Sob o espectro da "Matança da Páscoa"

O mês de Fevereiro vai oficializar o Plano Melo Antunes, contribuindo para que a economia recupere forças. Era um engano. A sua divulgação pública provoca, nas ruas, enorme controvérsia. Com a chegada de Frank Carlucci a Lisboa, os EUA entram a fundo na guerra de influências em Portugal. No meio da confusão, o nome do economista e académico Mário Murteira começa a destacar-se na vida político-económica portuguesa. Como diria na altura Mário Soares, o PCP entra no coração da economia, no Banco de Portugal. Em vésperas do 11 de Março, um oficial com ligações aos comunistas mexe-se para encomendar um plano de nacionalizações que estivesse pronto a 12 de Março. O país vivia numa altura de conspirações e medos, cujo ponto alto foi o plano "Matança da Páscoa". A lista de assassinatos terá chegado a existir?

Última semana de Janeiro de 1975. Dia a dia, sucedem-se os acontecimentos. O Governo anuncia que vai pagar juros anuais de cinco por cento aos accionistas dos bancos emissores - Banco de Portugal, Banco de Angola e BNU -, nacionalizados em Setembro.Por esta altura, o brigadeiro do Copcon (Comando Operacional do Continente), Otelo Saraiva de Carvalho, começa a dar nas vistas, despertando grande atenção entre os "media". Cioso de cumprir o seu papel histórico, o oficial lança-se sobre as luzes da ribalta. Por cada uma das suas intervenções, a rebelião ganha novo fôlego. Não há dúvida, goste-se dele ou não, Otelo vai destacar-se na Revolução pelo seu protagonismo.A verdade é que, naquele universo, produzem-se outras estrelas. O novo embaixador dos EUA fará parte dessa constelação. A cena que aqui se descreve é condizente com a época e envolve os nomes de Otelo e de Frank Carlucci. Aos microfones da rádio, o brigadeiro do Copcon dá a sua opinião: "Talvez Carlucci pertença à CIA (serviços secretos norte-americanos), mas, nesse caso, não me responsabilizo pela sua segurança." Quando ouviu, Costa Gomes caiu da tripeça. Como era habitual, não queria correr riscos de qualquer espécie. Aflito, pôs-se logo a fazer contactos. Cheio de intuição, à conversa com Costa Gomes, Mário Soares desvaloriza a situação.As diligências do Presidente revelar-se-iam desnecessárias, pois Carlucci era um homem muito elaborado. E, em certa medida, fazia-se mais latino do que americano. Sabendo dos desentendimentos de Otelo com o PCP, esfrega as mãos de contente, decidindo tomar a iniciativa. Sem ninguém esperar, procura o comandante do Copcon. Chegados à fala, os dois homens lá se entendem, o americano, de origem italiana, troca as voltas ao brigadeiro. Dali não surgiu nenhum equívoco. "Carlucci entendeu logo a situação político-militar em Portugal. Daí achar que Otelo e a extrema esquerda eram dois preciosos aliados na sua táctica para bater as forças ligadas ao PCP", considera o capitão Sousa e Castro, que viria a ser porta-voz do Conselho da Revolução.Por esta altura, o diplomata americano delineara uma estratégia de suporte a Mário Soares e ao PS, mas falta-lhe ainda decidir qual o grupo de militares a apoiar. Movendo-se na revolução com enorme agilidade, a escolha parece óbvia. O americano estudara já Melo Antunes. "Reconheceu logo Melo Antunes como a figura que mais influência exercia sobre os militares moderados. E percebeu também que os oficiais de direita tinham os dias contados. Até porque os EUA tinham acabado de sair de uma guerra, no Vietname, de tipo colonial", conta Sousa e Castro. Revelando mestria, o embaixador promove pontes de entendimento "entre os oficiais moderados do MFA e as alta patentes americanas." É por esta via que, logo a seguir ao 25 de Novembro de 1975, Ramalho Eanes se tornará grande amigo do general Alexander Haig, comandante chefe da Nato na Europa. "Frank Carlucci era um homem fascinante", continua Sousa e Castro. "Eu admirava a forma como se movimentava entre nós." Chegado de outro continente e de uma nação poderosa, "actuava procurando entender a situação e interpretando-a, compreendendo qual era a sua lógica". Com efeito, o Embaixador não tardou a encontrar-se com Costa Gomes. Sem que se possa afirmar qual o motivo do encontro, depreende-se que não foi ocasional. Da reunião não transpira nada, mas os EUA exibem na altura parte do seu poderio militar, avisam Portugal que deve ter "juizinho". Estão agora em águas nacionais 32 barcos de guerra norte-americanos, onze mil soldados e marinheiros, dos quais cinco mil são "marines", tropas de elite vocacionadas para o desembarque.Mais que previsível, à volta da operação naval da Nato explode o folclore. Os partidos da esquerda convocam manifestações, desdobram-se em conferências de imprensa. Na sequência, o Governo proíbe as concentrações de rua. Pelo meio, em resultado do confronto sindical, verificam-se outras mobilizações. Para segurar a coligação governamental, o PS e o PCP apelam a uma aliança. É pouca a convicção, o debate sobre a unicidade sindical traduzira a impossibilidade de consensos. 