Com a saída de Conan O"Brien, oúltimo a rir no late night da NBC vai mesmo ser Jay Leno

Fim do contrato com a NBC representa mais de 20 milhões para O"Brien e o fim de 17 anos na estação que preferiu Jay Leno. O espectáculo continua esta semana em cada um dos talk-shows

Tudo pode ser reduzido a uma paixão adolescente: Team O"Brien ou Team Leno? Os fãs estão no Facebook, no Twitter e nas ruas a manifestar-se - sobretudo os de O"Brien, demograficamente mais participativos em termos 2.0. Mas este apoio é tão inconsequente quanto apoiar um ou outro herói de uma saga cujo argumento já há muito está escrito. O que já se sabe: Jay Leno ganha a batalha, mantendo-se na NBC e ao que tudo indica recuperando o "seu" Tonight Show. Conan O"Brien abandona o programa que lhe fora prometido desde 2004 e leva 28 milhões de euros de indemnização.

O número surgiu ontem no Wall Street Journal, que precisava que 23 milhões vão para o apresentador e o restante cobre a rescisão da sua equipa de cerca de 200 pessoas. Além disso, o contrato, que estava à hora de fecho desta edição em vias de ser assinado, incluirá uma cláusula de silêncio sobre a NBC. É uma tentativa de parar a sangria que, desde a semana passada, pôs os apresentadores dos dois talk-shows, os comentadores, os fãs, os cibernautas e os colegas humoristas a gozar com o canal e com o Late Night Gate.

Tanto o Jay Leno Show quanto o Tonight Show com Conan O"Brien passam em Portugal (SIC Mulher e Radical, respectivamente) e o seu duelo pode parecer, à distância de um Atlântico, uma querela menor de comediantes, um jogo de poder de figuras públicas. Mas é mais um forte abanão na crise da NBC, incapaz de produzir um novo Friends, um novo Serviço de Urgências, de ter a posição dominante de outrora. A TV, como todos os media, está a mudar e o papel dos talk-shows é mais uma âncora a arrastar-se no fundo de um mar turvo.

Vitória pessoal para Leno

O"Brien e Leno são figuras de proa de um certo de tipo de humor que faz comentário político ou social para milhões de americanos (e outros tantos espectadores no mundo) - Leno representa o blue colar, o trabalhador da América média, e O"Brien diz mais aos habitantes das costas Leste e Oeste, mais de nicho (é menos convencional, aposta mais no nonsense). O"Brien e a sua equipa mudaram-se de Nova Iorque para Los Angeles para começar no Tonigh Show em Junho de 2009, uma transição prevista pelo seu contrato desde 2004 e que implicava a saída de Leno do mesmo programa. Em troca e para não ir para a concorrência, Leno ficou com um quase inédito talk-show às 22h. Nem O"Brien nem Leno venceram nas audiências e a NBC devolveu a Leno o horário das 23h35 e propôs a Conan que adiasse o Tonight para as 00h05. Conan recusou. Tudo indica que Leno vai mesmo voltar ao Tonight Show. Leno explicou segunda-feira aos espectadores que mudou para as 22h contrariado, que o plano gizado em 2004 nunca lhe agradou e que a NBC lhe garantiu que Conan agora não se importava de começar mais tarde.

Ter de volta o Tonight Show, com o qual foi líder de audiências durante mais de uma década, é uma vitória pessoal para Leno, que frisava segunda-feira quão "bom tipo" é O"Brien, um "cavalheiro". "Não tenho qualquer animosidade quanto a ele. Isto é tudo negócios. Se não conseguimos as audiências, estamos fora do ar." Também o presidente da NBC, Jeff Zucker, defendeu a sua actuação no processo nos últimos anos, mas assumiu que agora sabe que "foi um erro" pôr Leno às 22h, hora das séries dramáticas, enxertado para prejuízo dos canais associados (as estações locais que mesclam programação regional com a da cadeia-mãe). E foi um erro levar O"Brien a bater com a porta.

Talk-shows em queda

O"Brien voltará ao trabalho (na Fox?) já em Setembro. Mas como escrevia o colunista do New York Times David Carr, a culpa disto tudo não é de O"Brien nem de Leno. Há uma quebra das audiências dos talk-shows que precede estas diatribes e que tem, inevitavelmente, a ver com o aumento de opções de visionamento e de conteúdos, e que coincide com a perda de poder agregativo destes programas. Em Portugal a tradição na TV é diferente, mas o humor, com ou sem talk-show acoplado, sempre deu um enquadramento, um sublinhado ao que se passou no país num dado momento. Agora, esse papel encontra-se diluído em várias plataformas. Um sinal: este é um tema do dia nos EUA, os programas em causa passam com diferimento de semanas em Portugal mas pode ver, e provavelmente já viu, qualquer clip desta história na Web. Nick Bilton, no New York Times, sugere: em Setembro, Conan O"Brien devia voltar, mas na Internet.

Nesta fotografia, neste instantâneo do audiovisual mundial, Leno sobrevive na NBC, mas O"Brien é o underdog com maior capital de simpatia. E quem se ri, entretanto, é David Letterman, que foi preterido há 18 anos em favor de Leno para suceder a Johnny Carson no Tonight Show e que tem feito do drama na NBC uma fria e saborosa piada vingativa.

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