Engano Vital

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Um texto de Vital Moreira neste jornal desferiu um violento ataque contra o Colégio Militar, defendendo radicalmente a sua extinção. Vital Moreira entende que o CM, os Pupilos do Exército e o Instituto de Odivelas constituem, e cito, "instituições de classe". Vários antigos alunos do CM responderam, tomando a honra da casa. Não é esse o meu objectivo. Os argumentos de Vital Moreira são previsíveis mas, pior que isso, insistem no habitual dirigismo e engenharia igualitária que caracterizam a sua visão da escola pública.

Com a redacção dedutiva dos professores de Direito, Vital Moreira começa por dizer que não se podem admitir "escolas oficiais para alunos oriundos de determinada classe ou profissão". Vital Moreira ressalva, em rápido parêntesis, que não ignora que o CM é aberto ao exterior. Mas não aprofunda em que termos, nem tira consequências. Bem mais de metade dos alunos do CM (numa proporção acima dos 70%) são, de facto, filhos de civis, sem ligação familiar ou profissional às Forças Armadas. O CM não pode, por isso, ser visto como "uma escola privativa de casta". E nunca foi menos corporativo do que hoje.

A falsidade dessa premissa destrói as deduções extintoras de Vital Moreira. Se uma das três escolas militares está aberta ao exterior, é um completo non sequitur querer extingui-la sob o argumento de que o seu recrutamento é "subjectivamente exclusivo". E, quanto às outras duas escolas, seria de uma gratuita desproporção eliminá-las com esse argumento quando existe a alternativa de as abrir a alunos civis.

Mas Vital Moreira não desarma. Tenho consideração pelo Prof. Vital Moreira, mas estamos aqui a lidar com os seus fantasmas ideológicos. Diz ele que a existência destas escolas de "classe" oficializa uma arcaica separação entre uma "sociedade militar" e uma "sociedade civil". Palavra de honra que não conheço, nem nunca conheci, uma "sociedade militar". Vital Moreira podia ter inquirido junto destes muitos civis o que os levou a confiar os filhos ao CM. Com certeza que não é o desejo de usufruírem de "prerrogativas de casta".

Alega também que "não consta das missões das Forças Armadas ministrar ensino aos filhos dos seus membros e muito menos a outras classes". Temos depois um problema mais sério e não é constitucional. O CM nasceu porventura 140 anos antes do Prof. Vital Moreira. Ensinou inúmeras gerações de portugueses anteriores ao Prof. Vital Moreira. Tem uma empenhada associação de antigos alunos que envergonha as associações, inexistentes, de outras escolas públicas, que correspondem ao modelo chapa 5 do Prof. Vital Moreira. Em 2011, centenas de famílias continuaram a escolher o CM contra a opinião do Prof. Vital Moreira. Não estou a atirar a tradição contra a razão, coisa aliás plausível. Estarei talvez a dizer que a sociedade parece satisfeita com aquilo que o Prof. Vital Moreira execra.

Na realidade, ao titular o seu texto por Instituições de classe, parece-me que Vital Moreira não tinha apenas em mente a "classe" como "corporação" ou "estatuto". A fronda é social e ideológica. O CM começou por ser uma das escolas naturais para formar os filhos da aristocracia e das elites. Só que até isso mudou.

No seu livro, aliás excelente, A Direita e as Direitas, Jaime Nogueira Pinto comenta de passagem que o CM deixou de ser a escola procurada pelas classes altas. Isso significa que não há nada de verdadeiramente "paralelo" e "exótico" no CM, a não ser que consideremos exótica a liberdade de uma escola definir regras educativas próprias. Pelo contrário, com a composição interclassista da melhor escola pública, o CM tem feito muito pela mobilidade social dos seus alunos.

O que impressiona em Vital Moreira é aquilo a que podemos chamar a velha ambição de uniformidade no ensino público. Vital Moreira pretende que a obrigação do ensino público universal gera necessariamente uma escola pública uniforme e estandardizada. Falta-me espaço para explicar por que é que nada disso existe, por que é que as melhores escolas públicas são as capazes de transformar o seu ensino numa experiência distintiva. Precisamente, o sucesso do CM tem sido proteger e vincar a sua diferença. Jurista

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