Bodas de ouro sem festa para os reis

Foto
Juan Carlos e a rainha Sofia fazem hoje 50 anos de casados

A monarquia deixou de ser tabu em Espanha, mas não há movimentos republicanos de monta

A afirmação "Monarquia, garante de desigualdade!" e a pergunta "Jesus viveu de impostos?" foram dois cartazes entre o mar deles que o movimento 15M distribuiu sábado nas Portas do Sol. Mensagens com destinatários bem identificados: a monarquia e a Igreja Católica. Em tempos de políticas de rigor que castigam quem tem menos, e de uma nova vaga de indignação social, alguns acreditam que no último ano se assistiu à queda dos dois últimos tabus da sociedade espanhola.

Muitos jovens que se juntaram na manifestação de Madrid apontavam como exemplo de injustiça os privilégios destas instituições. O partido Esquerda Unida, na oposição, interpelou o Governo em Março sobre o facto de a Igreja não pagar o imposto de bens imóveis (e estima que se a Igreja pagasse, o Estado arrecadaria 2500 milhões de euros).

Ao mesmo tempo, a família real está há meses envolta em polémicas, primeiro por causa do caso Palma Arena, o processo de corrupção que envolve Iñaki Urgandarin, marido da infanta Cristina; depois devido ao acidente de Juan Carlos, que há um mês partiu a bacia durante uma caçada a elefantes no Botswana.

Hoje, o rei Juan Carlos I e a rainha Sofia cumprem 50 anos de casados. Umas bodas de ouro que não serão assinaladas por qualquer festejo público ou privado.

Num único acto a assinalar a data, a Casa Real distribuiu na terça-feira pelos media um CD com 23 imagens de cinco décadas de vida em conjunto, "50 anos de contrato, meio século unidos por Espanha e pela coroa", escreveu sábado Mabél Galaz, a especialista do diário El País na Casa Real.

O politólogo Fernando Vallespín considera que o tabu em relação à Igreja já caiu há algum tempo. "Creio que hoje a Igreja tem uma força social que não corresponde ao seu papel público. Culturalmente, Espanha é um país católico, claro, ser católico é como ser espanhol. Mas só 23% dos espanhóis vão à missa", diz.

Já em relação às críticas ao Palácio da Zarzuela, o analista responsabiliza mais as polémicas em que os membros da família real se têm envolvido do que o contexto de crise em que Espanha se encontra. Mas aí, sim, sustenta, o tabu acaba de cair, o que "tinha de acontecer mais cedo ou mais tarde".

"Durante anos, a monarquia foi imune a escândalos. Mas com esta sucessão de disparates não era possível que continuasse assim. Tornou-se uma instituição normal, que pode ser defendida ou atacada, que já pode ser discutida. É um processo normal", diz o catedrático da Universidade Autónoma. "Se não tivesse sido agora, seria noutra altura, mas era óbvio que teria de acontecer."

Desde a caçada aos elefantes, Juan Carlos I foi considerado persona non grata pelo município de Berga, uma pequena cidade catalã de 17 mil habitantes, e surgiu uma petição a exigir que deixe a presidência honorária do Fundo Mundial da Natureza espanhol.

"O rei não dá golpe desde o 23F", lia-se noutro cartaz do protesto de anteontem. É do 23F, o golpe de Estado fracassado de 23 de Fevereiro de 1981, que vem grande parte da legitimidade da monarquia. Juan Carlos I, hoje com 74 anos, opôs-se e isso permitiu-lhe consolidar o seu papel e estabelecer a sua relevância. Desde então, quis dizer o 15M, o monarca nada fez de útil por Espanha.

Os barómetros do Centro de Investigações Sociológicas mostram que a avaliação que os jovens fazem da monarquia tem vindo sempre a piorar - até ao ponto em que há um empate entre república e monarquia entre os menores de 25 anos.

Mas isso não chega para pôr realmente em causa a instituição, avisa Vallespín. "Não vejo no horizonte um movimento significativo a exigir uma mudança em direcção a uma república."

Sugerir correcção