O gap salarial entre gestor e empregado

Nos EUA, um gestor ganha 231 vezes mais do que o trabalhador. Em Portugal, o hiato já é de 44

Entre os anos 1960 e hoje, Portugal evoluiu muitíssimo. Deixou de ser um país fechado e triste, com uma população rural e analfabeta, terríveis taxas de mortalidade infantil e as mulheres sem direito a votar, viajar ou ter uma profissão. Mas os impressionantes progressos deste meio século não alteraram uma realidade: somos o país com a maior desigualdade social da União Europeia.

É neste contexto que devem ser lidos os números que hoje divulgamos sobre o que ganham os gestores das maiores empresas do país - as 20 cotadas em bolsa - e o que ganham em média os outros trabalhadores dessas empresas.

Hoje, o hiato é de 44, ou seja, os presidentes das empresas do PSI-20 ganharam 44 vezes mais do que os seus trabalhadores. O nosso gap aumentou 18,2% em dois anos, passando de 37,5 em 2010 para 44,3 vezes em 2012.

Há que olhar para estes números com serenidade. É demagógico - e portanto inútil - escandalizarmo-nos de braços no ar porque o CEO de uma grande empresa tem um salário muito mais alto do que a média dos seus empregados. É normal que o gestor de uma cadeia de supermercados, por exemplo, ganhe muito mais do que o caixa ou o arrumador dos congelados.

Mas a desproporção não deve ser tabu nem encarada como uma inexorável face do capitalismo. A disparidade salarial - e o facto de ter aumentado ainda mais quando o país vive a pior crise de sempre - mostra que é certeira a intuição que nos diz que a crise aumenta as desigualdades sociais.

É difícil definir o ratio ideal, ou seja, o gap justo entre o que os gestores e o resto da empresa devem ganhar, precisamente porque as empresas são muito diferentes e têm vidas e histórias diferentes todos os anos. É o caso da PT, cujos números não podem ser observados sem se ter em conta o facto de ter comprado a Oi e, por isso, ter ganho 72 mil novos trabalhadores, sendo que no Brasil os salários são mais baixos. O mesmo se aplica à Jerónimo Martins, que tem parte do negócio na Polónia. Ou seja, o gap ideal depende do tipo e do lugar do negócio.

Mas não podemos apenas encolher os ombros. O debate sobre a incapacidade de as empresas se auto-regularem ou a necessidade de haver uma regulação externa deve existir e já está em cima da mesa em alguns países europeus. Há com certeza regras que podem ser definidas. É justo uma empresa despedir muitos trabalhadores e a seguir aumentar os prémios dos seus administradores? Faz sentido um banco com milhões de prejuízo (e que terá sempre a rede do Estado) dar um bónus de milhões ao seu CEO?

Esta é uma inquietação do nosso tempo. E assim deve ser. A vontade de gerar lucro - legítima e fundamental para o desenvolvimento - tem que ser acompanhada pela preocupação ética de diminuir as desigualdades e contribuir para uma sociedade mais justa. Temos que lutar para que o capitalismo que alguns já chamam "de casino" vá sendo corrigido - e não potenciado.

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