Estado holandês responsabilizado pela morte de muçulmanos no massacre de Srebrenica

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Memorial perto de Srebrenica, onde morreram oito mil homens e DIMITAR DILKOFF/AFP

Numa decisão histórica, a Holanda foi condenada a indemnizar familiares das vítimas de 1995

Numa altura em que as memórias do massacre de Srebrenica são reavivadas com o julgamento de Ratko Mladic - antigo chefe militar dos sérvios da Bósnia-, um tribunal de Haia considerou o Estado holandês responsável pela morte de muçulmanos durante aquela que foi a pior atrocidade na Europa desde a Segunda Guerra.

"O Estado holandês é responsável pela morte de três muçulmanos depois da queda de Srebrenica", decidiu ontem, em sede de recurso, um tribunal em Haia.

Contrariando uma sentença proferida em 2008 que recusara responsabilizar o Estado pela acção dos seus soldados naquela cidade no Leste da Bósnia, o tribunal holandês veio agora condenar a Holanda no pagamento de uma indemnização a Hasan Nuhanovic, que perdeu os pais e o irmão no massacre, e à viúva e filhos de Rizo Mustafic, um outro desaparecido no Verão de 1995.

Na decisão publicada ontem, o tribunal concluiu que o "Dutchbat testemunhou vários incidentes nos quais os sérvios bósnios maltrataram ou mataram refugiados", e frisou que o Estado tinha de ser responsabilizado pela morte dos civis que os "capacetes azuis" deviam ter protegido, não os deixando cair nas mãos das forças sérvias bósnias.

Um trauma para a Sérvia e para a Bósnia, o massacre que tirou a vida a oito mil rapazes e homens muçulmanos é um assunto particularmente sensível para a Holanda, cujo batalhão de "capacetes azuis" integrado na missão da ONU que tinha como objectivo proteger os civis em Srebrenica - o "Dutchbat" - acabou por ser acusado de colaborar com o Exército de Mladic na morte de milhares de refugiados.

O fracasso do batalhão chegou a levar à demissão do Governo em 2002, depois de ter sido publicado um relatório que condenava a passividade dos holandeses e que punha em causa a actuação dos responsáveis políticos por terem enviado soldados para uma "missão impossível".

O documento de 3400 páginas considerava que o Governo e a ONU deveriam "partilhar responsabilidades" quanto às mais de oito mil mortes.

O veredicto representa uma decisão histórica não só por abrir caminho para que os familiares das outras oito mil vítimas obtenham indemnizações por parte do Estado holandês, mas também por ser a primeira vez na História que um Estado é responsabilizado pela acção das suas tropas quando estas estavam sob o comando da ONU.

Apenas factos

Para as "mães de Srebrenica", que intentaram também uma acção contra o Estado holandês em nome de 7600 pessoas, a decisão foi um sinal de esperança. "Eles não poderão evitar a justiça. Ela é lenta mas chega sempre", disse à AFP uma mulher cuja filha adolescente e o marido foram mortos no massacre de há 17 anos. "Os militares sérvios arrancaram-me a minha filha das mãos sob os olhos dos soldados holandeses", acrescentou.

Interrogado também pela agência francesa, Nuhanovic, um dos queixosos, expressou a sua alegria com o fim da sua batalha judicial. "Desde há oito anos, desde o início do processo, só se fala de factos, o tribunal aceitou os factos e nada mais. E os factos são que a minha família foi entregue às mãos das forças sérvias", disse.

Sublinhando que a Justiça finalmente lhe deu razão, Nuhanovic relembrou que durante oito anos leu e releu centenas de páginas, num esforço que muitos consideravam "em vão". "Todos me diziam que eu era um Dom Quixote, que lutava contra moinhos de vento."

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