"Acho que nos podemos preparar para assistir a outra surpresa"

O mais famoso blogger iraniano acredita na reforma e no Irão. De regresso ao país, mergulhou numa campanha repleta de improbabilidades

Ao contrário de tantos outros iranianos com menos de 30 anos, Hossein Derakhshan acredita que a participação nas eleições de hoje vai ser muito mais alta do que indicam as sondagens. Confia em Mustafha Moin para liderar o país e concorda com o chefe da sua campanha, Mohammad Reza Khatami, quando este diz que em cada iraniano que tenha dúvidas em votar está um potencial apoiante do reformador. A Internet, a sua especialidade, é um dado a ter em conta nestas eleições. Diz que, "apesar da censura", a Net fez deste escrutínio "um dos mais abertos e transparentes" que o país já viu."Acho que nos podemos preparar para assistir a outra surpresa", disse, confiante, em declarações ontem ao PÚBLICO, ao telefone de Teerão. Nascido na capital iraniana, Derakhshan, provavelmente o mais famoso blogger iraniano, vive no Canadá há cinco anos. Desde domingo no Irão, é possível seguir na Internet os seus "posts de campanha" (hoder.com/weblog/).
Pelo que viu e ouviu, não tem dúvidas. "O estado de espírito está a mudar e muito nos últimos dias. Há definitivamente um movimento crescente em torno da candidatura reformista", descreve.
O corrupio entre sedes de candidatura e acções de campanha levou-o, terça-feira, ao estádio da Universidade de Teerão. Moin falou e o estádio encheu para o ouvir. Quase todos jovens com menos de 30 anos, como dois terços dos 70 milhões de iranianos. "São as pessoas entre os 25 e os 30 anos que estão a mudar. E é isto que é importante. São elas as que estão mais cansadas com o sistema, as que já acreditaram em mudanças e agora podiam deixar de acreditar. Afinal, há muitas que querem continuar em frente", assegura.
"Estatisticamente, se mais pessoas votarem é nos reformadores que vão votar", sublinha. Com a certeza de uma segunda ronda no horizonte, as esperanças são ainda maiores. "A segunda volta vai trazer mais excitação. As pessoas vão perceber que é possível, vão ter mais esperança."
Cinco dias por Teerão e uma constatação: entre a multidão nas ruas, os discursos dos oito candidatos reduzidos a sete são idênticos, quase iguais, da linha dura ao movimento das reformas. "A minha maior surpresa foi ver como toda a gente apela à juventude. Todos querem parecer os mais abertos, os mais modernos."

"Pessoas que se querem divertir"
Quase cinco anos depois de ter mudado a residência para Toronto e dois depois da última ida à cidade onde nasceu, mergulhou numa campanha em que o que é nem sempre corresponde ao que se vê. "Há muita gente envolvida na campanha, muita gente nas ruas. E isso foi o que tive que perceber - não se pode contar com o que se vê nas ruas. São pessoas que se querem divertir e estar juntas. Rapazes que querem ver raparigas, raparigas que querem olhar para rapazes", explica.
Isto é tanto mais verdade na candidatura de Hachemi Rafsanjani, o conservador moderado que já foi Presidente e é o mais que provável vencedor da primeira volta. "Eles estão a pagar a muitas pessoas para fazerem campanha. Distribuem autocolantes por todo o lado para as pessoas exibirem e têm mesmo um concurso para o melhor carro de apoio", nota.
A AFP explica um pouco melhor esta última iniciativa. "Apoiantes de Rafsanjani aproximaram-se de mim e ofereceram-me 300 mil riais [cerca de 30 dólares americanos] se aceitasse colar propaganda na minha viatura", contou à agência uma jovem automobilista. Quanto mais carregada de material de campanha estivesse a viatura, mais caro seria o "aluguer". Outra iraniana descreveu à mesma agência uma oferta de 220 dólares para alugar o seu carro como espaço publicitário durante toda a semana que antecedeu as eleições, as primeiras no país em que o marketing esteve presente em força.
Censura nos meios
de comunicação privados
Quanto à cobertura da campanha pelos media, Hossein Derakhshan teve outra surpresa. "É um bocado esquisito. A televisão do Estado apresenta pessoas muito abertas a falar de todos os candidatos, de uma forma como nunca vimos. Ao mesmo tempo, a censura sobre os jornais e a Internet continua presente", conta.
Nos últimos anos, é a Internet o meio com que muitos iranianos partilham experiências e onde procuram informação. Existem cerca de 75 mil blogues iranianos e 42 mil estão registados no país.
"Apesar dos milhares de sites e blogues oferecerem gratuitamente uma forma única de informação e troca de ideias, essa censura tem um efeito nas pessoas", confessa. "É frustrante. Às vezes não consigo aceder às páginas que quero, eu próprio não consigo colocar on-line as minhas fotografias."
Para quem escolhe a televisão, como sempre antes de cada eleição, é impossível aceder aos canais estrangeiros. "É complicado: quanto mais governamentais são os meios, mais abertos ficaram a partir do início da campanha e isso é uma surpresa. Os privados continuam com as mesmas restrições que antes", resume Derakhshan.

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