Aumenta a fúria e a indignação contra o fundamentalismo ultra-ortodoxo

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Discussão entre israelitas seculares e haredim em Beit Shemesh MENAHEM KAHANA/AFP

Milhares de pessoas saíram à rua em Beit Shemesh, nos arredores de Jerusalém, a favor de uma menina de 8 anos e contra o tratamento dado pelos haredim às mulheres

Tudo começou com uma reportagem sobre a odisseia diária de uma menina de 8 anos para chegar à escola. Ela está vestida com uma saia comprida e mangas até aos pulsos. Mas para muitos ultra-ortodoxos do bairro de Beit Shemesh, nos arredores de Jerusalém, isso não é suficiente. Chamam-lhe prostituta, alguns cospem para cima dela. A mãe, que lhe segura a mão durante todo o caminho, é também alvo dos insultos.

Foi o último caso envolvendo extremistas ultra-ortodoxos, ou haredim, e provocou vários episódios de violência: um grupo de centenas de moradores extremistas agrediu duas equipas de jornalistas diferentes, num dos casos roubando-lhes mesmo equipamento. No mesmo local, houve ainda confrontos entre moradores e polícias por causa de um sinal que pede para as mulheres usarem um passeio diferente do usado pelos homens. O sinal, conta o diário Ha"aretz, de Telavive, já foi retirado e colocado dezenas de vezes.

A escola onde estuda a menina, Na"ama Margolese, situa-se numa zona de fronteira entre um bairro ultra-ortodoxo e um onde vive uma comunidade ortodoxa moderna, na maioria imigrantes vindos dos EUA, como é o caso da família Margolese.

Ontem, milhares de pessoas manifestaram-se em Beit Shemesh a favor da menina, protestando contra a discriminação das mulheres.

A indignação seguiu-se a um caso recente de uma mulher que se recusou a sentar-se na parte de trás de um autocarro, como exigia um ultra-ortodoxo que nele seguia. O motorista viu-se obrigado a chamar a polícia; o agente tentou convencer o religioso a mudar de posição, mas não conseguiu, e procurou então levar a mulher a sentar-se na parte de trás do autocarro, mas também não foi bem sucedido. O diferendo resolveu-se quando o queixoso desistiu de seguir naquele autocarro. Um representante da empresa de autocarros, a Egged, disse então que estas disputas sobre o lugar das mulheres estão a aumentar e que os motoristas têm ordens para não interferir e chamar a polícia.

As polémicas envolvendo mulheres e haredim (tementes a Deus) não são novas. Na maioria dos bairros de maioria ultra-ortodoxa de Israel há sinais pedindo às mulheres que se "vistam com modéstia": isto quer dizer saias compridas, mangas cobrindo os pulsos, golas chegadas ao pescoço. Nestes bairros há muitas lojas de cabeleiras: muitas mulheres cortam o cabelo (é considerado pecaminoso), usam cabeleira e ainda um lenço por cima. Recentemente, começou a haver relatos de mulheres cobrindo-se com trajes semelhantes às burqas.

Em Jerusalém, há empresas que já optam por não mostrar mulheres em cartazes (para que estes não sejam vandalizados), ou usam versões modificadas de anúncios (por exemplo, Sarah Jessica Parker promoveu um sabonete muito mais tapada do que na versão original).

Os jornais ultra-ortodoxos não publicam fotografias de mulheres. Quando Tzipi Livni era primeira-ministra a sua imagem não aparecia, e mesmo o primeiro nome, por ser um diminutivo, também não era escrito.

Na tomada de posse do Executivo de Benjamin Netanyahu, em 2009, duas ministras foram apagadas na imagem de um dos diário ultra-ortodoxos, enquanto noutro jornal foram mesmo substituídas por homens. Nem as publicações femininas mostram imagens de mulheres.

Uma comunidade pobre

Muitos israelitas criticam que os ultra-ortodoxos possam não fazer serviço militar e recebam bolsas do Estado para estudos meramente religiosos.

A comunidade ultra-ortodoxa, que com cerca de 600 mil pessoas representa 10 por cento da população de Israel, é a que cresce a ritmo mais rápido no país, com uma taxa de natalidade muito superior à média: não é raro haver casais com dez filhos. Um em cada três bebés nascidos em famílias judaicas no ano passado era de uma comunidade ultra-ortodoxa.

A maior parte dos haredim em Israel não trabalha, e as bolsas não são, por vezes, suficientes para famílias tão grandes. Quase 60 por cento dos ultra-ortodoxos vivem abaixo da linha de pobreza. Os demógrafos alertam que Israel poderá não ter verbas para pagar tantas bolsas se este ritmo de crescimento continuar.

Mas por outro lado, a maior inclusão de ultra-ortodoxos em alguns sectores da vida activa não deixa de levantar questões: o facto de haver mais haredim no Exército provocou tensões: alguns soldados ultra-ortodoxos levantaram-se numa cerimónia por haver mulheres a cantar, e um grupo exigiu um apertar das regras kosher para a comida.

No fundo, o que alguns israelitas sentem é que os ultra-ortodoxos estão a tentar forçar o seu estilo de vida a cada vez mais pessoas. Em Beit Shemesh, Hadassa Margolese, a mãe de Na"ama, sente que está a lutar pelo direito de viver no local. "Eles querem expulsar-nos daqui."

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