Elvedin Pasic sobreviveu ao massacre de 150 pessoas e ontem recordou-o no julgamento de Mladic

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Elvedin Pasic contou agora no TPI o que viveu há 20 anos

Julgamento do ex-chefe militar dos sérvios recomeça com testemunhas e relatos de atrocidades

Elvedin Pasic tinha 14 anos mas nunca esquecerá o dia em que os sérvios chegaram à sua cidade, Grabovica, no Norte da Bósnia. Perdeu o pai, conseguiu fugir, e ontem contou o que viveu no Tribunal de Haia, onde recomeçou o julgamento de Ratko Mladic.

Era já noite, de 2 para 3 de Novembro de 1992, recorda. Estavam a chegar ao fim os dias em que, em Grabovica, jogava basquetebol ou futebol com muçulmanos, croatas ou sérvios. "Era um tempo maravilhoso, respeitávamo-nos uns aos outros." Até que, sendo muçulmano, teve de fugir das forças sérvias lideradas por Ratko Mladic, durante a guerra na Bósnia, que se prolongou de 1992 a 1995 e na qual morreram perto de 100 mil pessoas.

Mladic está acusado por 11 crimes de guerra e contra a humanidade, entre os quais genocídio, e começou a ser julgado em Maio no Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ), em Haia. O julgamento foi interrompido a pedido da defesa, mas recomeçou agora com os relatos de algumas testemunhas que o antigo chefe militar dos sérvios na Bósnia, de fato cinzento e gravata às riscas, ouviu de rosto cerrado.

Uma das testemunhas foi Elvedin Pasic, hoje com 34 anos, que sobreviveu ao massacre de 150 pessoas em Grabovica. Emocionado, por vezes de lágrimas nos olhos, contou aos juízes que fazia parte de um grupo de muçulmanos bósnios que fugia dos militares sérvios quando lhe disseram para se calar, porque os sérvios já estavam próximos. "Uns segundos depois, começaram a disparar balas, fiquei petrificado. Tive a impressão de que eram moscas grandes, não percebi logo que eram balas", lembra Pasic.

"Matem-me! Matem-me"

No grupo estava também o seu pai e um tio. Todos, muitos homens e cerca de dez mulheres, deixavam para trás uma cidade já bombardeada pelas forças sérvias. Quando os militares comandados por Mladic os encontraram e começaram a disparar correram para a margem de um rio e muitos acabaram por não sobreviver. "Havia minas junto ao rio, morreram 10 pessoas", conta Pasic, antes de recordar Besim, um amigo seu, que ficou sem pernas e começou a gritar "dêem-me uma arma, matem-me! matem-me!".

O grupo de muçulmanos acabou por render-se às forças sérvias e foi levado para uma escola de Grabovica, contou Pasic, citado pela AFP. As mulheres e as crianças ficaram no rés-do-chão, os homens foram levados para o primeiro andar. Pasic quis subir para ver o pai, mas "estava apavorado" e acabou por não o fazer. Nunca mais viu o pai, o corpo nunca apareceu. Em poucas horas, foi levado num autocarro com as mulheres e as outras crianças.

Mladic ouviu Pasic sem reagir, e este nunca olhou para o antigo general.

Segundo a acusação, as forças sérvias na Bósnia mataram, violaram e torturaram milhares de muçulmanos em várias localidades e foram também responsáveis pelo massacre de Srebrenica em que morreram 8000 rapazes e homens, em 1995.

O julgamento de Mladic, detido em Maio do ano passado depois de ter escapado à justiça durante 16 anos, foi retomado dois dias antes de passarem 17 anos após as mortes de Srebrenica. A defesa chegou a pedir um adiamento, por questões processuais daquele que se prevê vir a ser um julgamento longo - ao todo, deverão ser ouvidas 400 testemunhas, das quais 140 estão dispostas a comparecer pessoalmente no Tribunal de Haia.

Mladic poderá ser condenado a prisão perpétua.

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