O futuro segundo Alvin Toffler

Trinta anos depois do seu primeiro livro, "Choque do futuro", o escritor e analista social Alvin Toffler continua a pensar no amanhã. De passagem por Aveiro, para dar uma conferência sobre as pequenas coisas que vão mudar no dia a dia, aquele que é um dos pais da nova vaga de futuristas, agora com 71 anos, falou da "Terceira Vaga" (que também é o título do seu livro mais famoso) e disse que esta só estará completa quando a revolução da informação e da genética se fundirem numa só.

Depois da agricultura e da industrialização, a Terceira Vaga é a terceira grande revolução na História da Humanidade - diz Toffler - e trazer-nos-á uma nova economia, novas instituições, novos poderes e uma democracia mais activa. Mais preocupado com novas formas de vida que o homem pode criar manipulando genes do que com alimentos geneticamente modificados, Toffler falou pelos cotovelos e arrastou a sessão quase duas horas para lá do previsto, respondendo entusiasticamente a todas as perguntas - apesar do frio que se fazia sentir no velho teatro, que encheu. "Poderia dar respostas mais curtas?", sugeria, às tantas, Miguel Lemos, da organização. "Para isso seria necessário modificarem-me geneticamente", respondia o autor de "Os novos poderes" e "Criando uma nova civilização", a sorrir. Antes da sessão, a PÚBLICA falou com Toffler, entre sorrisos e bombons. "Sou um viciado em chocolate", confessou, estendendo uma das compridas e finas mãos para a taça de doces embrulhados em papéis brilhantes de várias cores. As mãos dançarinas que sublinham as suas palavras enquanto se perde em visões do futuro. Como a da conquista do espaço, que espera que seja - mas ainda não assume - a quarta vaga.P: Ainda estamos na Terceira Vaga?A.T.: Sim. Estamos em diferentes estádios da Terceira Vaga em diferentes partes do mundo, países e sociedades. E mesmo nos Estados Unidos, onde a Terceira Vaga primeiro se iniciou, ainda temos instituições de Segunda Vaga. E há as pessoas: Muitos de nós nascemos na Segunda Vaga e temos ideias e atitudes de Segunda Vaga. Eu não penso que haja, para já, nenhuma sociedade que seja completamente de Terceira Vaga. E não teremos nenhuma por algum tempo. A revolução digital, que deixa as pessoas tão entusiasmadas, é apenas o primeiro passo. A Terceira Vaga não estará completa enquanto não tivermos uma fusão entre a revolução da informação e a revolução genética. Quando as duas se juntarem, tudo mudará e a Terceira Vaga estará completa.P: O que é que não esperava que acontecesse quando escreveu a Terceira Vaga, há 20 anos? O que é que o surpreendeu neste período de tempo?A.T.: Não muito... (risos)P: E a Internet? Estava à espera de algo assim?A.T.: Bem... Ninguém poderia esperar a diversidade e os milhares de novos e criativos usos que estão a chegar à Internet. Mas claro que sabíamos que uma coisas destas iria desenvolver-se. Escrevemos há 20, 30 anos sobre isto. Mas não se chamava Internet. O primeiro desenvolvimento da Internet foi na Agência de Projectos de Investigação Avançada (ARPA) da defesa norte-americana. O primeiro uso civil foi feito alguns anos depois, com o patrocínio da Fundação Nacional de Ciência. Nessa altura não estávamos a participar no desenvolvimento da Internet, mas já estávamos ligados. E eram apenas cerca de 700 as pessoas que estavam ligadas [em rede]. Sabíamos que se deixássemos o computador ligado no fim de semana, quando voltássemos teríamos tanta coisa que não conseguíamos ler tudo (risos).P: O que é que vai acontecer à Internet nos próximos 20 anos?A.T.: Vamos deixar de pensar nela, vai passar a ser natural. Tudo o que vemos agora nesta forma primitiva vai ser mais suave, mais bem desenvolvido e mais transparente.P: No passado disse que a guerra do futuro seria uma guerra de informação. O que é que pensa dos ataques dos "hackers" aos sítios de grandes empresas e a sítios governamentais, como os do FBI? Isto é uma nova forma de guerra ou é apenas terrorismo?Acho que é muitas coisas. Há o crime, que as pessoas fazem por dinheiro; há o vandalismo, que os jovens fazem da mesma forma que fazem "grafitti; e há o terrorismo, que tem fins políticos. A questão é qual é a nossa atitude perante os "hackers" e a deles entre eles. Às vezes diferenciam-se entre o que eles chamam "hackers" e "crackers". E há uma diferença entre aqueles que fazem o que fazem como um jogo, um desporto, sem pretenderem prejudicar ninguém [os "hackers"]; e os outros, que querem prejudicar as pessoas [os "crackers"]. Para mim, essas pessoas são vândalos, criminosos ou terroristas - uma dessas categorias - e devem ser tratados como tal. É claro que isso é mais fácil de dizer