A destituição de Bo Xilai

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A destituição de Bo Xilai, membro do Bureau Político do Partido Comunista da China e responsável pela municipalidade de Chongqing, abriu uma crise no processo de sucessão na direcção comunista.

Os problemas de sucessão são o elo frágil dos regimes comunistas. A ausência de regras e de procedimentos institucionais faz com que as mudanças dos principais dirigentes dos partidos comunistas se tornem momentos de incerteza, que estiveram na origem de crises prolongadas.

Na União Soviética, a profunda contestação interna da sucessão de Lenine por Estaline é inseparável do "Grande Terror" que eliminou a "velha guarda" bolchevique. A morte de Estaline, por sua vez, abriu uma longa crise: antes de Khrutchov se instalar no poder foi preciso assassinar Beria e neutralizar Malenkov, o herdeiro designado. A morte de três secretários-gerais, entre 1982 e 1985, tornou indispensável uma mudança de gerações e assegurou nomeação de Gorbatchov, o sétimo e último secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética. Em Cuba, a paralisia interna levou à substituição de Fidel Castro pelo seu irmão. Na Coreia do Norte, a instalação da dinastia dos Kim é uma forma de tentar resolver o problema da sucessão, embora ninguém saiba antecipadamente qual dos filhos do imperador será reconhecido pelo partido comunista como o herdeiro legítimo. Na China, a morte de Mao Tsetung abriu um período de instabilidade, que levou à prisão da sua última mulher, Jiang Qing, por Hua Guofeng, o sucessor designado e responsável, tal como Beria, pelos aparelhos de segurança. Mas o processo de sucessão só terminou com o regresso de Deng Xiaoping, o responsável pela estratégia das "Quatro Modernizações" e pela ressurgência da China como uma grande potência.

Deng Xiaoping definiu um novo quadro de sucessão interna. Em 1987, Deng decidiu retirar-se, forçou a "velha guarda" a seguir o seu exemplo e instalou no poder Zhao Ziyang e a "terceira geração" comunista. Naturalmente, Deng e os "Oito Imortais" - incluindo Bo Yibo, pai de Bo Xilai - continuaram a exercer uma influência decisiva e foram os principais responsáveis pela repressão de Tiananmen, que levou à substituição de Zhao por Jiang Zemin. Mas o precedente estabelecido por Deng tornou-se a regra: em 2002, depois de dois "mandatos" como secretário-geral, Jiang cedeu o seu lugar a Hu Jintao e à "quarta geração" e as regras informais estabeleceram que os dirigentes se deviam reformar aos setenta anos. Desse modo, no próximo Congresso do Partido Comunista, em Setembro deste ano, depois de cumprir dois "mandatos" e antes de atingir o limite de idade, Hu vai dar o seu lugar a Xi Jinping e à "quinta geração".

A "quinta geração" é a geração perdida da "Revolução Cultural". Os sucessores de Hu não só foram todos mandados para o campo fazer trabalhos forçados, mas também, no caso dos "príncipes vermelhos" - os filhos de dirigentes comunistas, como Xi Jinping e Bo Xilai -, as suas famílias foram perseguidas. De certa maneira, quer pela sua experiência da repressão durante a "Revolução Cultural", quer pelo seu estatuto aristocrático, Xi Jinping e Bo Xilai são, ambos, o oposto de Hu Jintao, um burocrata cinzento formado na direcção das juventudes comunistas.

A harmonia da sucessão foi perturbada pela destituição de Bo Xilai. Em primeiro lugar, pela forma, uma vez que Bo deu uma conferência de imprensa na véspera de ser demitido das suas funções em Chongqing. Em segundo lugar, por não ter sido ainda anunciada nenhuma decisão sobre a sua destituição como membro do Bureau Político, que significaria uma perturbação significativa dos equilíbrios entre as facções internas e, sobretudo, da balança entre os "príncipes vermelhos" e os burocratas partidários. Em terceiro lugar, a demissão politizou um processo de sucessão que devia ser uma mera rotina.

A natureza das divisões políticas não é evidente. Os especialistas referem um "modelo de Chongqing" - uma mistura populista onde a aliança entre o capitalismo de Estado e as empresas internacionais se combina com o igualitarismo e que a "Nova Esquerda" chinesa baptizou "Socialismo 3.0" - por oposição a um "modelo de Cantão", que procura articular a liberalização económica, a abertura internacional e o primado do direito. O "revivalismo maoísta" de Bo Xilai, que mereceu a aprovação de Xi Jinping na sua visita a Chongqing, é simultaneamente inquietante e ambíguo, no sentido em que ambos foram perseguidos durante a "Revolução Cultural" e nenhum mostra a menor predisposição para restaurar o regime revolucionário.

No dia em que Bo Xilai foi demitido, Wen Jiabao denunciou "o veneno da Revolução Cultural" como o "maior obstáculo às reformas necessárias". Os responsáveis comunistas reconhecem a urgência das reformas, mas as elites chinesas estão divididas. A "quarta geração" adiou as reformas, a "quinta geração" pode precipitar o fim do regime se as quiser realizar. Na China, a continuidade é impossível e a mudança improvável.

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