"O sonho é construir o Estado-polícia"

É, façam-se as contas que se fizerem, o mais amargo e irreverente intelectual produzido pelos Estados Unidos nos últimos 50 anos. Dele se disse que toda a vida acalentou um sonho de menino-bem: tornar-se Presidente. Como isso é impossível, vai demolindo o sistema. "O Fim da Liberdade" é o seu último livro.

Vive, exilado, em Ravello, perto de Nápoles. Gore Vidal, 76 anos, um dos mais controversos escritores anglófonos, acaba de lançar, em Itália, o livro que os Estados Unidos "censuraram". O volume agrega um conjunto de ensaios dispersos por várias revistas norte-americanas sobre a guerra, o caso Unabomber, o caso Waco e o totalitarismo embrionário das medidas de excepção idealizadas por George W. Bush. "Há algo de suicida em tudo o que faz" - afirma do actual Presidente - "não eleito", insiste - norte-americano. Este é um livro corajoso e devastador para os poderes públicos americanos do pós-guerra. Gore Vidal arrasa o Departamento de Justiça, o FBI, a imprensa, os militares e observa que os norte-americanos estão distraídos do incrível potencial bélico das milícias de extrema-direita. Preferem posicionar-se no maniqueísmo moral que se instalou no debate sobre a guerra, animado pelo verdadeiro exército cultural americano: a imprensa. "Os 'media' nunca foram tão subservientes." Numa das alas do elegante Hotel d'Inghilterra, na Baixa de Roma, Gore Vidal, no seu irrepreensível sotaque de Oxford, concede, com ar enfastiado, uma entrevista à PÚBLICA, partilhada com a agência de notícias britânica Reuters. Minutos depois, o "aristocrata americano" apresentaria publicamente "O Fim da Liberdade - A Caminho de Um Novo Totalitarismo". PÚBLICA - Considera-se um patriota?GORE VIDAL - Suponho que sou o último dos patriotas americanos. Antes de mais, não existe nenhum outro escritor, ou romancista, que tenha o menor interesse pela história dos Estados Unidos. Ninguém sabe nada de nada! Temos muitos escritores interessantes, mas que não possuem o sentido da história do país. Passei quase 30 anos a escrever sobre história americana. Desde a Revolução até ao ano 2000, em sete volumes, para apurar a história americana! Nos Estados Unidos até conseguimos ter alguns bons historiadores, mas a maior parte faz propaganda. Então passei quase 30 anos com uma tarefa que deveria ter sido desenvolvida pelo próprio sistema público de educação, porque havia outras coisas que eu gostaria de ter feito, evidentemente, para além da investigação sobre a história do país. Felizmente, milhões de pessoas leram estes meus livros e, felizmente, muitos americanos têm agora uma visão mais correcta dos nossos tempos.Pelo menos, mais correcta do que aquela fornecida pelo "New York Times" - o nosso "Pravda" - ou pelas versões dos departamentos de História [das universidades], feitas por burocratas, uma coisa terrível... Só conseguem agradar ao Governo federal que subsidia as universidades e os departamentos de Física na construção de armas... Como dizia o general Eisenhower, em 1960 - que alertava contra o complexo industrial militar -, quando falava dos grandes perigos da perpetuação da guerra, referia-se também aos dinheiros federais que eram canalizados para as universidades e que as corrompiam. As universidades devem preservar a todo o custo a sua independência do Governo. Mas se pelo contrário estão dependentes dos dinheiros federais, isso também influenciará os departamentos de História, e assim por diante...P - Considera-se uma espécie de guardião da verdade histórica?R - Guardião é uma expressão um bocado forte. Bem gostaria eu de ser um guardião, mas, na verdade, limito-me a chamar a atenção das pessoas para o que foi a história. Qualquer um pode descrever o que aconteceu, mesmo um "cameraman" nos pode mostrar o que aconteceu às Torres Gémeas, mas tentar explicar o porquê - porque é que Bin Laden fez o que fez - isso já é trabalho duro que me torna muito impopular.Porque se terá de revelar - como eu fiz neste pequeno livro - os cerca de 400 ataques protagonizados pelos Estados Unidos a outros países durante mais de 50 anos. Guerra! Não