A Espanha e a crise do euro

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É um traço recorrente das visões do mundo dogmáticas, de esquerda ou de direita, imaginar que cada problema tem uma e uma só solução

Com o pedido de ajuda financeira externa por parte da Espanha, a crise do euro entrou em nova fase de agravamento. As eleições gregas do próximo domingo ditarão o futuro de Atenas na zona euro. O nervosismo e a sensação de urgência crescem em quase todos os quadrantes. Mas a urgência raramente é boa conselheira.

Nos últimos dias, um coro crescente de vozes euro-americanas tem reclamado medidas urgentes à Alemanha e à União Europeia. Mas estão a ser confundidos dois argumentos. Um é a favor de políticas expansionistas e exprime uma preferência legítima. Outro é a favor de novos passos mais radicais na integração dos países da zona euro.

O argumento a favor de maior integração é particularmente duvidoso. Assenta nos mesmos pressupostos que levaram à criação do euro, sem os examinar à luz da experiência entretanto decorrida. E, no entanto, esta experiência parece aconselhar prudência.

Um dos pressupostos do euro residia nos efeitos de convergência que produziria nas economias que partilhassem a moeda única. O efeito foi o contrário. A divergência entre o Norte e o Sul acentuou-se, atingindo hoje contrastes inimagináveis há poucos anos. Enquanto os países do Sul já não conseguem encontrar novos credores, os juros das obrigações da dívida alemã atingiram níveis negativos.

Outro pressuposto do euro residia nos efeitos previsíveis de reforço da unidade europeia e na atenuação dos nacionalismos agressivos. Também aqui o efeito foi contrário ao desejado. O sentimento antialemão cresce no Sul da Europa, enquanto a hostilidade para com os países do Sul cresce na Alemanha e noutros países do Norte.

A interpretação dominante destes factos inegáveis é que uma união monetária não pode ser sustentada sem uma união orçamental e, portanto, política. Segundo este ponto de vista, é agora urgente mutualizar as dívidas europeias e criar uma união de bancos com garantias globais e novos impostos federais sobre as transacções financeiras.

Este argumento tem, no entanto, problemas sérios. Em primeiro lugar, nega o que foi dito aquando da criação da moeda única, isto é, que esta não exigia uma união orçamental e política. Há aqui um problema de coerência. É legítimo recordar que a Inglaterra recusou a moeda única precisamente porque via nela um passo inexorável para uma união política que retiraria ao seu Parlamento poderes ancestrais. Nessa altura, o argumento inglês foi considerado destituído de verosimilhança. Agora, está a ser confirmado pelos mesmos que o negaram no passado.

Um outro problema, porventura mais sério, é que maior integração tenderá a gerar maiores tensões na zona euro, precisamente à semelhança do que aconteceu até aqui. Não foi por acaso que o euro gerou divergência e aumento das tensões nacionalistas. Isso deveu-se à real existência de profundas diferenças entre as tradições económicas, políticas e comportamentais ou culturais dos países que integram o euro. Essas diferenças não podem ser apagadas por decisões políticas, ainda menos por planos económico-financeiros. Acreditar no contrário é um sinal de ingenuidade revolucionária, que a história europeia do século XX refutou duramente.

O legítimo sentimento de urgência actual levará provavelmente os decisores europeus a ignorar estes alertas. Mas acredito que ainda é possível tentar salvar o euro sem fechar as portas à variedade ordeira das nações europeias. Bastaria que o euro fosse claramente identificado como um subclube do clube mais vasto da União Europeia. Em seguida, uma cláusula de saída ordeira do euro deveria ser expressamente consagrada.

Estas duas medidas políticas têm uma fortíssima carga simbólica. Reafirmam a natureza voluntária do euro, deixando a cada país e a cada Parlamento a possibilidade de rever a sua adesão à moeda única. Abrem, por essa via, um caminho ordeiro para as oscilações dos humores políticos de cada país. Permitem a uns países reforçar a sua integração, deixando a outros a alternativa de não seguir esse caminho.

É um traço recorrente das visões do mundo dogmáticas, de esquerda ou de direita, imaginar que cada problema político tem uma e uma só solução - a chamada solução correcta, em regra aquela que o autor prefere. Mas raramente isso é confirmado pela experiência. As paixões dos homens são muitas e frequentemente chocam entre si. Adoptar uma única e tentar impô-la aos outros tem sido a receita do desastre.

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