Imran Khan provocou um tsunami, mas isso pode não chegar para ser eleito

Foto
O antigo herói do críquete promove um discurso antipolíticos FAROOQ NAEEM/AFP

Com o seu discurso contra o sistema, Khan conseguiu tornar-se no político mais popular do país. A grande incógnita é se isso se reflectirá nos votos

Foi o herói nacional do críquete, o desporto-rei no Paquistão, e por isso as analogias com o jogo são frequentes e é difícil fugir-lhes: Imran Khan fez um lance certeiro e marcou pontos no comício que juntou cem mil pessoas em Lahore. Será certamente um grande adversário a ter em conta para os políticos paquistaneses. Até porque não desiste de subir ao pódio como primeiro-ministro.

"Isto é uma revolução, um tsunami". As palavras são do próprio Imran Khan para descrever ao Guardian a enorme multidão que, no dia 30 de Outubro, se juntou na segunda cidade do país para o ver e ouvir. "Agora, nada nos pode deter".

As eleições são apenas em 2013, se não forem antecipadas. Mas Khan quer concentrar todas as suas energias para ganhar terreno ao Partido Popular do Paquistão (PPP, no poder) e à oposição chefiada por Nawaz Sharif. A luta contra a corrupção é o seu cavalo-de-batalha - "o sistema está a destruir o povo", cita o Washington Post. Outra, que não está separada, é a classe dirigente do país.

Como é que Khan se define? Anti-sistema, incorruptível, temente a Deus, agente da mudança. Como é que o vêem? Como "taliban Khan" (escrevem alguns media liberais), de ideias requentadas e ambicioso; ou como uma lufada de ar fresco no sistema político desgastado do país. Certo é que a estrela do críquete, que levou o Paquistão à vitória no campeonato do mundo em 1992 (a primeira e a única até agora), tem um forte carisma, que, ao longo dos últimos 15 anos, tem tentado levar para o seu combate político.

O boicote nas últimas legislativas, em 2008, significou que o seu Tehrik-e-Insaf (Movimento da Liberdade) não tem um único deputado no Parlamento. Mas Khan tornou-se no político mais popular do país. Uma sondagem de Junho do Pew Research Center dava-lhe 68% de aprovação, contra 61% para Nawaz Sharif (menos 10% que no ano anterior), que ficou assim destronado. O primeiro-ministro Yousaf Raza Gillani recebeu 37% e o Presidente Asif Ali Zardari 11%. A conclusão de muitos media era que a maré estava a virar contra os políticos do establishment.

O comício de Lahore veio confirmar essa percepção. "Isto é a emergência de uma nova força. O grito de mudança está a ecoar no Paquistão", comentou ao Guardian Ayaz Amir, deputado da Liga Muçulmana do Paquistão-N (PML-N, de Sharif), que assistiu ao encontro. "Jovens, velhos, profissionais, mulheres - nunca tinha visto antes estas pessoas num encontro público no Paquistão". A Liga apanhou, nas palavras do próprio Amir, "um susto de morte".

"Escravos obedientes"

Khan descreve os políticos de Islamabad como "fantoches" de Washington. Diz também que os Estados Unidos "só querem escravos obedientes", cita novamente o Post. "Todo o sistema entrou em colapso. Não existe hoje Governo".

O diário americano escreve que às vezes Khan parece um liberal pró-democracia, outras um simpatizante dos partidos islâmicos conservadores (o ex-Presidente Pervez Musharraf disse uma vez que ele era "um terrorista sem a barba", para justificar a necessidade de o prender).

No seu comício, defendeu o fim das operações contra os grupos extremistas, como os taliban, e apelou ao diálogo. Garantiu que, se fosse primeiro-ministro, acabava com a insurreição islâmica "em 90 dias". Também deixou já claro que não pretende mudar a lei contra a blasfémia - "não é a altura certa" -, que traz duras limitações à liberdade de expressão.

Recentemente, ressalvou à BBC que não é apoiante dos taliban e definiu-se como um "liberal". Em consequência, na sexta-feira, os Taliban do Paquistão devolveram o insulto que ele lança aos outros políticos: "É um escravo dos Estados Unidos e da Europa", comentou o porta-voz do grupo à estação britânica. "Também achamos que ele não é um simpatizante nosso". E aconselhou-o a falar em urdu, a língua nacional, já que Khan se considera representante do povo paquistanês.

Khan, formado em Oxford, tinha fama de playboy internacional. Agora, a sua imagem é às vezes a de um "guru new age", descreveu o Post.

A sua popularidade assenta também em coisas como estas: construiu o único hospital oncológico do país, que trata 75% dos pacientes sem cobrar, tornou públicas as suas declarações de rendimentos. Apenas 2% no país pagam impostos e Khan afirma que irá mudar isso, permitindo assim ao país dispensar a ajuda internacional: "Uma maldição para um país pobre, que impede que se façam as devidas reformas e promove a corrupção", diz.

O que Khan preconiza corresponde, em grande medida, às preocupações na nova classe média paquistanesa, que, no seu comício, "saiu contra os políticos e a política em maior número e com mais entusiasmo do que alguma vez tinha feito para concluir a revolução que começou em 2007", quando surgiu o movimento a favor da recondução dos juízes, escreveu Badar Alam, editor do jornal Herald.

No entanto, "há razões genuínas para cepticismo", continua. "Transformar o seu apoio público em sucesso eleitoral vai ser um desafio". Alam diz que a sua agenda é "simplista", e que o facto de repudiar os políticos lhe deixa "pouco espaço de manobra para as alianças e acordos que no Paquistão levam as pessoas ao poder e ajudam a afastar os opositores".

Sugerir correcção