Em busca do tesouro perdido

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Comemorou-se por estes dias uma década de classificação do Alto Douro Vinhateiro como Património Mundial. Só é pena este Douro do final de 2012 estar falido. É evidente que a crise que nos afecta tem o seu papel nesta falência, mas não é o de protagonista.

Sendo Património Mundial, a mais antiga região demarcada do mundo, objecto de adjectivação superlativa por gurus do mondovino, cruzamento de magotes de Barcos do Amor que sobem e descem o Douro, nada pode esconder a triste e pobre realidade em que a região vive hoje. Uvas que ficaram nas videiras, dado os lavradores não poderem permitir-se a última despesa que é a vindima e se resignaram a perder todo o investimento anterior neste ciclo produtivo, é algo nunca visto mas que se viu. A prova, cruel, de que não é apenas mais um dos ciclos da região e do sector dos vinhos. É um bater no fundo, bem lá no fundo. Faz estremecer e, eventualmente, ruir.

Perceber como aqui chegamos é necessário para reescrever o enredo que nos leve a um final feliz. Há que encontrar uma forma sustentável, não há outra, de desenvolver o Douro nos planos ambiental (em sentido lato), social e económico.

Desde há muito que os durienses pensam que os exportadores são os seus inimigos. Sim, e pasme-se, este nome, "exportadores", é considerado pejorativo no Douro. Ora, pretender desvalorizar a actividade comercial de Gaia que levou o vinho do Porto a tantos países, cidades, pessoas é um erro colossal. A ideia em si e, ainda mais, toda a estrutura que a criou e se alimentou, de forma parasita, desta pretensa guerra de interesses são duas das causas do descalabro.

A falta de organização dos viticultores durienses é outro dos problemas graves e por isso assistimos permanentemente à reposição do velho filme da Casa do Douro, que só deixará de ser de "terror" se algum realizador novo, descomprometido e genial lhe pegar a sério e com muita produção que garanta os apoios necessários. Mas não chega, falta muito mais ao Douro. Repetem-nos, e nós repetimos, que é único, majestoso, irrepetível... No entanto, assistimos, por exemplo, impassíveis, à destruição do vale do Tua. Mesmo que se goste dos "argumentos electricistas", pensar que este drama não passava de uma telenovela sem importância mostra a falta de cidadania que nos caracteriza. Junte-se que palavras como associativismo, entreajuda ou solidariedade estão totalmente ausentes dos guiões durienses e percebe-se a urgente necessidade de mudar de autores.

Não se pense que é só no Douro que a fita é negra. No fim do rio também há lodo no cais. Em ambas as margens. Embora muito mais organizada e com melhores adereços, a película das empresas de vinho do Porto, filmada em Gaia, não é, hoje, candidata a estatuetas douradas. Vende-se demasiado vinho do Porto sem marca e sem margem de lucro, consequência de guerras pela audiência e share, numa prateleira perto de si. A saída de cena das multinacionais das bebidas foi uma oportunidade perdida. Em vez da adopção de uma nova narração e diálogos que levassem os actores no caminho da união em torno do crescimento sustentável das margens, a saga revela-se um flop. Cada major quer, acima de tudo e quase a qualquer preço, conquistar os canais para chegar em posição privilegiada aos espectadores, na vã esperança de só perder dinheiro com o filme em exibição e de lucros nas próximas sequelas.

Enfim, nada está perdido, por vezes o remake resulta melhor do que o original. Uma situação excepcional requer actuações desse mesmo nível. A começar por uma verdadeira união de esforços entre todos os actores (viticultores, comerciantes e instituições). Os temas são complexos: envelhecimento e desertificação populacional; formação, investigação, inovação, investimento, rendimento e sustentabilidade da viticultura; cadastro, benefício, castas, terroirs e processos; os diversos tipos de vinho, aguardente, grau alcoólico e açúcar; qualidade, tradição, inovação e certificação; marcas, preços, mercados, canais e margens; gastronomia, harmonias e contrastes e emoções.

Não nos basta um realizador, terão de ser muitos e bons para dirigir esta "Busca do Tesouro Perdido", cheia de perigos e dificuldades. Mas que é urgente e inadiável. E, depois de o recuperarmos, venerá-lo e protegê-lo, pois este tesouro não nos pertence, é dos que se nos seguirão.

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