28 de Janeiro. Por cá, o primeiro ministro da Economia no pós-Revolução, Vasco Vieira de Almeida, sai de cena. Na sequência do acordo de Alvor, o Expresso anuncia a composição do Governo de Transição de Angola, de que Vieira de Almeida faz parte, com a pasta da Economia. "Quando cheguei a Luanda, apercebi-me da existência de divisões profundas entre os militares membros da Comissão Coordenadora do MFA em Angola." Vieira de Almeida afiança: "Tal como cá, continuava a existir o mesmo fenómeno: os que se batiam sinceramente pela transformação da sociedade, preocupados em saber como descolonizar; os cobardes; os idealistas; os elementos mais reaccionários; os oportunistas". 31 de Janeiro. O mês chega ao fim. Portugal está agora em chamas, vive em crise de sanidade. Em Coimbra, os alunos fazem greve, reivindicam o fim dos exames de aptidão à universidade. A luta alastra a todo o país. Está-se já a ver, os trabalhadores estão muito activos, espalham-se conflitos. Há paralisações na Messa, na IBM e na Applied Magnetics. Os saneamentos, as promoções, as senhas de almoço e o horário de trabalho são os temas do momento. Os bancários reclamam junto do Governo a nacionalização da banca. O desemprego atinge 200 mil portugueses. Com tudo isto a acontecer, Álvaro Cunhal e o PCP saltam a defender medidas urgentes para ultrapassar "a grave situação económica e financeira".No último dia do ano toma posse o Governo de Transição de Angola, mas está já em maus lençóis. Mais de dois mil homens liderados por Chipenda ocupam os quartéis. Jonas Savimbi, da Unita, elogia o camarada. Calcula-se o frenesim que provocou na concorrência.É preciso não ter dúvidas: a missão dos ministros em Angola é suicida, o clima continua a ser revolucionário. Tal como no Continente, também ali há falta de realismo. "Bom dia meus senhores! Pastas debaixo da mesa, mãos em cima da mesa!". Pois bem, as armas ficam dentro das pastas. É assim que Vieira de Almeida dá início às suas intervenções no Governo de Luanda, que integra representantes do MPLA, da UNITA e da FNLA. O ambiente é pesado. Cada um dos ministros angolanos faz-se sempre acompanhar de três guarda-costas que, por sua vez, se posicionam na sala de reuniões de metralhadora em riste.Vieira de Almeida evoca a Luanda daqueles tempos. A atmosfera chega a ser lúgubre: nas ruas assassinam-se pessoas dentro de barris de ácido sulfúrico; Agostinho Neto anuncia a nacionalização do Comércio Externo; durante uma reunião do Governo de Transição, destinada a discutir o Orçamento Geral, um ministro do FNLA reclama o "bago". Ou seja: quer o dinheiro na mão. Não obstante, Vieira de Almeida não se lembra de ter ouvido falar em conflitos laborais.1 de Fevereiro. Por cá a revolução está agora em ponto de rebuçado. A RTP convida os secretários-gerais do PCP, do PS e do PPD para um debate a três. Em cima da mesa está a actualidade nacional. Em entrevista ao Expresso, Salgado Zenha afirma: "O PPD não sabe ainda o que é. Diz-se socialista democrático, diz-se social-democrata, antes era liberal...". Considera que o PCP "desencadeia uma campanha contra as eleições, ataca-as sem propor nada em troca". Relativamente ao PS reconhece: "Bem, há uma crise. [...] Eu confio na liberdade e tenho fé no socialismo." Logo naquele dia, o jornal República anuncia medidas revolucionárias. "Um contrato de progresso para três anos - possível proposta do MFA aos partidos." Entretanto, decorria o primeiro congresso do Partido da Democracia Cristã (PDC), uma organização de direita constituída para o momento. O spinolista Sanches Osório é nomeado secretário-geral.Ao fim de 24 horas, o MRPP pôs-se em campo. Paira no ar o tumulto. Para evitar novas quezílias, o comandante da Região Militar do Centro impõe a interrupção dos trabalhos do PDC. A Herdade do Picote, em Montemor-o-Novo é ocupada pelos trabalhadores rurais.Ainda a 2 de Fevereiro, o ministro Sem Pasta Álvaro Cunhal discursa na Primeira Conferência Unitária de Trabalhadores. E ei-lo a levar a água ao seu moinho. Em certa medida, Cunhal era um "outsider", anuncia: "A classe operária está pronta para o socialismo!" Daí, os assalariados concluem logo: "É preciso nacionalizar os principais sectores da produção". Em plenário, os militares decidem entregar ao Conselho dos Vinte uma proposta de institucionalização do MFA, noticia o Expresso. No pós 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho desenvolve uma personalidade de condutor de massas, não perde ocasião para prestar uma declaração. Corre agora por conta própria: "O partido que conquistar maior número de votos não reflectirá necessariamente a real vontade e os verdadeiros interesses do povo português". Segundos depois, o ministro Vítor Alves dava já outra novidade: "Havendo a breve prazo conversações do MFA com os partidos, a situação será clarificada de modo a evitar um clima de pseudo-crise." Concluí: "O Movimento do 25 de Abril é um movimento político." Havia por acaso alguém ali que os percebesse?7 Fevereiro. O Governo aprova a constituição do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais (IAPMEI). Uma esquadra da Nato lança âncora no Tejo. A Reunião Inter-Empresas (delegados dos trabalhadores) apela a uma manifestação anti-Nato para daí a cinco dias. Operários e outros trabalhadores estão nas ruas para se baterem contra os americanos e o desemprego. O Governo declara que se opõe aos desfiles, exerce a sua autoridade enviando tropas na peugada dos manifestantes. O resultado? As forças armadas incorporam-se na "manif". O embaixador americano desloca-se a São Bento para falar com o primeiro-ministro. Corre que o encontro não correu bem. No dia seguinte aparecem na primeira página do Expresso. Lado a lado. Com a expressão do rosto carregada, Vasco Gonçalves tem os braços cruzados, faz cara de zangado. A fazer contra-ponto, Frank Carlucci deixa os braços caídos, olha com prazer evidente para a fotografia. Mete o seu ar de galã, um sorriso a toda a largura da cara. Agora até parecia de vez. O Programa de Política Económica e Social (Plano Melo Antunes - PMA) é aprovado a 7 de Fevereiro em Conselho de Ministros. Aparentemente, ganha pés para andar. Todavia, revelar-se-iam de barro. Procurando estar em sintonia com os partidos, o plano traduz também o esforço de consenso com os militares. De que forma encaixa a proposta do major naquela Revolução? Pois, não encaixa. Vasco Gonçalves aprovou o PMA? "Ele nunca votava, nem dizia que sim, nem dizia que não", explica Rui Vilar, então ministro da Economia. É assim: o que não se nomeia, não existe. Nessa noite de Fevereiro, Melo Antunes desloca-se à televisão para explicar o seu programa de acção económica e social. As palavras só ajudam a alimentar a ideia de que o plano é excessivamente moderado para a época. A intervenção desencadeia uma onda de contestação liderada pelos sectores ligados ao PCP e à extrema esquerda. Silva Lopes lembra: "Desde a extrema esquerda ao PCP, passando pelo MFA e pelos sindicatos, todos o criticaram." O ministro deixara-se aprisionar: "Como oficialmente, no Governo, o PCP não se opunha, eu continuava convencido de que estava perante uma força pacifica." "A polémica passava-se cá fora, na TV, nos jornais, nas ruas. Dentro do Governo as posições eram menos extremadas", remata Rui Vilar.8 de Fevereiro. A reforma agrária estava em marcha, mas não era ainda oficial. O PCP promove uma reunião de Trabalhadores Agrícolas do Sul, em Évora. A adesão é impressionante, cerca de 40 mil camponeses juntam-se para discutir os modelos de exploração agrícola. Exigem a "liquidação dos latifúndios", a "reforma agrária imediata". Álvaro Cunhal está presente, despe a capa moderada de ministro Sem Pasta. Tem a palavra. Sobe à tribuna e, do alto do seu prestígio de combatente anti-fascista, diz: "A reforma agrária não será imediata, mas não demorará muito". O então ministro clama ainda "unidade e Partido Comunista são inseparáveis. A unidade dos trabalhadores faz-se com o partido". O encontro termina sob o lema "a terra a quem a trabalha". Na Rádio Renascença os trabalhadores avançam para a greve. O Conselho de Estado prepara-se para reunir. Em nome da Junta de Salvação Nacional e do MFA, o almirante Rosa Coutinho, ligado ao PCP, aparece aos conselheiros de Estado, civis e militares, a sugerir legislação revolucionária. Qual? "Que o MFA não seja a expressão de um simples levantamento militar". "Entre as propostas levadas a discussão estava um diploma que permitia prender pessoas acusadas de sabotagem económica ou de não estarem com a revolução", menciona Freitas do Amaral. O debate estende-se pela madrugada do dia seguinte. Passa já das quatro horas de 9 de Fevereiro, quando os conselheiros se manifestam. Os militares põem-se ao lado de Rosa Coutinho. Os civis, a maioria com formação jurídica, colocam-se na trincheira inimiga. Freitas do Amaral, Isabel Magalhães Collaço, Azeredo Perdigão, Henrique de Barros e Ruy Luís Gomes rejeitam o documento do almirante. Não havia volta a dar, gera-se enorme burburinho. A reunião entra logo em declínio. Os militares estão furiosos. Sem ninguém esperar, o spinolista Carlos Fabião mete-se também a deambular: "Parar é morrer. Não há revolução sem leis revolucionárias." Os civis moderados nem querem acreditar.De igual modo, o almirante Pinheiro de Azevedo não lidava bem com aquela revolução, levanta-se, esbraceja. Como era muito extrovertido, brame bem alto para toda a sala ouvir: "Os srs. conselheiros civis assinaram a sua sentença de morte. Puseram em causa a Revolução." Desconcertante, a falar não parecia nada democrata. É provável que as últimas palavras ecoem no cérebro dos civis, mas a missão era exaustiva, àquela hora estavam todos com muito sono. E a conversa não prossegue. Talvez desconhecessem, mas o debate ali travado era até certo ponto premonitório. "Na verdade, depois do 11 de Março, fomos todos dispensados do Conselho de Estado", recorda Freitas do Amaral. A revolução era o que era.Estamos ainda nas primeiras semanas de 1975. Na imprensa, na televisão e na rádio destacam-se notícias denunciando a sabotagem económica, a fuga de capitais para o estrangeiro. Por aqui, é provável que Vasco Gonçalves pensasse já nas nacionalizações, sem que na verdade o