NOS FUNERAIS DE ANDIJAN, TODAS AS CULPAS VÃO PARA O PRESIDENTE KARIMOV

Ontem foi dia de enterrar as centenas de mortos, vítimas da repressão militar do fim-de.semana. Os sentimentos dos vivos variam entre o medo, a indignação e a resignação de quem sobrevive na miséria

"Eles queriam ter um salário melhor, viver uma vida normal e não serem tratados como ovelhas ou porcos", lança um homem dos seus 50 anos, que foi ontem enterrar Aibek, de 28 anos, morto a tiro na praça central de Andijan, na noite de sexta para sábado. São cerca de uma centena, os homens que vieram rezar junto da sepultura do jovem uzbeque, num cemitério dos arredores da cidade."Ele morreu por nada" suspira o parente de Aibek, antes de contar que o jovem tinha saído de casa para ir ver o que se passava na rua quando foi atingido por um tiro no momento em que o exército disparou sobre a multidão. "Em nenhum sítio do mundo disparam assim contra civis!", resmunga um homem de 45 anos. "O povo está descontente. Temos medo de sair para as ruas para protestar mas ninguém está contente com esta situação".
Desatam todos a rir quando lhes perguntamos sobre as declarações do Presidente Islam Karimov, que acusa os islamistas de estarem na origem da insurreição. Quando queremos saber quem está por trás deste banho de sangue, respondem em coro, "você sabe muito bem quem é", sem dizer o nome.
Um homem ainda novo explica que os salários são de cinco a vinte dólares por mês, enquanto um quilo de carne custa dois dólares e um saco de farinha de 45 quilos, que permite fazer pão durante um mês, se vende a vinte dólares. E os desempregados são muitos, acrescenta.
Enterram-se mortos um pouco por toda a cidade. Num apartamento de um terceiro andar, no norte da cidade, um grupo de mulheres diz adeus a Chekhroz, 21 anos, morto sexta-feira mas só ontem encontrado na morgue. Os homens já fecharam o caixão e preparam-se para levá-lo para o cemitério
"Foi Karimov que deu a ordem para disparar contra a multidão" diz Aizoula, mãe de Chekhroz, a quem ainda restam cinco filhos vivos. Saiu-lha assim da boca o nome que os homens do funeral de Aibek tiveram medo de dizer. "Já ninguém dorme tranquilo".
Avabek Ousmarov, 33 anos e pai de três filhos, está sentado num banco à porta de sua casa, acabado de chegar do enterro do seu irmão Anvar. "Há islamistas entre as pessoas que o regime põe na prisão, mas também há muita gente que foi condenada ilegalmente", diz Ousmarov, explicando que uma prática corrente da polícia consiste em colocar pequenas quantidades de droga nos bolsos das pessoas para depois as acusar.
Ontem o centro da cidade estava bloqueado por blindados e soldados e poucos foram os que se atreveram a ir até ao mercado central. Foi de lá que chegou Nadyr, horrorizado. "A situação é terrível. Morreram muitos inocentes, os militares colocaram espingardas ao lado dos corpos de civis mortos para dar a entender que são terroristas. O poder está a tomar o controle da situação".
"Eu ia para as manifestações se não tivesse quatro filhos. Tenho medo por causa deles, vivemos muito mal e eu quase não consigo alimentar as minhas crianças". Nadyr, que é empregado de limpeza no mercado central de Andijan, também não tem dúvidas sobre a quem apontar o dedo. "A culpa é do Presidente Karimov, foi ele que deu ordem para disparar sobre a multidão, e foi ele que nos reduziu a está situação". Olga Nedbaeva, AFP

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