do que de fazer. Primeiro é preciso encontrá-los (risos).P: O campo de genética tem vindo a desenvolver-se muito nos últimos anos e abriu uma janela de imensas possibilidades para o futuro. Quando olha por essa janela o que é que vê?Eu sei que a Europa está neste momento a atravessar uma grande controvérsia quanto ao uso de alimentos geneticamente modificados. Eu como alimentos geneticamente modificados há muito tempo e ainda não descobri as diferenças. Penso que há perigos associados à manipulação genética, com os quais não estamos familiarizados e, portanto, temos de avançar com muito cuidado. E nós escrevemos sobre isto há dez, 20, 30 anos. Mas não devemos entrar em pânico e a Europa está a entrar em pânico acerca deste assunto. E o pânico tem sido artificialmente promovido, em parte pelos media, através de sensacionalismos, mas também por ministros do comércio que querem impedir a importação de comida estrangeira, e usam isso como desculpa. Isso é muito mau para a Europa.P: Por falar em Europa e em pânico, o que pensa da forma como a União Europeia reagiu à questão austríaca?A.T.: A coisa mais assustadora sobre o surgimento do Sr Haider na Áustria é que nos ensina que as teorias anteriores sobre o surgimento do fascismo já não são adequadas. Há duas teorias dominantes sobre a ascensão de Hitler ao poder. Uma diz que foi porque a Alemanha estava, no fim da Primeira Guerra Mundial, numa situação de desastre total, com o tratado de paz [Versalhes], isolada, numa terrível depressão, com milhões e milhões de desempregados. Nada disso acontece na Áustria de hoje. A segunda teoria, que é uma análise marxista, diz que a classe capitalista alemã teve medo do bolchevismo, de uma invasão da Rússia, ou de forças no interior da própria Alemanha. Não há nenhum desses perigos na Áustria. Não há inimigos externos nem internos. E, no entanto, temos a ascensão de um partido infectado com algumas das ideias que levaram ao genocídio. Um partido xenófobo e perigoso, mas que não é o mesmo que os nazis eram. Os nazis eram nacionalistas e socialistas. E Haider é nacionalista à direita. O fenómeno é diferente e tem de ser visto e analisado de forma diferente. E quanto à reacção da Europa?Percebo porque é que os europeus de boa vontade quiseram isolar o senhor Haider. Mas se foi tacticamente inteligente é outra história... Poderiam simplesmente ter dito que era uma sacudidela nacionalista na Áustria. E o que pensa do resultado das eleições em Taiwan?Penso que toda a gente se devia calar.Porquê?Quanto mais falam mais dizem asneiras. Os chineses têm, certamente, consciência de que biliões de dólares do dinheiro de Taiwan são investidos na China. Há muitas trocas entre eles e penso que Chen Shui-bian ou Jiang Zemin não querem afectar isso. Por outro lado, é claro que há outras forças dentro da China - possivelmente os militares ou parte destes - que são muito mais nacionalistas e estão preparados para usar a violência. No interior de Taiwan há uma relação informal muito boa. Porquê mudá-la enquanto puder continuar assim? Penso que os líderes chineses do presente, a não ser que percam a luta interna, não atacarão Taiwan. Mas a vida é cheia de surpresas e a verdade é que já dispararam mísseis naquela área.P: Alguns analistas sugerem que, nos próximos anos, poderão surgir problemas internos nos Estados Unidos que conduzam a uma crise. Pensa que os Estados Unidos vão continuar a ser a grande super-potência global nos próximos 20 anos? Penso que uma crise interna é sempre possível. É possível na Europa e nos Estados Unidos. Temos pequenos e insipientes movimentos armados nacionalistas, que não são importantes. Mas Hitler também não era... Depende do que acontecer. Posso imaginar, mesmo nos Estados Unidos, desejos separatistas. Há insipientes desejos separatistas. Mas também penso que não devemos pensar nos Estados Unidos dentro de 20 anos como são hoje. Daqui a 20 anos vamos ter uma maciça população hispânica, uma população asiática muito maior do que a actual e os Estados Unidos serão socialmente e etnicamente diferentes. Por outro lado, não acredito no que os líderes da Europa disseram há dias - que em dez anos a Europa vai tirar de cena os Estados Unidos. Já ouvi isso em 1956, na boca de um homem chamado [Nikita] Krushchev (risos). [Toffler refere-se à expressão "Nós havemos de os enterrar", proferida pelo homem forte da União Soviética, a propósito de uma esperada vitória do comunismo sobre o capitalismo.]P: Uma vez disse que as nossas estruturas políticas e morais vão explodir. O que vai acontecer?Todas as nossas instituições governamentais foram criadas ou adaptadas a um mundo industrializado de movimentos