assunto fosse de algum modo afirmado. Quando Silva Lopes, então ministro das Finanças, ouve falar na criação de uma estrutura para gerir as participações empresariais do Estado, estava em Sesimbra a dar os últimos toques ao Programa Melo Antunes. "Mário Murteira [ex-ministro dos Assuntos Sociais do Primeiro Governo Provisório], apareceu para nos propor que incluíssemos no plano a criação de um organismo destinado a gerir as posições estatais", conta o ex-ministro das Finanças. Aparentemente, da conversa nada resultou. O regime político era fluído, não há quem questione a medida.Com efeito, Vasco Gonçalves vai mesmo encarregar Mário Murteira de pôr em marcha uma comissão interministerial para proceder ao levantamento das participações públicas. "Fez-se um relatório onde se propunha a criação de um Instituto de Participações do Estado", explica o próprio académico. Já se planeava a estatização dos sectores vitais da economia? Mário Murteira admite: "Já estavam no ar, mas não se sabia qual iria ser a extensão do processo." A defesa das nacionalizações "tinha como fundamento o argumento da fuga de capitais para o estrangeiro." O perigo era real? "Era. Os grandes grupos privados estavam a ter um comportamento que não era compatível com a evolução que se verificava no país. E existiam indicações e provas de fuga de capitais".Depreende-se agora que Mário Murteira está no activo. O seu nome aparece associado a franjas do PCP. A ligação é ainda hoje objecto de controvérsia, pois em vésperas do 25 de Abril Murteira defendera, em livro, a aproximação de Portugal à social-democracia. Esta seria uma das razões - e ainda por pertencer à Sedes (grupo de reflexão criado nos anos anteriores ao 25 de Abril) - que terá levado António Spínola a convidá-lo para integrar o Primeiro Governo Provisório. Porventura, Mário Murteira ficou refém do momento, extremando posições. Mais importante que isso, a relação que entretanto se estabeleceu entre o académico e Vasco Gonçalves viria a ser determinante no seu comportamento. No auge da revolução, e na sequência da sua intervenção na Economia [após o 11 de Março será o ministro do Planeamento e da Coordenação Economica do IV Governo Provisório], fica conhecido pelo "czar vermelho". Sabia? "Não, fiquei agora a saber." Constava na altura, à boca cheia, que o economista era o "homem de confiança" de Vasco Gonçalves para os assuntos económicos. Confirma? "De certo modo. O meu entendimento com o general era um entendimento humano, entre duas pessoas que, numa fase crítica da vida portuguesa, encontram um terreno de convivência." Não são rivais, tornam-se companheiros. "Passávamos horas a discutir os acontecimentos, por vezes concordando, outras não. Era bom para ambos". A dada altura, numa conversa a dois, Mário Murteira tece o comentário: "o sr. General é considerado um materialista histórico e eu um crente. Mas, afinal, o sr. general parece ter mais fé do que eu, e eu, pelo contrário, ter uma visão mais objectiva da história."11 de Fevereiro. A banca britânica vai cortar os créditos a Portugal. O Expresso (8/2/75) anuncia que "o mercado financeiro londrino exigiu o pagamento imediato dos créditos vencidos e a não renovação daqueles que se integram em planos de financiamento a prazo." Tudo por causa da interrupção do Congresso do CDS onde estavam dirigentes conservadores britânicos. Em Portugal, o fisco notifica o general Elliot Roosevelt, filho do antigo presidente norte-americano, por não pagamento de impostos. Roosevelt, ex-presidente de uma multinacional, tinha uma propriedade em Odivelas e era sócio da Torralta. Era de prever, quando a informação foi decretada já o general partira de escantilhão para Londres. Entretanto, Carlucci promovia apoios a Portugal, estando projectada a assinatura de um acordo para a construção de três unidades hospitalares com verbas americanas. Um mês antes do "putch" spinolista. O Presidente da República anuncia para 12 de Abril eleições para a Assembleia Constituinte. Os partidos à direita do PCP suspiram agora de alivio. Pura inocência. Doravante o curso da Revolução seguiria mesmo em diante. Ao cabo de horas, os operários da Sociedade Central de Cervejas reclamam a nacionalização da empresa. O objectivo? Manter os seus postos de trabalho. Assim vai o país quando Rui Vilar recebe em Lisboa, a seu convite, o vice-presidente da Comunidade Europeia, Lord Soames. Entre outras coisas, a visita serve para dar conhecimento da aprovação do Plano Melo Antunes. Soames desloca-se a Belém, fala com Costa Gomes. O Presidente é cordato. Conta Rui Vilar: "Com vista a favorecer a proximidade de Portugal à Europa, o que poderia passar por uma estrutura de associação, Costa Gomes procurou transmitir um sinal de tranquilidade." Soames fica bem impressionado, não se prepara para os dez segundos de vertigem que se vão seguir. Durante a tarde, conhece Vasco Gonçalves. O chefe do Executivo discursa. Faz sempre as coisas à sua maneira, as palavras são as da praxe, anti-capitalistas. Rui Vilar recorda: "o primeiro-ministro disse não querer que Portugal