declarada... geralmente defendida com o argumento da luta contra o comunismo. Uma coisa irracional durante 40 anos. Se atacamos as pessoas desta maneira, um dia alguma há-de ripostar. E foi o que aconteceu, uma delas ripostou. P - O que é que pensa de Osama bin Laden?R - Bem, não acho que exista grande mistério acerca dele. O mistério é como conseguiu ser brilhante, e como o fez. Acho que muito deste seu brilhantismo lhe advém da família. Eles são uma espécie de família Rockfeller da Arábia. Conhecem o mundo, o mundo da economia. Ele atacou a América exactamente no momento em que estávamos a entrar numa depressão mundial, num momento em que a Europa se prepara para uma nova moeda. É o momento mais frágil no Ocidente, e ele desencadeou uma acção terrorista. Ora, para alguém que nos é hostil, isto aconteceu num "timing" brilhante. E porque é que ele não nos quer bem? Os EUA não se preocupam mais do que em defender os seus interesses petrolíferos - e nós em Washington temos um governo inteiramente composto por homens do petróleo. Bush, pai e filho, o seu braço-direito [vice-presidente Dick] Cheney, Donald Rumsfeld [secretário de Estado da Defesa] são homens do petróleo. Não sabem nada de história, geografia ou política americana. Estão no negócio do petróleo e querem fazer dinheiro. Só vêem isso. Pode ser que um dia tenhamos sarilhos. Na Arábia Saudita, os EUA apoiam a família real, que éextremamente impopular... Bin Laden desertou da Arábia. Pertenceu aos círculos da família real, mas desertou porque chamar os americanos para combater o comunismo no Afeganistão significou não só uma ofensa pessoal, mas, sobretudo, significou chamar o infiel.Mas porque é que Bin Laden não passou a combater a família real? É simples: porque ele não pode. Eles pertencem à terra santa de Maomé, à nação da cidade santa de Medina e da cidade santa de Meca. Seria um sacrilégio. Mas então "the next big thing" seria atacar aqueles que mantêm no poder a família real saudita, isto é, os americanos. Para lhe ser franco, acho que Bin Laden não se importa muito com o que se passa em Israel, com os palestinianos ou com o que nós fizemos no Iraque. O sofrimento que provocamos ao povo iraquiano! Tudo porque Bush sénior precisava de uma guerra para ser popular. Ele nunca conseguiu ser popular a não ser durante a guerra. Foram 15 minutos de glória, em que Bush gozou de 90 por cento de popularidade, e depois as coisas começaram a andar mal. Agora, o filho diz que esta vai ser uma guerra longa. Porque será? Porque, está a ver, eles são os maus e nós somos os bons. Os maus odeiam os bons. E é este o nível intelectual do debate a que se chegou em Washington.E esta presunção de que os americanos são um bando de idiotas também está errada. São ignorantes porque não dispõem de um sistema nacional de educação e porque os "media" são totalmente distorcidos. Mas, apesar disso, os americanos ainda conseguem distinguir quais são os seus interesses. Os Estados Unidos nunca foram favoráveis a qualquer grande guerra. O povo nunca foi favorável à guerra... a não ser quando fomos atacados como em 1812 ou em Pearl Harbour. Sempre tentámos ficar fora das guerras. Os nosso líderes sempre foram favoráveis, mas o povo nunca. Foram os nossos líderes, geralmente banqueiros ou com ligação a grandes interesses económicos, que lançaram verdadeiras campanhas de propaganda para provocar alguém a executar qualquer coisa parecida ao que aconteceu com as Torres Gémeas. Agora têm o poder de construir um Estado-polícia, que o sonho é sempre esse.P - Porquê esse sonho?R - Veja. As nações são tropismos. E a natureza, o poder, a força de um tropismo reside sempre na sua disseminação. Quando um tropismo deixa de crescer, atrofia, fica sem energia e entra num processo de entropia. P - Mas acha que se está perante um neomaccarthismo?R - Sim, absolutamente. Provavelmente até mais perigoso. Agora temos todo um governo que tenta convencer a opinião pública. Lembro-lhe que a senhora Cheney fez publicar uma lista com os intelectuais indesejáveis, onde me incluo.P - E sente-se orgulhoso?R - (Risos) Sim, estou orgulhoso. Sentir-me-ia ofendido se