Um museu chamado João Parente

Quando, há cerca de duas décadas, o padre João Parente, um apaixonado pela numismática, prometeu a Natália Correia Guedes, então presidente do Instituto Português do Património Cultural (IPPC), expor a sua vasta colecção de moedas, estava longe de imaginar que levaria tanto tempo a cumprir este desígnio. Hoje, quando a secção de Numismática abrir as suas portas no Museu de Vila Real, João Parente verá finalmente o seu desejo tornar-se realidade. Eis a história de um museu que deve a sua existência à perseverança de um pároco que um dia, ao comprar nove moedas do século IV a três crianças transmontanas, se começou a interessar pela numismática. Trinta anos depois, João Parente torna-se director do Museu de Vila Real e, do seu intento, só não conseguiu que esta estrutura fosse temática. Além da secção de Numismática, o Museu de Vila Real tem uma área de exposições temporárias, já em fucionamento, e uma área de arqueologia a inaugurar numa próxima fase - a funcionar desde Outubro de 1997 num edifício do século XVII, o Museu de Vila Real ainda não dispõe de uma equipa científica. O desafio da antiga responsável do IPPC a João Parente foi lançado no Verão de 1980. "Foi numa visita que fizemos à Torre de Quintela e a Panóias [em Vila Real]. A dra. Natália Correia Guedes prometeu restaurar a Torre de Quintela e eu prometi expor a minha colecção lá. Ela cumpriu a promessa, mas eu não", conta o pároco. Isto porque, recorda, os sucessores de Natália Correia Guedes "desinteressaram-se" do seu projecto.Anos mais tarde, ao ameaçar vender a sua colecção, João Parente conseguiu arrancar algumas promessas do anterior presidente da Câmara Municipal de Vila Real. Mas apenas isso. "Armando Moreira andou 15 anos com paliativos e nunca resolveu nada", lamenta. Mas, na véspera das penúltimas eleições autárquicas, João Parente não esteve com meias medidas: ou lhe prometiam avançar com o seu projecto, ou criaria o museu de numismática noutro município. Em resposta, o executivo camarário celebrou um acordo com João Parente: em troca da doação das moedas à câmara, esta passava a dar um vencimento ao pároco, com vista a avançar com o projecto de criação do museu. Mesmo assim, nem tudo foi tão fácil e, por diversas vezes, João Parente, que manteve sempre as moedas em seu poder, ameaçou bater com a porta. Alguns desentendimentos explicam que só agora, um ano e meio depois da inauguração do próprio museu, as moedas de João Parente sejam expostas ao público. Hoje não falta, aliás, quem suspire de alívio por ver que, finalmente, o afamado acervo passa para as mãos da autarquia. Pelo caminho ficou o projecto de criação de um museu de numismática em Vila Real, uma ideia que sempre desagradou a grande parte da comunidade cultural, que não via com bons olhos a instalação de um museu temático numa cidade que ainda não dispunha de qualquer estrutura museológica. As vozes da discórdia elevavam-se ainda porque não se conhecia qualquer avaliação rigorosa da famosa colecção de moedas de João Parente e não faltava quem desconfiasse do seu valor museológico, uma preocupação que, ao que o PÚBLICO apurou, não deixou de existir. "Receio que a exposição seja apenas um conjunto amontoado de moedas, sem qualquer leitura patrimonial, e que o valor destas, afinal, não seja nada de extraordinário", afirmou uma fonte ligada à área."Entre as 4000 moedas que vão ser expostas, 3743 são de bronze, 213 de prata, uma de chumbo e 43 de ouro. Talvez houvesse quem preferisse ter só moedas de ouro, mas na numismática o que interessa é valorizar a moeda em si, sem olhar ao material de que é feita", responde João Parente, sublinhando que a exposição que hoje abre ao público tem ainda o "valor especial" de ser praticamente constituída por moedas encontradas na região transmontana. E descobertas por uma só pessoa. "Moeda que aparecesse em Trás-os-Montes, eu não deixava escapar", diz o pároco.

Sugerir correcção