fosse explorado pelas multinacionais." E Soames? Esboça cara de embasbacado e "ficou aterrado". Rui Vilar olha-o um tanto ou quanto atrapalhado, não sabe como proceder. Para ultrapassar o mal entendido, uma solução parece-lhe óbvia. Durante o jantar coloca o vice-presidente da CE ao lado de Melo Antunes e de Vítor Alves, dois militares moderados. Antes de partir, Soames presenteia Vilar com um livro e uma dedicatória: "É necessário ter muita coragem para viver em Portugal". A adesão à Europa atravessava-se já à frente dos portugueses. Ao cabo de dias, Mário Soares traz a Lisboa políticos europeus para debaterem a aproximação de Portugal à Comissão Europeia (CE). "Talvez por falta de visão, eu defendia um acordo de associação com a CE. Foi com algum espanto meu que na reunião ouvi falar na hipótese de adesão", evoca Silva Lopes, presente no encontro. Reconhece: "Na altura considerei a hipótese - e mal - remota. Acabei mais tarde por aderir a ela."Fevereiro evolui sob o signo da mudança. A 13, precisamente um mês antes do Movimento 25 de Abril decidir avançar para as nacionalizações, o Governo debate-se com a ameaça de novos despedimentos, os trabalhadores da Sociedade Central de Cervejas reclamam a estatização da empresa. Nesse dia, Portugal assina com o Vaticano um protocolo que reconhece o direito ao divórcio. A milhares de quilómetros de distância dali, em Luanda, rebenta um conflito armado envolvendo o MPLA. Bom, quanto mais avança a Revolução maiores as conjecturas à sua volta. Os boatos crescem de tom. Na atmosfera, pesa a conspiração, os capitães ouvem falar na contra-revolução. Tinham razão, as forças de direita não desistem da conquista do poder. Do Brasil chegam capitais portugueses, ajudando ao parto do MDLP, organização de direita onde figura o nome de António Spínola. 17 de Fevereiro. Os estudantes estão em pé de guerra. Nos liceus de Tomar inicia-se uma paralisação que vai contaminar todo o país. Em Coina é ocupada uma quinta, cujo destino final será a integração na Cooperativa Estrela Vermelha. O segredo é agora de polichinelo: o MDLP prepara um golpe militar, com a colaboração da guarda de Belém. Na mira dos golpistas está a prisão de oficiais do Conselho dos Vinte. "Os spinolistas estavam a preparar outro golpe palaciano em Belém, prendendo a maior parte dos elementos do Conselho dos Vinte", afirma Vasco Lourenço. "Quando soubemos que o golpe fora abortado por razões conjunturais, passámos a ir todos armados para Belém." O momento tardava. "De repente, começou a constar que os spinolistas tinham decidido esperar pela realização das eleições legislativas. Se a votação não lhes agradasse actuariam", lembra Vasco Lourenço.Na sequência do que semanas antes Álvaro Cunhal defendera - uma plataforma de entendimento entre os oficiais do MFA e os partidos políticos para dar a andamento a uma nova Constituição -, o Movimento 25 de Abril vai aparecer com sugestões. Ao cair da noite, os oficiais reúnem em assembleia geral, para debater à institucionalização do MFA. Já de madrugada decidem apresentar um Pacto MFA/Partidos. "Entendíamos que a falta de maturação e a inexperiência politico politicos partidária dos partidos exigia um pacto de acordo entre os partidos e as Forças Armadas", explica Sousa e Castro. Para quê? "Para fortalecer os partidos!" Sobre a tentativa do PCP instrumentalizar as forças armadas com iniciativas deste tipo, entende: "As tentativas dos comunistas instrumentalizarem os militares fazia-se através dos organismos de base e não das estruturas de topo."Tinham passado apenas dias, quando Vasco Gonçalves, Melo Antunes, Rosa Coutinho, Pinho Freire, Pereira Pinto, Almada Contreiras, Costa Martins e Vasco Lourenço se encontram com os líderes dos partidos para discutir a institucionalização do MFA. Entre os civis reina pouca convicção. Mas na mira das eleições deixam convencer-se da bondade da sugestão. Nas vésperas de 11 de Março, Vasco Gonçalves convoca a São Bento Silva Lopes. O chefe do executivo vai direito ao assunto. Conta o ex-ministro das Finanças: "Disse que estava a sofrer uma grande pressão para que João Salgueiro [vice-governador do Banco de Portugal] fosse demitido." O que lhe disse? "Que não havia razões para o fazer, até porque uma medida desse tipo teria grandes consequências no plano internacional." Silva Lopes sugere então que se nomeie um segundo vice-governador. Vasco Gonçalves vai para casa pensar no assunto. Estava firmemente decidido a levar a sua a avante. Chama de novo o ministro a São Bento. Indica um nome para o lugar. Silva Lopes fita-o um pouco surpreendido. "Tratava-se de um capitão miliciano das Forças Armadas, licenciado em Economia, e que era contabilista num empresa. Era um individuo sensato, mas sem credenciais adequadas." Acaba a recusar, limitando-se a declarar que havia que encontrar para o lugar alguém com perfil adequado. Vasco Gonçalves aceita a decisão. O tempo urge, daí a dias marca terceiro encontro. Reatando a conversa no mesmo ponto, o chefe do Executivo avança com o nome de Mário Murteira. Silva Lopes aceita. "Murteira