não me incluíssem. Nunca ninguém tinha feito uma lista do género. E logo a mulher do vice-presidente! E depois todos estes... ecos nazis (em tom militarista) "Segurança da pátria"... "Achtung"... "Devemos proteger a pátria". Isto não são frases usadas por americanos. Isto é quase uma tradução do discurso alemão de 1935. "Nova ordem mundial!" Foi o Bush sénior que se saiu com esta. Isto era uma frase do Hitler. Esta gente é completamente ignorante e não tem ninguém que os informe. E os "media" nunca foram mais subservientes, nem mais tóxicos. A imprensa faz constantemente processos de diabolização, se o Governo assim o decidir. E ignoram fenómenos mais importantes que o Bin Laden, como os sete milhões de cidadãos americanos que se auto-intitular "patriotas americanos". E a revolução pode muito bem, um dia, vir dali. Isto são fenómenos muito mais perigosos para o nosso Estado. Mas, em Washington, toda a gente insiste em falar de guerra. Só que o grupo de Osama bin Laden não é um país. São um "gang". Isto das torres foi como se a Mafia nos tivesse atacado. Ora, não se declara guerra à Sicília só porque os mafiosos vivem em Palermo. E não se bombardeia Palermo por causa disso, como não se devia bombardear o Afeganistão. Chama-se a polícia internacional e tenta-se prender o chefe do "gang". Ou se, realmente, fosse um imperador, Bush tentava comprar o chefe dos "gangs" às outras tribos. É assim que a Mafia tem agido no passado, e é assim que fazem todos os impérios. Veja-se o caso de Júlio César ou o que os ingleses faziam com os irlandeses...Compravam-nos a outros irlandeses. É assim que se lida com os "gangs". Não se bombardeia a Irlanda só porque existe um grupo como o IRA.P - Então é uma guerra de "gangs"?R - Sim. Eu não embarco nesta ânsia de fazer disto uma guerra entre "little Lord Jesus" e Maomé. Mas admito que nos Estados Unidos lidamos com umas mentes cristãs muito simplórias e que muito facilmente erguem a voz... P - Ainda acredita que os monoteísmos são sementes de guerra...R - Sim, acredito. Se quiser saber mais, leia alguns dos meus livros. Leia "Juliano", que explica como é que o cristianismo foi inventado.P - Tem uma relação difícil com a religião...R - É que eu não vejo qual é a sua necessidade. No mundo clássico, as pessoas inteligentes dedicavam-se à filosofia. A magia era para os mais simples, que não toleravam a argumentação nem estavam muito preocupados com isso. Discutia-se a noção de bem, a aplicação do bem... Ninguém precisava de milagres, de ressurreições.P - Acha que os Estados Unidos estão, hoje, transformados num ninho de cucos?R - Bem, sempre foram assim. Daí o seu "charme". É o mais louco que se possa conceber. Sempre lidámos com loucos e, como sabe, os loucos são muitas vezes geniais. E nós somos geniais em muitos campos. Não inventámos só o Kleneex, que era o cerne da discussão de ontem à noite... (risos). Também inventámos o "software".P - Neste seu livro, fala de novos teocratas. A páginas tantas, diz que "podemos confiar nos civis, mas devemos estar alerta com os 'media', os militares e os políticos". São este os teocratas a que se refere?R - Bem, os "media" existem para servir os seus proprietários. E os proprietários são as grandes corporações americanas que oferecem dois biliões de dólares ao primo Al [Gore, candidato democrata às presidenciais americanas de 2000], ou dois biliões - se calhar um bocadinho mais - ao Bush para se tornar Presidente dos Estados Unidos. Os "media" são hoje máquinas de propaganda. É essa a sua função. E sabe uma coisa? Os jornalistas nunca perguntam "porquê" que alguma coisa aconteceu. Dizem só que aconteceu. Bem, na verdade, já nem isso precisam dizer. Todos vimos, na televisão, o que aconteceu às Torres Gémeas, sem precisar que ninguém nos dissesse o que estávamos a ver. Conseguimos perceber! Mas porque é que aquilo aconteceu? Ninguém se quer meter nisso! Obviamente que há jornalistas na televisão que são, moderadamente, livres e que tentam fazer o seu melhor. Mas ninguém quer saber disso. As pessoas estão demasiado ocupadas a ler o quão mau é o Bin Laden. Esta visão maniqueísta do mundo é