de massas, partidos políticos de massas, baseados em meios de comunicação de massas, sindicatos de massas e produção em massa. Penso que tudo isso vai mudar. O que temos na Europa e nos Estados Unidos não é, para mim, democracia. É sub-democracia. Não que a dos outros seja melhor, é pior. Mas isto é democracia de massas. E a democracia de massas é, historicamente, a expressão política de uma sociedade baseada em produção de massas, consumo de massas, meios de massas, educação para massas, entretenimento de massas, desporto de massas... Quando essas condições mudarem, e é isso que a Internet e a nova economia têm de mudar, então as formas políticas também vão mudar.P: Como imagina a democracia do futuro?A.T.: Muito mais complexa, com pequenos grupos a participarem, e pequeníssimos grupos - bons ou maus - a terem a capacidade de se organizarem instantaneamente na Internet. Isso terá consequências positivas e negativas. A sociedade civil terá um papel mais importante.P: Há analistas que dizem que num destes dias - amanhã, daqui a um ano ou dois - Wall Street poderá enfrentar um novo "crash". Qual é a sua opinião? Penso que, se isso acontecer, será um tremendo desastre para todo o mundo, não será um fenómeno norte-americano. Afectaria seriamente a Ásia e mercados em todo o mundo e poderia, pelo menos temporariamente, afectar a economia global. Pode acontecer? Sim, pode. Há uma "bolha", mas não devemos chegar a essa conclusão baseados em análises erradas. P: As empresas de tecnologia estão muito valorizadas na bolsa. Será isto um sintoma dessa nova economia de que fala? Será que nessa nova economia existirão sequer bolsas?A.T.: Há muitos anos, eu e a minha mulher tomámos a decisão de não investir em acções. A nossa vida é muito complicada para isso. Estaríamos muito ricos se o tivéssemos feito, mas optamos por não o fazer. Eu não sou um especialista, mas acredito nisto: Por um lado, temos economistas e analistas financeiros - pessoas do mundo dos negócios -, que dizem que, na verdade, nada mudou. Os fundamentos [para avaliar a riqueza] continuam a ser os mesmos, estão certos e os preços errados, porque não combinam com os fundamentos do passado. E eu acho que estão errados. Por outro lado, temos as pessoas que dizem que existem uma nova economia e novos fundamentos e, por isso, os preços do mercado estão certos e vão continuar. Mas estes também estão errados.P: Porquê?A.T.: Por duas razões. Primeiro, porque nada impede que as pessoas sejam estúpidas, tolas ou maníacas em relação a acções. Sejam elas da velha e da nova economia. E eu acredito que as acções da nova economia são valiosas, mas serão assim tão valiosas? Provavelmente não. Segundo, se o que eu digo está correcto, então estamos a atravessar não uma mudança, mas uma revolução. E quais são as características de uma revolução? Ela não avança numa linha recta. Tem altos e baixos, inversões, surpresas, oportunidades, erros... Todo o tipo de perturbações. É um ambiente não linear. E isso diz-me que sim, temos uma nova economia, sim, é revolucionária, e por isso não será estável. Os fundamentalistas e anti-fundamentalistas estão ambos errados. Não estão a pensar profundamente sobre o carácter da mudança e a natureza do mercado de acções. E pode mesmo haver um "crash".P: Há alguns anos dizia que era preciso mais tempo antes de o Homem avançar para o espaço. A conquista e colonização do espaço irá acontecer ainda na terceira vaga ou já na quarta?A.T.: Durante muitos anos eu disse que a revolução genética era a terceira vaga. Foi Heidi, a minha mulher, que me convenceu de que essa era uma resposta inadequada. Não podemos separá-la da revolução da informação. Estas duas coisas fundiram-se tão rapidamente que são de facto um único fenómeno. Se pensarmos bem, o que é realmente irónico é que quase no mesmo ano - em 1953 ou 1954 - trabalhava-se em Cambridge, Inglaterra, nos laboratórios de genética onde estavam a descobrir o ADN, e nos laboratórios de computadores onde se estavam a fazer descobertas fundamentais na computação. E estes dois departamentos nunca falaram um com o outro. E foi preciso todos estes anos para estes dois campos de conhecimento de juntarem. Por isso, penso que a revolução da informação é o primeiro passo de uma transformação que terminará quando a revolução da informação e a da genética se fundirem completamente. Depois disso, o desafio será irmos para o espaço. E isto é uma declaração romântica, que não posso provar. Acredito que esse é o nosso destino, mas é uma questão de fé na ciência. P: Gostaria que me falasse um pouco do seu próximo livro. Pode dizer-nos alguma coisa?Na verdade não... (risos).

Sugerir correcção