamental, a possibilidade de recorrer a instrumentos de emissão de dívida pública a custos mais razoáveis estará dependente de o país se ajustar aos objectivos de consolidação orçamental prefixados com as instâncias europeias.

Portugal tem obviamente um interesse vital nesta discussão. Mas, por isso mesmo, tem que estar activo num momento em que as novas regras para os próximos anos (porventura décadas) vão ser definidas. Na perspectiva portuguesa, deveria ser fundamental que estas regras sejam definidas por forma a reduzir a lógica intergovernamental nas tomadas de decisão, já que ela só favorece os países mais fortes. O chamado método comunitário, baseado na iniciativa da Comissão Europeia e valorizando o papel do Parlamento Europeu, é o método que melhor pode promover a igualdade dos Estados-membros e dos cidadãos europeus, hoje muito degradada.

Mas a ideia fundamental que Portugal deve levar a este debate, que será histórico e decisivo para o futuro da Europa, é a ideia da convergência como princípio fundamental da construção europeia. Convergência no sentido amplo, não só visando défices e dívidas públicas mais reduzidos e sustentáveis, mas também convergência para custos de financiamento público e privado mais razoáveis e, sobretudo, convergência para níveis de crescimento, investimento, emprego mais elevados, assim como para melhores padrões sociais e ambientais. Este princípio amplo de convergência exige certamente esforços e responsabilidade elevados por parte dos Estados-membros, mas também uma solidariedade mais profunda e sem falhas pelo lado europeu.

Mais uma vez, a visão portuguesa pode contribuir para empurrar a construção europeia no sentido do verdadeiro interesse comum e, por isso, Portugal e os portugueses devem estar atentos e activos no desenho desta nova etapa da integração europeia.

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