Gorillaz à conquista de Lisboa

São a grande atracção do "Isle Of MTV", sábado, em Lisboa. Acabaram de lançar um álbum de versões dub e são um dos projectos pop mais bem sucedidos dos últimos anos. São música, mas também BD, cinema, ficção. Ao vivo, são uma coreografia de música e imagens.

Os Moorcheeba acabaram de lançar o novo álbum, "Charango". Os franceses Cassius e os ingleses Layo & Bushwacka! também têm álbuns novos e muita da imprensa estrangeira esperada na Torre de Belém, em Lisboa, vem para ver a estreia em concerto dos primeiros. Mas a grande atracção do primeiro "Isle Of MTV" em terras portuguesas são os Gorillaz. São um dos projectos pop mais bem sucedidos dos últimos anos e é a primeira vez que tocam ao vivo em Lisboa (actuam a patir das 3h da madrugada), depois de goradas as tentativas para actuarem, o ano passado, no nosso país. Foram concebidos como um grupo virtual pelas mentes do produtor Dan "The Automator" Nakamura (Deltron 3030, Handsome Boy Modeling School, Nathaniel Merriweather), pelo cantor dos Blur, Damon Albarn, e pelos músicos Miho Hatori, dos japoneses Cibo Matto, Tina Weymouth e Chris Frantz (ambos Tom Tom Club e ex-Talking Heads). O imaginário visual e a criação dos "cartoons" ficou a cargo de Jamie Hewlett, um conhecido criador de BD, nomeadamente de Tank Girl. Mais tarde, também os norte-americanos Del Tha Funkee Homosapien e Kid Koala entraram para a equipa criativa que concebeu todo o projecto Gorillaz. A estreia deu-se no final de 2000 com o EP "Tomorrow comes today", enquanto o álbum homónimo saiu em Março de 2001. Tal como aconteceu com o álbum "Play" de Moby, também o longa-duração de estreia dos Gorillaz se transformou num sucesso ao retardador. A música era hip-hop, pop, fresca e vibrante, mas não entrava à primeira e todo o imaginário ficcionado à volta do projecto demorou a ser interiorizado pelo público em geral. Os adolescentes foram os primeiros a aderir e não custa perceber porquê. Os Gorillaz foram imaginados como uma banda de "cartoons" onde se sente a influência da "manga" japonesa. São quatro personagens-tipo, caricaturas do universo da música, que dão pelos nomes de 2D, Murdoc, Russel e Noodle. Todos têm uma história própria, com influências, percursos e atitudes diversas. A identificação dos adolescentes com as quatro personagens começava na música, mas prolongava-se por todo o imaginário criado a partir dela. Dizer "a partir dela" é capaz de não ser o mais correcto. Porque os Gorillaz não são apenas um projecto de música. São um conceito global de música-imagem, onde essas duas vertentes não podem ser dissociadas. Uma vive em função e em paralelo com a outra. Não são indivisíveis. Constituem um só universo. A ideia não é propriamente nova, o que constitui novidade no caso Gorillaz é o facto de ter sido um projecto gerado a partir do centro da indústria, garantindo-lhe uma visibilidade até aí inalcançável por quem já tentou arriscar conceitos semelhantes. Mas isso não retira pertinência ao projecto Gorillaz. Porque, com a excepção do projecto UNKLE de James Lavelle ou dos franceses Daft Punk, poucos grupos no contexto da música contemporânea conseguiram imaginar um projecto global tão bem delineado entre música e imagem. E não é uma ideia que morreu depois de gerada; pelo contrário, tem vindo a ser dinamizada e está em mutação constante. Essa dinâmica já havia sido colocada à prova aquando do lançamento do álbum-compilação "G Sides", que agrupava lados B de singles, versões alternativas nunca antes editadas e vídeos. E, agora, volta a ser colocada à prova quando é lançado o álbum "Laika Come Home", que vem assinado como Spacemonkeyz "versus" Gorillaz. Isto é, e de forma simples, trata-se de um álbum de versões dub de temas originais do álbum de estreia. Mas os Gorillaz gostam de compor histórias à volta de cada novo empreendimento e desta vez não foi diferente. No papel, nas imagens e no imaginário cada vez mais delirante, "Laika Come Home" é a história de três invulgares primatas acabados de chegar à terra. Pertencem à segunda geração mutante da descendência de macacos cosmonautas que foram enviados para o espaço durante a guerra fria, nos anos 50 e 60. Durante 40 anos fizeram uma viagem interplanetária pelo universo em busca de Laika, o seu líder espiritual e o primeiro cão no espaço. Ao longo desse tempo adquiriram uma grande quantidade de tecnologia musical. Numa tentativa de publicitar a sua causa, os três macacos mutantes (D-Zire, Dubversive e Gavva) aterraram no planeta Terra para o agitar. Resistiram contra as Forças-G, adquiriram o controlo do disco dos Gorillaz e resolveram editar uma nova versão. Uma nova versão dub. Em disco, são sonoridades dub alimentadas por noções como tempo e espaço e por técnicas que privilegiam os ecos e as reverberações. Os registos ocasionais das vozes e os sons retirados dos contextos originais navegam pelo espaço, atribuindo à música uma qualidade cósmica. Ajudados pela presença de Terry Hall (ex-Specials), U Brown e Earl 16, os três macacos do espaço (que, reza a história, já haviam trabalhado com Linton Kwesi Johnson, George Clinton ou Horace Andy) promovem um encontro entre os resíduos sofisticados da londrina pop e a vibração física da Jamaica do reggae. Se existe local onde é exposta a relação ambígua entre a sofisticação cuidada do estúdio e pura vibração física dos músicos em interacção, é o palco. Nos espectáculos dos Gorillaz, o habitual palco dos concertos pop-rock é substituído por um ecrã como no cinema e são projectadas imagens das personagens animadas. Vemos os quatro "cartoons" em deambulação por ambientes urbanos, em momentos de terror série Z, numa onda "cool" de mãos nos bolsos ou então contaminando os espaços da cidade com "graffiti". Nos intervalos das canções, são projectadas frases irónicas com referências veladas ao mundo da música. Por detrás da tela entrevemos os músicos, distinguimos em contraluz as suas silhuetas, quais sombras chinesas. Como uma coreografia, imagens-sombras-música criam um quadro de interacção perfeito. A música é arquitectada a partir de figuras rítmicas do hip-hop, do dub ou do punk, com explosões de energia e de "noise" diluídas por ondas de envolvimento e de "groove". Ao vivo, como em estúdio, os Gorillaz têm aquela dose de inocência perversa que tanto é necessário na pop. São uma ideia extremamente bem executada. São um produto que sabe que o é. São como um livro que se compra pela capa. Como um espectáculo que se vai ver porque se acredita na opinião crítica legitimada. Como um gelado que se compra por causa da publicidade criativa. Como um videoclip de que se gosta pelo imaginário que projecta. Como algo que apetece consumir. Lisboa vai consumi-los.

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