Julian Assange acusa Governo dos Estados Unidos de "caça às bruxas"

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Assange não saiu da missão diplomática do Equador em Londres OLIVIA HARRIS/Reuters

Fundador da WikiLeaks iludiu as autoridades e discursou a partir de uma varanda da embaixada do Equador em Londres, onde está refugiado há dois meses para evitar a extradição para a Suécia

Enquadrado por uma gigantesca bandeira amarela, azul e vermelha, o fundador da WikiLeaks, Julian Assange, praticamente ignorou o braço-de-ferro com o Governo do Reino Unido que o impede de abandonar a representação diplomática do Equador em Londres e, na sua primeira declaração pública em dois meses, acusou os Estados Unidos de perseguirem jornalistas e whistleblowers, numa "caça às bruxas" moderna que ameaça "arrastar-nos a todos para um mundo opressivo e perigoso" de sussurros e silêncios.

O seu discurso de dez minutos, acompanhado por esparsos aplausos de algumas dezenas de apoiantes e seguido em silêncio por um forte dispositivo policial, foi uma deambulação entre a condenação da opressão a que são sujeitos artistas e activistas políticos - como na semana passada na Rússia ou no Bahrein, evocou -, e a defesa dos princípios da liberdade de expressão e de imprensa contra as "ameaças" e os "ataques" dos governos. Assange relegou o seu caso a um mero rodapé nessa narrativa.

Para o homem da WikiLeaks, os Estados Unidos são responsáveis pela propagação dessas tendências negativas, com as suas "ameaças" e "perseguições" a repórteres e whistleblowers [fontes que denunciam segredos] e os seus inquéritos e investigações às organizações jornalísticas "que fazem luz sobre os crimes secretos dos poderosos". "Já chega dessa conversa fiada", considerou, explicando que os Estados Unidos têm uma escolha a fazer: "Voltar atrás e reafirmar os valores revolucionários que estiveram na fundação do país, ou seguir em frente e cair no precipício, arrastando-nos a todos para um mundo opressivo e perigoso, em que os jornalistas se calam por medo de acusação e os cidadãos se limitam a sussurrar".

A intervenção serviu principalmente para destacar a sua própria organização como a principal vítima dessa cruzada norte-americana: segundo Assange, uma "caça às bruxas" que só o Presidente Barack Obama poderá travar. "Peço ao Presidente Obama que tome a decisão correcta. Os Estados Unidos têm de renunciar à sua caça às bruxas contra a WikiLeaks. Os Estados Unidos têm de anular a investigação do FBI; têm de garantir que não vão andar atrás dos nossos funcionários e apoiantes; têm de se comprometer, perante o mundo, a não perseguir jornalistas", enumerou, frisando que o compromisso é válido "tanto para a WikiLeaks como para o New York Times".

Assange referiu-se depois à situação de Bradley Manning, o soldado norte-americano responsável pela cópia e transmissão dos milhares de ficheiros secretos do Pentágono e Departamento de Estado publicados pela Wikileaks, e que descreveu como "um dos mais proeminentes prisioneiros políticos" da actualidade. Manning, detido na prisão da base militar de Fort Leavenworth no Kansas, aguarda julgamento num tribunal marcial por traição e conspiração, e poderá passar o resto da vida na cadeia - Assange exigiu a sua imediata libertação. "Bradley Manning é um herói e um exemplo para todos nós", declarou, uma opinião partilhada pelos que assistiram ao discurso e responderam com aplausos.

As palmas irromperam logo que Assange apareceu à varanda da embaixada equatoriana, de gravata e camisa engomada e a inconfundível cabeleira acinzentada aparada. "Falo daqui porque não posso falar daí", notou, o olhar apontado ao passeio onde minutos antes o líder da sua equipa jurídica, o antigo juiz espanhol Baltasar Garzón, tinha dito aos jornalistas que tencionava explorar todas as possibilidades legais para "proteger os direitos da WikiLeaks, de Assange e de todos os que estão sob investigação".

O australiano, que está a viver num quarto interior da missão do Equador desde 19 de Junho, não disse quanto tempo mais poderá ficar retido. Disse, simplesmente, que se não fosse pela vigília dos seus apoiantes, que montaram cerco à embaixada depois de o Reino Unido ter ameaçado entrar nas instalações diplomáticas, poderia já ter sido detido e extraditado. "Foi por vossa causa que o Reino Unido não atirou a Convenção de Viena pela janela", agradeceu. "Da próxima vez que alguém vos disser que não vale a pena lutar pelos direitos que defendemos, lembrem-se do que aconteceu na embaixada do Equador", acrescentou.

Já sobre a razão do seu santuário nem uma palavra. A extradição de Assange para a Suécia foi pedida por um tribunal de Estocolmo onde corre um processo por crimes sexuais interposto por duas mulheres. O australiano, que não está formalmente acusado, nega ter exercido qualquer violência sobre as suas parceiras.

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