Rendição de Laurent Gbagbo não põe fim à crise política

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A captura de Gbagbo foi comemorada efusivamente em Abidjan ISSOUF SANOGO/AFP

O Presidente cessante está detido sob a protecção das Nações Unidas num hotel em Abidjan. Alassane Ouattara pede à população para evitar violência

O Presidente cessante da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, rendeu-se ontem sem oferecer resistência, depois dos combatentes afectos ao seu opositor Alassane Ouattara, apoiados pelos capacetes azuis das Nações Unidas e por militares franceses, invadirem o Palácio Presidencial de Abidjan, onde estava barricado há mais de uma semana.

Era apenas uma questão de tempo: cercado e acossado, sem retaguarda militar nem apoios internacionais, Gbagbo não tinha outra alternativa senão abandonar o poder a que teimosamente se agarrara, depois de perder as eleições presidenciais de Novembro passado.

Alassane Ouattara, reconhecido como o legítimo vencedor da votação pela comunidade internacional, fez um apelo à calma e pediu à população para "se abster de qualquer acto de represália ou violência". O Presidente eleito anunciou a sua intenção de constituir uma "comissão de verdade e reconciliação" para pôr fim aos sectarismos no país, mas frisou que não deixará o Presidente cessante, a sua mulher e os seus colaboradores escapar sem julgamento.

A queda de Gbagbo precipitou-se com a tomada do Palácio Presidencial, ao início da manhã de ontem. O edifício estivera debaixo de fogo aéreo durante toda a noite; ao nascer do sol, uma coluna com 30 tanques e outros veículos militares franceses marchou sobre o complexo e eliminou a última linha de defesa do ditador marfinense.

"O Presidente Laurent Gbagbo saiu do seu bunker e rendeu-se às tropas francesas. Foi detido e entregue aos líderes rebeldes", confirmou o seu porta-voz Ahoua Don Mello ao fim da manhã. O Governo francês precisou que a detenção foi feita pelas forças rebeldes e que os seus soldados não estiveram envolvidos na rendição.

As Nações Unidas informaram então que Gbagbo foi posto sob a sua protecção, no cumprimento do mandato da missão na Costa do Marfim. O Presidente cessante, a sua mulher Simone e o filho Michel estão oficialmente detidos no hotel Golf - o quartel-general de Alassane Ouattara em Abidjan e onde funciona o seu governoad-hoc - mas deverão ser transferidos para um outro lugar por razões de segurança.

Para a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, o destino de Gbagbo envia uma "poderosa mensagem a todos os ditadores que insistem em ignorar a vontade da população expressa em eleições livres e justas". Por seu lado, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, William Hague, alertou para a necessidade de garantir que o prisioneiro seja tratado "em conformidade com a lei".

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse estar confiante que a detenção de Gbagbo permitirá ultrapassar a crise política que chegou a perspectivar uma nova guerra civil na Costa do Marfim. "Este é o fim de um capítulo que nunca devia ter acontecido", referiu. O diplomata garantiu ajuda ao Governo de Ouattara: "Obviamente, terá todo o nosso apoio para restaurar a estabilidade e resolver todos os problemas humanitários e de segurança com que se debate o país", sublinhou.

A notícia da captura e rendição de Gbagbo foi comemorada efusivamente por todo o país, mas o optimismo manifestado pelo líder da ONU não encontrava o mesmo eco, apesar das celebrações. "Isto não quer dizer que acabou a guerra. Não vai haver paz enquanto as milícias e os mercenários andarem por aí à solta", comentava um habitante de Bouake, a segunda cidade do país, à BBC.

Que destino para Gbagbo?

Robert Besseling, um analista da agência Exclusive Analysis para a Costa do Marfim, também aposta num prolongamento da violência e instabilidade política. "O mais prová- vel é que os combates prossigam em Abidjan, em Yamoussoukro [a capital administrativa] e em toda a região Oeste do país." As forças rebeldes não são exactamente pró-Ouattara: elas são fundamentalmente anti-Gbagbo", observou o analista, dizendo que as dezenas de milícias organizadas podem agora sentir-se tentadas a disputar o poder entre si. "Por exemplo, o líder dos "Comandos Invisíveis", Ibrahim Coulibaly, já disse que quer concorrer à presidência", disse, citado pela Reuters.

O destino que vier a ser dado a Gbagbo poderá revelar-se determinante para a reconciliação no país ou para o recrudescimento do conflito.

Ontem, era impossível perceber se Ouattara estava em condições de manter Gbagbo preso na Costa do Marfim, ou se a comunidade internacional iria forçar a entrega do Presidente cessante ao Tribunal Penal Internacional de Haia para responder por crimes de guerra. Também não era claro se as várias ofertas de asilo político, apresentadas durante os últimos meses, continuavam em cima da mesa - e se sim, em que condições o Presidente deposto ainda conseguiria negociar imunidade ao aceitar refúgio noutro país.

A Human Rights Watch responsabilizou Laurent Gbagbo pelo massacre de centenas de pessoas. Mas a organização apontou também o dedo aos combatentes leais a Ouattara, que violaram, espancaram e mataram um número indeterminado de civis.

Em quatro meses de violência morreram mais de mil pessoas e estima-se que haja um milhão de desalojados.

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