Na Madeira a procissão ainda vai no adro

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"As grandes empresas de construção civil que concluíram algumas das grandes obras recentes ainda não efectuaram a respectiva facturação, porque o governo regional não tem capacidade financeira para as pagar, aguardando momento "oportuno" para as apresentar."

Esta afirmação foi feita pelo ex-líder do PS-Madeira João Carlos Gouveia, em 2009, num processo judicial que lhe foi movido pelo presidente do governo regional, tendo acrescentado logo a seguir no mesmo documento: "Toda esta situação é agravada pela ineficácia da actuação do Ministério Público na Região Autónoma da Madeira em relação à corrupção, como foi denunciada pelos oposicionistas regionais, face à pressão do poder político regional sobre os magistrados judiciais e do Ministério Público."

Os recentes acontecimentos na Madeira, com o desencadear da operação Cuba Livre, parecem confirmar plenamente as preocupações e denúncias do ex-líder do PS-Madeira e só não é de afirmar que revelam uma grande presciência da sua parte, porque, na verdade, o "estratagema" das "facturas não facturadas" da Madeira era, se não um facto público e notório, pelo menos, um segredo de polichinelo.

Esta operação é o primeiro facto público de um inquérito-crime aberto pela Procuradoria-Geral da República, em 29 de Setembro de 2011, depois de ser ter tornado oficialmente pública a existência de uma "dívida oculta" da região autónoma da Madeira, e não pode deixar de se sublinhar o facto de o DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal) que dirige a investigação, ter optado por recorrer à GNR, em vez de, como parece que seria natural, recorrer à Polícia Judiciária local. A confiança não deve ser muita ...

A procissão ainda vai no adro - e não sabemos se alguma vez daí sairá... -, mas vale a pena, desde já, registar o teor do comunicado imediatamente emitido pelo Gabinete da Presidência do Governo Regional da Madeira: "1. Um órgão de investigação criminal da República Portuguesa, denominado DCIAP, instaurou um inquérito ao que ele próprio inespecificamente denominou de "contas da Madeira". 2. Não está em causa tal direito. 3. Mas o Governo Regional da Madeira protesta pela falta de discrição verificada e pelo alarme social estabelecido na operação montada no edifício da antiga Secretaria Regional do Equipamento Social, passível de análise política no momento que decorre, bem como questiona a utilização da Guarda Republicana para o efeito, dadas as suas limitadas competências no território autónomo, bem como a existência de outras instituições policiais com provas dadas neste domínio."

Independentemente de toda a forma como está construído o comunicado, que daria para fascinantes análises metalinguísticas, não pode deixar de se sublinhar a frase "passível de análise política no momento que decorre". Se é certo que tudo é passível de análise política no momento que decorre e a frase poder ser entendida como uma lapalissada, não nos parece crível que seja esse o sentido com que a frase é inserida no comunicado.

A aperfeiçoada arte de elaborar os comunicados oficiais e as ex-notas oficiosas do governo regional madeirense sugerem-nos que se pretende, desde já, insinuar a existência de uma cabala política quanto a esta investigação criminal. Algo de habitual na boca de qualquer arguido, nomeadamente dos mais mediáticos, mas que não podemos deixar de estranhar e de sublinhar quando consta de um comunicado oficial.

Seguiu-se a este comunicado - notável pelo que nele se diz e não se diz - o Despacho n.º 13/2012 do presidente do governo regional que igualmente transcrevemos na íntegra para não perder nada do seu sabor:

"Dados os factos hoje ocorridos no edifício da antiga Secretaria Regional do Equipamento Social, determino ao Senhor Vice-Presidente do Governo Regional, neste Executivo com a tutela dessas instalações, que mande proceder a um inquérito para apuramento do seguinte: a) Se os agentes intervenientes estavam munidos de mandado legal para o sucedido; b) Se houve alguma situação que possa ser configurada como sequestro."

Para além da ideia da "cabala", temos já lançada a estratégia do contra-ataque: ao inquérito criminal conduzido pelo DCIAP responde o governo regional com um inquérito governamental quanto à actuação das autoridades judiciárias e policiais. O que não sendo, por si só, censurável não deixa de ser também revelador do estado a que chegaram as relações ... dentro do nosso Estado.

De resto, o presidente do Governo Regional da Madeira foi claro ao escrever no seu jornal, no passado dia 25 de Abril: "O regime falhou, ante um silêncio de cemitérios nas instituições que fizeram Portugal. Ao regime digo NÃO e dou um Viva a um 26 de Abril." Esperam-se, assim e em breve, momentos de elevado patriotismo.

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