Reforma eleitoral: um desafio a Helena Roseta

Juntemo-nos porque, como escreveu, há um "bloco central de interesses" que é preciso desmontar, e antes que seja tarde

Helena Roseta escreveu neste jornal sobre "Partidos e Movimentos". Partindo da sua experiência de democracia participativa (o movimento formado em torno da candidatura de Manuel Alegre), interroga-se sobre como poderia esta "contribuir para a reforma da democracia representativa". Evocando a "erosão da confiança nos representantes" que caracteriza os nossos actuais sistemas políticos, atinge o cerne do problema democrático de hoje: como nos podemos assegurar "vigilância sobre os eleitos, poder de impugnação e poder de julgar". Enumerava também as limitações dos sistemas partidários, de cuja reforma não "se vê sinais entre nós". Lucidamente afirmava que estes limites "podem e devem ser combatidos por dentro e por fora". Enumerando as dificuldades que os movimentos cívicos encontram durante e após as campanhas em que se envolvem, constatava que "a agenda informativa, nomeadamente a televisiva, está ela própria confiscada pelo monopólio partidário". E concluía que não se podia falar em reforma do sistema de representação ignorando o estado de coisas descrito "nem omitindo a reforma das leis eleitorais". Desde 1997 que integro um grupo de cidadãos que tem estado presente em todos os grandes debates de civilização trazidos por questões da actualidade política. Os números são expressivos. As petições populares reuniram entre 30 mil encarregados de educação (pela liberdade na educação sexual) e 82 mil cidadãos (e um terço dos deputados de então) na reivindicação da referência ao cristianismo na Constituição europeia. Duas petições populares de referendo com 65 mil subscrições em 2001 (sobre a despenalização do consumo da droga) e 80 mil assinaturas em 2006 (sobre a procriação artificial). Por ocasião de um debate parlamentar (em 2004), dá mesmo entrada no Parlamento uma petição (Mais Vida Mais Família) que é a maior já entregue na Assembleia desde sempre: 217 mil assinaturas angariadas num mês (até hoje nunca discutida em plenário...). Votações superiores a um milhão e meio de eleitores em dois referendos sobre o aborto (em 2007 mais 200 mil votos que em 1998 e entre estes um terço dos que votavam pela primeira vez). Nesta última campanha pelo "não" os grupos cívicos que o defendiam eram três vezes mais numerosos que os da posição contrária. Destas movimentações nasceram dezenas de associações e o trabalho de assistência social ou formação atingiu milhares de famílias, mulheres e crianças.
Promovem estas iniciativas gente muito diversa, de diferentes partidos (embora na sua esmagadora maioria desconfiados da política partidária), muitos dos quais oriundos da militância católica, de instituições de solidariedade social e dos sectores da cultura e da educação. O nosso diagnóstico sobre a fragilidade do sistema democrático e a asfixia do pensamento independente é o mesmo de Helena Roseta.
A eleição dos deputados de cada partido num sistema de primárias, a existência de círculos uninominais (onde se possam candidatar independentes), a possibilidade de na lista apresentada a sufrágio escolher o candidato da nossa preferência, o tratamento democrático e equitativo de todas as candidaturas pela comunicação social, o fim de um regime absurdo de referendo em que este só tem lugar se os partidos concordarem com ele, o financiamento das campanhas referendárias nos mesmos termos das campanhas eleitorais, são algumas das medidas que tornariam possível o reencontro entre as movimentações destes e de outros cidadãos e os partidos políticos, o reencontro da democracia participativa com a representativa.
Nestes ou noutros termos quer Helena Roseta dar o seu "possível contributo para a abertura e modernização do sistema político democrático", aceitando que, para além das nossas diferenças, sentemos à mesa estes e outros movimentos cívicos e, por dentro (nos nossos respectivos partidos) e por fora, façamos o que pudermos para que a reforma do sistema eleitoral não seja mais uma ocasião perdida? Porque, como tão bem escreveu, há um "bloco central de interesses" que é preciso desmontar, antes que seja tarde. Dirigente de movimentos cívicos desde 1997

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