EUA protegem neutralidade na Internet mas deixam de fora redes móveis

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Alguns serviços poderão pagar para serem mais rápidos RUI GAUDENCIO

As novas regras foram aprovadas pelos democratas na Comissão Federal de Comunicações e têm estado a ser criticadas tanto por empresas como por grupos de defesa dos consumidores

O regulador americano do sector das telecomunicações aprovou ontem normas para que todos os dados que circulam na Internet sejam tratados da mesma forma pelos fornecedores de acesso. Mas as novas regras estão a ser criticadas por permitirem excepções no caso das redes móveis, que são usadas nos smartphones ou em placas 3G.

A medida adoptada pela Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla inglesa) é a primeira do género nos EUA e visa garantir na Internet fixa a chamada neutralidade da rede, que actualmente é a norma - ou seja, toda a informação, independentemente da proveniência (um site pessoal ou uma multinacional), é tratada da mesma forma, sem que nenhum conteúdo tenha prioridade sobre outro.

Porém - e na linha do que a Google e a Verizon (uma das grandes operadoras americanas) já tinham sugerido através de uma proposta conjunta -, a comissão vai permitir que os operadores de Internet móvel possam fazer alguma discriminação de tráfego, embora com limitações.

As novas regras (aprovadas com os votos favoráveis dos dois comissários democratas e do presidente da comissão e com os votos contra dos dois republicanos) fazem com que os operadores móveis fiquem impedidos de bloquear o acesso a qualquer site legal. Mas poderão fazê-lo em relação a aplicações e serviços (por exemplo, serviços como o Google Maps ou aplicações para ver vídeos do YouTube).

A excepção são os serviços dos quais sejam concorrentes. Isto significa, por exemplo, que o Skype (um serviço de chamadas de voz por Internet) nunca poderá ser bloqueado (ou tornado lento, de forma a dificultar o uso), dado que é um concorrente dos serviços de voz dos operadores.

Em busca de novas receitas

Os operadores poderão ainda dar prioridade a serviços de empresas que paguem para que os seus conteúdos circulem mais rapidamente. Por exemplo, o Google poderia pagar para que aceder ao seu email fosse mais rápido do que usar os serviços da concorrência. Assim, um utilizador podia ver dificultado o seu acesso ao Hotmail, da Microsoft, e ser levado a usar o Gmail.

A solução do regulador americano é de compromisso. Os defensores da neutralidade na Internet argumentam que esta é necessária para fomentar a inovação. Quando ainda eram pequenas, empresas como o Google e o Facebook puderam competir com as multinacionais porque a rede tratava a informação de forma neutra. Mas os fornecedores de acesso vêem na Internet não neutral a possibilidade de novas formas de receitas que, argumentam, são necessárias para continuar a investir nas infra-estruturas de comunicações.

Vários grupos de defesa dos consumidores têm atacado as novas regras da FCC, por considerarem que não são firmes o suficiente e que propõem uma falsa defesa da neutralidade, ao deixar de fora o sector móvel, que é o que tem mais potencial de crescimento (e que, por isso, também implica mais investimento dos operadores). Do outro lado, empresas de comunicações acusam o Estado de estar a regular em demasia.

"Rejeito os dois extremos em favor de um enquadramento forte e sensato. Que proteja a liberdade na Internet e a abertura e que promove inovação e investimento fortes", afirmou o presidente da comissão, Julius Genachowski.

A questão tem sido muito debatida nos EUA e já alastrou à Europa, onde os reguladores são genericamente favoráveis à neutralidade. A Comissão Europeia levou este ano a cabo uma consulta pública sobre o assunto e deverá pronunciar-se em 2011.

Em Portugal, o PCP entregou em Setembro um projecto de lei para garantir a neutralidade da Internet, que foi aprovado na especialidade e será votado no Parlamento. O Bloco de Esquerda também já fez uma proposta de resolução da Assembleia da República para que o Governo garanta a neutralidade.

Em Junho, o Chile tornou-se no primeiro país do mundo a aprovar legislação que assegura a neutralidade.

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