muito peculiar dos americanos. É peculiarmente americana. P - O que é que sugere ao Presidente Bush?R - Que vá para casa. Antes de mais, ele nem sequer deveria ser Presidente. Ele não foi eleito. Num país bem governado, teríamos tido, pelo menos, alguma possibilidade de garantir que o vencedor de uma eleição é mesmo o vencedor. Mas o Supremo Tribunal decidiu que o derrotado fosse Presidente. E ele agora está na presidência para fazer ganhar mais dinheiro aos mais ricos e para aliviar as grandes corporações do peso dos impostos. Só que as reservas do país estão tão em baixo que não vai haver dinheiro para a guerra. Washington diz que vai custar um bilião de dólares. Tenho a certeza de que será muito mais! Nós não temos dinheiro que aguente uma guerra longa. Mas ele vai arrastar isto até às eleições de 2004 para ser reeleito, porque pensa que um presidente em tempo de guerra será reeleito, tal como aconteceu com Roosevelt. Mas o Roosevelt tinha uma visão das coisas e isto não passa de um combate contra a Mafia, que deve ser conduzido de maneira diferente. Não se pode basear na explosão de um país.P - Tem alguma simpatia pelo movimento de Seattle?R - Oh, é irritante. Eles não conseguem dizer o que querem. Enquanto o inimigo, que são as grandes corporações, sabe muito bem o que procura. E estão espalhadas por todo o mundo. Onde houver mão-de-obra barata, lá estão as grandes multinacionais. E não se pode recriminá-las. É essa a natureza da besta: maximizar o lucro. Se alguém quiser uma economia mundial diferente, vai ter de começar tudo de novo.Ora, isso até poderá acontecer. E é esse o papel dos movimentos. Porque eu acho que a depressão que aí vem será absolutamente devastadora para todos os países. Vamos ver desvalorizar o dinheiro até não servir para nada. Para nada! Dentro de algumas semanas, a Europa vai aderir ao euro, e então vamos assistir ao mais absoluto caos neste país [a Itália]... e nos outros não vai ser muito diferente! O único país que talvez poderá escapar à depressão será talvez a China, que já escolhemos como nosso próximo inimigo mundial... Se Bush pensa que será muito excitante para nós travarmos uma guerra contra um bilião de muçulmanos, eu não estou a ver como é que podemos vencê-los! E se houver muitos mais "kamikazes", de certeza que não os venceremos.Há qualquer coisa de suicida em tudo aquilo que faz. São atitudes que têm repercussões que ele não consegue imaginar. Ele não tem qualquer noção de causa e efeito. Ele balbucia o que lhe dizem. "Temos de permanecer erguidos." Pois é... Quanto mais erguidos ficarem, mais possibilidades têm de ser atingidos por um avião "kamikaze". Hoje em dia, a política não passa de uma questão de dinheiro. A política trata de saber quem cobra que dinheiro a quem para dar a quem para fazer o quê. É isto a política. Não passa disto.P - Apesar deste seu discurso crítico, não lhe parece que este totalitarismo, como lhe chama, é qualquer coisa de consentido pelos americanos?R- Não, porque as pessoas não têm sequer ideia das razões disto tudo que está a acontecer. E como poderiam saber? Eles mal sabem o que se passa no movimento patriota [referência às milícias de extrema-direita] nos Estados Unidos. E nem eles, nem os primos, nem os tios, nem as tias... Só sabem que aquele veio do Kansas, o outro do Nebraska, do Montana ou de outro estado qualquer. E a maioria da população que vive nas duas costas pensa que aquilo são coisas de camponeses loucos. Mas estes são na maioria gente que ficou sem as terras, deserdados pela chamada "agro-indústria", revoltados contra o governo federal... e os "media" não dão eco destes fenómenos militaristas... que são preocupantes.P - No meio disto, onde se situam os intelectuais?R - É escusado. Não há grandes intelectuais.P - Mas há o Chomsky, a Susan Sontag...R - Sim, o Chomsky, eu, e... poucos mais. Sim e a pobre Susan, que se está a tentar juntar a nós, mas não está a ir lá muito bem, lamento. Não tem ideia da História, mas [cerrando os punhos] é uma "apassionata". Há muito, muito poucos intelectuais. Este tipo que cito no início do livro, Arno J. Mayer [professor emérito de