era uma pessoa considerada qualificada. Vinha da Sedes e eu pensava que ele pertencia aos movimentos católicos." Perante a concordância de Silva Lopes, o assunto é apresentado a Conselho de Ministros, onde a nomeação de Mário Murteira para vice-governador do Banco de Portugal é aprovada sem restrições. O pior estava para chegar. Durante o intervalo da reunião o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, puxa Silva Lopes pelo braço, leva-o para um canto da sala. Indaga: "Você sabe o que acabou de fazer?" Não, responde o ministro das Finanças, perguntando-se porque diabo lhe diria ele aquilo. Mário Soares tinha olhos de quem via as coisas, esclarece: "Acabou de meter no Banco de Portugal o Partido Comunista". Ao inteirar-se, Silva Lopes, tem um pensamento terrível. Consegue apenas balbuciar: "Você está a brincar! "Não, não estava, assegura Soares. O responsável pela pasta das Finança tenta ainda contra-argumentar: "Eu conheço Mário Murteira há muitos anos, ele é um social-democrata." Pois, está enganado, replica Mário Soares. O tom é lapidar. Um tanto ou quanto varado, Silva Lopes fica a pensar no assunto. O ex-ministro das Finanças declara ter verificado posteriormente, o que muita gente já havia então dectado. Que Mário Murteira desempenharia um lugar proeminente na Revolução. "Mário Soares tinha toda a razão. Mas ele possuia informação que eu não tinha". "A seguir ao 11 de Março, Murteira tomou conta do Banco de Portugal, orientou o processo da nacionalização da banca, comandou toda a economia." Naquele dia, 20 de Fevereiro, decorrem as campanhas de dinamização cultural, o PCP promove assembleias de bairro em Lisboa, juntando a Câmara Municipal, as juntas de freguesias, as comissões de moradores, as comissões de trabalhadores, cooperativas, colectividades e grupos de cristãos para o socialismo. O espirito é unitário, reune "todas as forças verdadeiramente interessadas no avanço do processo revolucionário." O Primeiro Ministro desloca-se até ao Sabugo para falar à população. Como é habitual, Vasco Gonçalves comporta-se como se existisse apenas uma parte da nação, mas fala de alma e coração. "Não estamos interessados em voltar atrás nem o MFA o permitirá". Hostil aos capitalistas, a este respeito actuava sem duplicidade, continua: "A nova constituição não pode ir contra as conquistas que o MFA e as forças progressistas em Portugal já garantiram ao povo português." Sem ninguém desconfiar, trinta dias depois de ter sido iniciado no Palácio de Cristal, o CDS concluia o seu I Congresso Nacional interrompido em Janeiro pelos militares. Os 82 delegados reúnem à porta fechada. O Congresso vota reestruturação interna.Os partidos à direita do PS encaram o futuro com alguma contenção. Por aqueles dias chegava a vez dos social-democratas assistirem ao boicote de um comicio do PPD em Almada. Depois dos oradores discursarem há muita gente a impedir a saída dos social-democratas do recinto. O Copcon é chamado a por ordem na confusão.Reina agora na nação uma incessante excitação. Dia sim, dia não está para rebentar um golpe militar. Era o tempo da conspiração, está-se sempre à espera de onve vem a próxima trama secreta. O Copcon dispõe de novas indicações, está em preparação um movimento hostil spinolista. Ao cabo de horas o oficial moderado Vítor Alves é substituido no Governo, nas pastas da Defesa e da Comunicação Social, por dois oficiais ligados a Vasco Gonçalves, Silvano Ribeiro e Correia Jesuíno. "Spínola continuava a contactar com os spinolistas, mas, na altura, desiste de intervir pois não queria ser responsabilizado por correr sangue em Portugal", assegura o advogado António Maria Pereira.Com tudo isso a acontecer era de suspeitar que o Plano Melo Antunes estivesse mesmo contra a corrente. A 21 de Feveiro o Grupo de Sesimbra convoca uma conferência de imprensa para o Palácio Foz, em Lisboa. É a primeira vez que anuncia à nação o programa económico ou social. Melo Antunes, Silva Lopes, Rui Vilar, Victor Constâncio e Maria de Lurdes Pintassilgo vão expor as linhas gerais do Programa Económico e Social. O grupo surgia quase como uma ficção, um mero ingrediente do tempo. Os jornalistas estrangeiros presentes na sala escutam em silêncio, espantados. Pensam, que tem tudo aquilo a ver com o país. Interpelam a mesa: "Como estava já em curso um movimento geral de ocupações de terras no Alentejo, eles não percebiam como era possível estar ali a propor medidas tão moderadas, ignorando o que se passava". Em síntese: o Plano estava desfasado da época, era irrealista face à vaga de fundo. Todavia, Rui Vilar observa: "O programa teve o mérito de provar que existia um grupo de pessoas que, apesar das circunstâncias adversas, continuava a trabalhar para que Portugal voltasse à normalidade". Chegados aqui veio-se a saber que está na forja nova conspiração. O capitão Sousa e Castro reúne o Movimento 25 de Abril, dá conta da situação. Os oficias preparam uma estratégia para conter a alma danada da reacção. Não querem condenar os golpes e contra-golpes a uma mero folhetim, decidindo