História na Universidade de Princeton], era um desconhecido para mim. Ele quis publicar um artigo nos Estados Unidos sobre esta questão do Afeganistão e todos os jornais se recusaram. E olhe que eu pertenço a "The Nation" há mais de 50 anos... Eu não sabia que lhe tinham recusado o artigo... "The Nation" é o jornal mais liberal do país, com 175 anos de vida!! O jornal "Le Monde" lá acabou por publicar o artigo, mas se isto não é censura não sei o que será.P - Vê alguma coisa de positivo nisto tudo?R - Sim, a depressão. O "crash" de todo o sistema económico mundial. Qualquer coisa com que vocês em Portugal lidam todos os dias. E sim, haverá grandes mudanças. Mas agora a obsessão nos Estados Unidos é, outra vez, atacar o Iraque. Mas o que é que fez o Iraque? Nós destruímos o mais que pudemos, negando-lhes alimento e medicamentos. Punimos os cidadãos, enquanto Saddam está às mil maravilhas. Tal como Castro. Castro não quis acreditar que os irmãos Kennedy estavam a tentar assassiná-lo. Organizaram oito tentativas para assassinar Castro. Tudo porque ele recusou render-se na Baía dos Porcos. A verdade é que Castro sobreviveu, ainda está em Cuba, e os Kennedy desapareceram. Mas pode lá dizer-se isto do "príncipe americano"! Porque os Kennedy amavam a paz. Todos os americanos amam a paz! (sardónico) E ele [Castro] é mau. Ah, ele é mau! Mas porque é que ele é mau? ... Aaaa... bem sabem... aaa... ele é comunista. Ah, é comunista... hummm. Eu até pensava que ele fossepior, que fosse jesuíta. Em suma, o homem foi diabolizado. E é para isso que os "media" existem. Neste momento, quase todo o planeta é nosso inimigo. Deite os olhos à lista que aí está [no livro, onde Gore Vidal enumera todos os conflitos em que os Estados Unidos estiveram presentes desde 1948 até hoje]. Como é que se age com um país completamente descontrolado? E com as lideranças militares fora de mão?... que só querem mais e mais dinheiro para armas... Bem, é um tropismo.P - Qual é a sua actual relação com os Estados Unidos?R - Bem, tenho uma casa em Los Angeles... Faço algumas palestras, várias vezes ao ano, em que nunca junto menos de mil pessoas. Mas os jornais nunca dizem nada. Posso eventualmente sair nas televisões locais, mas raramente nas televisões nacionais. Para o Chomsky, então, é impossível aparecer no "New York Times", na NBC ou na CBS... Apesar de tudo, deste boicote dos "media", há uma espécie de "underground" nos Estados Unidos - as pessoas aparecem quando sabem que estamos na cidade. Mas a imprensa nunca dirá nada.P - Concentra, então, as suas esperanças neste "underground".R - Bem, concentro as minhas esperanças em tudo o que posso. P - E onde é que pode?R - Basta sair para a rua e espalhar a palavra. Sabe que as pessoas têm fome de saber o "porquê" das coisas, porque a imprensa, normalmente, só diz o "que" aconteceu. E são sempre maniqueístas. "O inimigo é o mal, nós somos o bem" e isto supõe responder a todas as questões.P - O que é que conhece de Portugal?R - Eu adoro Portugal. Gosto muito do vosso Presidente... Ofereceu-me um belo jantar. Sampaio... não é assim que ele se chama? Pareceu-me um homem brilhante. Cresceu em Baltimore, sabia? Gostaria de reencontrá-lo e de estar outra vez em Lisboa. A última vez estive na Gulbenkian para uma conferência, há cerca de dois ou três anos. Nessa altura, jantámos e dei-me conta que os seus assessores eram muito jovens. Não me pareceu que tivessem mais de trinta, trinta e cinco anos... Foi talvez uma das equipas mais brilhantes que alguma vez conheci. (Silêncio) Tive a inspiração de que um homem assim - com um grupo de pessoas tão brilhantes - tivesse hipóteses de liderar a Europa. Porque nunca hão-de permitir que seja um grande país a fazê-lo... [Tony] Blair é um actor que anda à procura de um papel. A ilha não é suficientemente grande para o que tem em mente... talvez queira ser presidente da Europa, não sei... mas acho que, de repente, se viu a si próprio como o leal aliado do "Colosso"... E agora está a desempenhar o papel de Winston Churchil, que, como sabe, é o maior inglês vivo.

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