criar uma comissão destinada a coordenar uma resposta operacional a eventuais tentativas de ataques. Assim, no dia seguinte, Eurico Corvacho presta informações preciosas ao MFA - o golpe de Estado da direita consistia num ataque aéreo ao RAL I. A noticia dá brado, consta agora que o Movimento 25 de Abril quer instaurar uma ditadura militar. A propósito, Vasco Lourenço esclarece o Expresso (22/2/75): "Parece-me que se, pretendessemos instituir ditaduras militares não o iriamos fazer por decreto. Tivemos o poder no dia 25 de Abril, voltamos a tê-lo a 28 de Setembro, mantemos o poder politico praticamente na posse do MFA. [...]Pensamos que uma ditadura militar, a verificar-se, não se pede, verifica-se de facto!" Na mesma edição do semanário pode ler-se "Vasco Gonçalves: subida de peso político." Enquanto por cá se tornava cada vez mais difícil perceber até que ponto é que tudo aquilo não era apenas um "remake", em Angola, os três movimentos de libertação estão agora em guerra aberta.Final de Fevereiro. Um ano depois da Revolução, a Balança de Pagamentos sucumbe. A fuga de capitais para o estrangeiro torna-se uma realidade. "A falta de confiança levou as pessoas a levantarem os seus depósitos para manterem o dinheiro em casa, ou a transferi-lo para a CGD", diz Silva Lopes. A circulação de notas dispara, o Banco de Portugal começa a recear que o "stock" de numerário se esgote, não satisfazendo a procura da população. Milhares de empresas em dificuldade procuram crédito juntos dos bancos. O sector privado esfalfava-se para contornar a situação, que ameaça agora derrapar. Março de 1975. O mês em que tudo vai acontecer. Agora as noticias aparecem de hora a hora. A revolução estava em ponto de rebuçado.Dia 1. Por mais esforços que o General Spínola fizesse para apanhar o inimigo de surpresa, não retirava daí qualquer beneficio. Alegando falta de coordenação, comunica às suas tropas que o golpe previsto para aquele dia, está adiado. No minuto seguinte, já a notícia corria de boca em boca pelo país. O Governador do Banco de Portugal, Jacinto Nunes, comunica ao Expresso a entrada para o Banco de Portugal do ex-ministro dos Assuntos Sociais Mário Murteira, para ocupar o lugar de vice-governador. "A minha função no BP era conceber um mecanismo de acompanhamento dos comportamentos dos grandes grupos económicos", conta Mário Murteira. A sua nomeação é logo encarada como o reforço das posições comunistas na estrutura do poder. Daqui em diante, o nome do académico vai figurar abertamente na vida política nacional.No mesmo dia, pela mão de Vera Jardim entra em vigor um acordo comercial de longo prazo, celebrado entre Portugal e a Checoslováquia. Os checos adquirem calçado, têxteis, vinhos e conservas, Portugal compra açúcar, malte e carne. Produtos que escasseiam. Por esta altura, o ministro do Trabalho Costa Martins prepara-se para partir para à União Soviética a convite do seu homólogo. De regresso da Roménia está um grupo de oficiais do MFA. O Chefe do Estado Maior do Exército, General Carlos Fabião, procede a declarações públicas (Expresso de 8/3/75): "Uma das características que me impressionou fortemente foi o sentido patriótico de todo o povo romeno". Ao tempo havia uma embrieguez colectiva.Por esta altura, os EUA vão conceder ao Estado português um empréstimo de 43 mil contos contos. Mas a perspectiva é que este valor venha a ultrapassar os 600 mil contos. 3 de Março. Segunda feira. Há eleições para o Conselho de Armas. Três linhas estão em confronto. São lideradas por Vasco Gonçalves, António Spinola e Melo Antunes. Terça-feira. Pela manhã, reuniu o Conselho de Ministros. Em São Bento debate-se a Economia. Alguns ministros defendem a reabertura da Bolsa de Valores. O governo adopta medidas cautelares para apoiar empresas em dificuldades, decide a expropriação por utilidade pública de imóveis necessários à instalação da AGFA. O Sindicato dos Bancários de Lisboa vem cá fora exigir mais "vigilância contra os sabotadores económicos". Rezam assim os comunicados: "Há cada vez mais indícios da impossibilidade de a situação política coexistir com a Banca tal como esta está estruturada". O sector é considerado "o coração da finança monopolista". É claro, o programa do MFA era anti-monopolista e, das duas uma, defende o sindicato, ou a banca "continua na mesma, ou acabará por subverter a situação política (regresso à ditadura fascista), ou o poder político a domina". Nas ruas agiganta-se a confusão social. A Função Pública está de novo em pé de guerra. Os funcionários da estatal CGD reclamam a sua filiação no sindicato dos bancários. Para apoiar as sociedades insolventes é publicada legislação, exigindo a aprovação governamental para a concessão de avales do Estado superiores ou iguais a 50 mil contos. Segundo o Expresso, o executivo evita o recurso ao "decreto-lei das nacionalizações, através do qual se assegura "o controlo da economia". Os ministros decidem intervir no complexo agrícola de herdades, Donas Marias e Cavacedos, em Moura. Mais de 1350 hectares. Com que argumento? Sub-aproveitamento das terras, deficiente alimentação do gado, despedimento sem justa causa, não pagamento de salários e, mais importante, mau relacionamento do patrão com os empregados. Dia 7. Noite de sexta-feira. Registam-se distúrbios num comício do PPD em Setúbal. Há tiros disparados para o ar, vinte feridos dão entrada nos hospitais. Os jornais acusam o PCP de estar por detrás do incidente. À mesma hora, em Lisboa, cerca de 500 estudantes comunistas invadem uma reunião geral de alunos na Faculdade de Direito. A extrema esquerda está mais activa do que nunca, denuncia a direita, malha agora no PCP. O Governo diz que a situação se aproxima do caos e faz aprovar um diploma que possibilita a ilegalização dos partidos políticos. Por tudo isto a Coordenadora do MFA vem a público condenar o boicote aos comícios dos partidos políticos, num comunicado muito ao seu jeito, cheio de evasivas. Diz Freitas do Amaral. "Nas vésperas do 11 de Março ninguém sonhava com o que se ia passar. Estávamos a preparar as listas para a Assembleia da República, por isso, a tentativa de golpe spínolista, as nacionalizações e as prisões que se seguiriam constituíram uma grande surpresa". A Revolução não pára, era de certa forma pioneira. Sábado. O Expresso está nas bancas. Entre outros assuntos, nas suas páginas discute-se o Plano Melo Antunes. Os jornalistas Francisco Pinto Balsemão e Luís Penha e Costa moderam a mesa redonda onde se encontram Victor Constâncio, secretário de Estado do Planeamento e redactor do programa de acção, José Gomes Mota, Vasco Pulido Valente e Leonardo Ferraz de Carvalho. É tanto o empenhamento dos sectores moderados, que o jornal dedica quatro páginas ao debate, com a promessa de continuação na semana seguinte.O clima é agora de alta tensão. Há quem suspeite de uma acção revolucionária. Chovem nos quarteis notícias de golpes e contra-golpes. Movem-se influências. Estão no activo as secretas alemã, francesa e espanhola e há muito que a CIA e o KGB convivem entre os portugueses. Consta agora à boca cheia, existir uma lista com nomes de 1500 figuras de direita a abater pela extrema esquerda, operação designada "Matança da Páscoa". Atónita, a nação não quer acreditar. A partir daí espalhara-se o boato.A convicção de Vasco Lourenço é que "não havia lista nenhuma. Foram os serviços de informação que puseram a circular essa ideia". Quem? "Uma das secretas. Os americanos ou os russos." Com que fim? "Lançar a casca de banana aos spínolistas." De igual modo, diz Miguel Judas "ninguém lhes pregou rasteira nenhuma. Perderam porque tinham um General fraco como estratega. Foi por inépcia militar e psicológica que o Spínola perderia." Acrescenta: "Também houve tropas que estavam para sair e não saíram.Por seu turno, também Manuel Alfredo de Mello, considera que no 11 de Março "foi estendida uma casca de banana ao Spínola e os seus apaniguados cairam, deixando a retaguarda de um lado da resistência ao PCP desmantelada". Para este ex-oficial o PCP "tentou a sua sorte para poder desempenhar um papel determinante na evolução do país. " A verdade é que a descolonização de Angola estava à porta. " E um facção dos comunistas, pressionados pela URS, queriam controlar o processo". "A lista da matança da Pascoa, envolvendo militares, era completamente absurda", diz Sousa e Castro. Porquê? "Porque nós nos conheciamos todos uns aos outros, e como não havia nada organizado toda a gente sabia da conspiração do outro. E além disso eramos camaradas, amigos, companheiros de armas e de guerra." Garante: "Ninguém mataria ninguém."Domingo. Está para acontecer um estranho episódio. O historiador César Oliveira, o engenheiro João Cravinho e o economista Francisco Soares - os três tinham rompido com o MES no final de 1974 - estão juntos quando recebem a visita de um oficial do MFA ligado ao PCP. O nome? Não o divulgam. No meio da conversa, o militar sugere-lhes que elaborem um projecto de nacionalização do sistema financeiro. A encomenda deixa-os perplexos. Mais estranham quando o outro lhes diz que o texto deveria estar redigido na quarta-feira seguinte, ou seja, a 12 de Março. Desconfiados, rejeitam a proposta. De novo a sós, ponderam no assunto. No ar corriam rumores contraditórios. Até adivinharem a conjura foi um instante. Claro que os três homens concordavam num ponto: estava para acontecer alguma coisa. O motim que se adivinhava talvez não fosse uma questão do acaso. O ex-dirigente do CDS Freitas do Amaral, ouviu também esta história da boca do historiador César de Oliveira. Contactado pelo PÚBLICO João Cravinho não o desmente, mas diz: "São águas passadas." "Para mim é novidade, nunca ouvi falar nisso nessa conversa", garante Vasco Lourenço. Adianta: "É claro que o golpe foi provocado." "Bom, se existiu algum contacto com João Cravinho e César de Oliveira ele não partiu da Coordenadora do MFA, nem da Marinha como um todo. Foi isolado, mas eu desconheço-o", sublinha Miguel Judas. "Nunca me constou nada", assegura Sousa e Castro. Em nome da Revolução, tudo era possível.

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